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sábado, 30 de março de 2013

Notas de Roda-pé



Mais
O Comandante Ezequiel está mais crescido. Que me perdoe este modo de entrar com ele, mas as palavras — ou pelo menos a ideia — são dele. O Com. Ezequiel foi quem comandou as operações de resgate na tragédia da ponte de Entre-os-rios. Agora conta tudo num livro. A epopeia está lá toda. Devo dizer que o homem já me impressionara na altura. A clareza, a economia do discurso (dizia o que devia ser dito sem exageros nem falsas esperanças), a solicitude, o empenho, a responsabilidade. Na braveza daquele mar de água em que, no Inverno passado, se tornou o rio Douro o Com. Ezequiel comandou a armada sem perder um navio. E como tinha a televisão a fazer permanentemente directos estava directa e permanentemente a ser policiado. Enquanto andava responsavelmente a esquadrinhar o fundo do Douro nós espiolhavamos-lhe a alma e os pensamentos, as hesitações e o medo, a fé e a técnica, a tática e a sabedoria.
Agora o Comandante escreveu um livro para nos contar o que aconteceu. E aconteceu que ao menos um de nós cresceu como homem. Desde que a ponte falhou sobre o abismo alguém é mais homem. Amadureceu muito o Comandante!
Todos vamos amadurecendo na vida. Andamos a amadurecer até morrer e caímos de maduros quando morremos. É certo que a vida a todos vai concedendo oportunidades de amadurecimento. Uns aproveitam-nas, outros não. Em trinta e cinco dias o Com. Ezequiel cavalgou a experiência do limite e da pequenez, e fez o que tinha a fazer: cresceu como homem! No Inverno passado Gil Eanes regressou ao Bojador. E saiu mais homem!

César
A César o que é de César. João César das Neves é economista e perguntaram-lhe pela fé. Respondeu afirmando que era católico e que o católico deve viver com os olhos postos no céu, porque é para aí que está a caminhar. Se vamos passar a maior parte da vida no céu (e agora só estamos na sala de espera) o melhor é, pensa César das Neves, ir praticando o que havemos de viver. Como bom economista César das Neves sabe bem onde se fazem as melhores apostas. E já fez as suas. Não desprezou as de cá, mas apostou descaradamente tudo nas de lá!

Prática
João César das Neves não é padre, é católico casado. Perguntaram-lhe o que pensa dos católicos não-praticantes. A resposta é interessante e sem teias de aranha. Respondeu que respeita todos os que estão em processo de adesão e seguimento de Jesus. E rematou dizendo que lhe é difícil entender um católico não-praticante como lhe é difícil entender um casado não-praticante!...

Sem Deus
Pela mesma altura Jorge Coelho também foi entrevistado. E também lhe perguntaram sobre a fé e sobre Deus. Vejamos: é baptizado, é de formação católica, fez militância católica, conhece os valores da Igreja Católica e navega por referência a eles; não é praticante (mas é casado e tem dois filhos baptizados), não é católico mas agnóstico. No que faz não precisa de Deus, mas sempre nos informa que respeita os crentes e as Igrejas. Se a entrevista não tivesse seis meses diria que o Governo queria eleições.

Credebilidade
Há tempos o Instituto das Ciências Sociais divulgou um estudo sobre valores e comportamentos dos portugueses. Na altura causou surpresa — embora mais em quem mais doeu — a alta percentagem de confiança depositada na Igreja Católica: 63% consideram-na ‘extremamente importante’! Respondeu quem respondeu, doeu-se quem se doeu; sendo que, lá diz o provérbio que se sente quem é filho de boa gente.
Por mim anoto que o século XXI está nomeado para ser o século da religião. O século XX terá tentado ocultá-la, negá-la ou amordaçá-la. Não conseguiu. O actual talvez nos mostre a não-utilidade da religião e nos (in)forme àcerca do seu não-ser descartável, reutilizável, consumível. Talvez o século XXI nos revele como a religião é integradora de todo o homem e do homem todo. A vida humana não pode ser amputada na sua ligação à Fonte, sob pena de que não ligado à Fonte o rio deixe de ser rio e nunca sinta aquele apelo integrador que é o que o constitui como rio: querer correr para o mar.

1’ de sabedoria
Os alunos do Mestre passavam o tempo pedindo-lhe umas palavras de sabedoria só para eles. Um dia o Mestre declarou:
— A sabedoria não se exprime em palavras. Ela revela-se na acção.
Depois de ouvirem isto os discípulos mergulharam de alma e corpo em plena actividade. Então, o Mestre deu uma gargalhada e comentou:
— Mas isso não é acção! Isso é apenas movimento!

[18 de Novembro de 2001]

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