...

sexta-feira, 22 de março de 2013

Notas de Roda-pé



Dia Mundial da Criança
O dia 1 de Junho é o Dia Mundial da Criança. Na sequência das celebrações as minhas meditações foram estas:
Nkosi Johnson. O Menino Nkosi tinha só onze anos e nasceu com sida. Já não tinha pais mortos às mãos da Peste. Um escola havia-se recusado recebê-lo. Nkosi vestiu fato e gravata e para anununciar a sua doença, protestar contra a exclusão e fazer valer os seus direitos de criança. O Parlamento Sul-africano recebeu-o, ouviu-o e debateu o assunto. Também Nelson Mandela o recebeu ouviu e apoiou. Morreu menino, mas morreu a lutar pelos direitos dos meninos. Triste sina a dum menino que morre a lutar! Foi no Dia Mundial da Criança.
Menino guerreiros. É a moda, embora requentada. São usados sobretudo em África, mas não só. São mais baratos, mais fiéis, mais fiáveis, mais obedientes e menos exigentes. Com eles as guerras são mais baratas e nem por isso há mais derrotas. São trezentos mil em mais de trinta conflitos internacionais. Não ganham nada, só perdem. Uma vez li uma reportagem sobre os ex-guerreiros desmobilizados. Era todos meninos. Meninos? Talvez feras ou bestas, se crermos no relato do jornalista. Não tinham alma, nem regras, nem valores, nem futuro, nem história, nem comando. Estavam ali. Simplesmente apodreciam num charco de esquecimento e de drogas. Eram meninos que nunca tinham chegado a sê-lo.
Barco negreiro. Penso que foi em finais de Março. Um barco que conseguiu ser denunciado mas não encontrado transportava, algures, lá para o Atlântico Sul, meninos. Não se chegou a saber quantos eram (200? 300?), mas sabia-se para o que eram. Tinham sido comprados à miséria dos pais e iam como escravos, dum país para o outro. O comprador, ao que parece, não ia no barco. Quando a opinião pública mundial se começou a mover o barco começou a ter dificuldades em atracar: todos os portos africanos se recusaram dar entrada ao Barco Negreiro.
Quando finalmente atracou não trazia meninos, mas também não os tinha deixado em nenhum outro porto... E claro, o dono não vinha lá, mas se disser que é daqueles que gosta de champanhe e morangos e frequenta os locais onde a ementa se serve talvez não erre muito.
Timothy McVeigh. Ficará como nome maldito. De olhos abertos morreu executado depois de uma injecção. Tinha a minha idade e escolheu como últimas palavras as de um poema que diz: “Sou o senhor do meu próprio caminho, sou o senhor do meu próprio destino”. Fora o autor do maior atentado terrorista nos EUA. Custa-me compreender muita coisa, inclusivé como é que o Estado se assenhoreia daquilo a que não tem direito, a vida.
Na Suiça prenderam uma imigrante portuguesa. Era toxicodepende. E mãe. Três semanas depois a polícia entrou no apartamento da senhora e encontrou o cadáver de um bébé de ano e meio que morrera porque a mãe, presa, lhe faltara. Parece que, entre outras coisas, a polícia não atendeu a tempo a situação familiar da mulher. Mais uma vez o Estado se portou como um senhor feudal; e nem quero pensar que assim tenha sido por a mulher não ser suiça...
Para que cria um homem um filho? Que vale a vida?
Unamuno. Razão tinha dom Miguel de Unamuno num poeminha que eu recordo muitas vezes sem o saber de cor:
Aumenta a porta, Pai,
Para que eu possa passar.
Fizeste-la para os pequeninos
E sou crescido, para meu pesar.
E se a não aumentas, ó Pai,
Empequenece-me, por piedade.

S. João
S. João Baptista é o único santo que a Igreja além do dia da morte celebra também o dia do nascimento. Ao nascer os habitantes de Ain Karim, aldeia em que viviam os seus pais Isabel e Zacarias, perguntaram-se: “Quem virá a ser este menino?”
O dia 24 de Junho é um dia bonito para meditar na vida como dom. E nas surpresas da vida. E na recusa do dom! Espanta-me como nos tempos que correm as famílias jovens se vão escusando de ter filhos e vão fechando a porta à vida. Portugal mudou, já está moderno, ao menos na baixíssima taxa da natalidade. A moda é ter dois filhos, ou então um filho e um cão, ou pior ainda, dar lugar só aos cães.
Uma coisa é certa há uma enorme riqueza humana de que nos estamos a privar por causa da mesquinhez dos casais jovens. Quantos grandes homens e mulheres não teriam nascido se a regra fosse os dois filhos! Apostar num carro novo em vez dum filho é uma má aposta e a melhor aposta para se conseguir uma família triste. Há quem para lá da busca de conforto e bem-estar arrisque outra explicação — uma explicação bem pior. Se os casais jovens se recusam a ter filhos é porque perceberam que ‘assim não merece a pena viver’ e limitam os nascimentos. Assim como os animais exóticos em cativeiro se recusam a procriar, assim as gerações jovens. Se baixam os nascimentos é porque não querem oferecer uma jaula aos filhos. É capaz de ser duro de mais. Mas... não andarei muito longe da verdade.
Já vistes, Lili, que se os teus pais pensassem assim não terias nascido?

Prémio
Há uns tempos os noticiários informaram-nos que a Câmara de Figueira de Castelo Rodrigo oferecia um prémio. O critério era original: teria de nascer um filho na família! Portugal parece que é a região (região?) da Europa que mais favorece, logo menos combate, a desertificação do interior. O prémio concedido pela Câmara Municipal de Figueira de Castelo Rodrigo é um triste sinal.

Prémio
S. Demétrios fora convidado por Deus para um encontro bem longe da cidade, na estepe. O encontro era com o próprio Deus. Quanto mais pensava no encontro mas S. Demétrios apressava o passo. Eis senão quando o seu caminho se cruza com o caminho de um aldeão cuja carroça se encontrava atascada na lama. O barro era espesso e o buraco fundo. Durante uma hora o aldeão e S. Demétrios lutaram a bom lutar para arrancar para cima a carroça. Quando tudo terminou o santo correu como pode para o lugar do encontro. Mas Deus já lá não estava.
Conclusão de alguns: há sempre alguém que se atrasa para o encontro com Deus. É que existem demasiadas carretas e outros tantos azelhas que as deixam presas na lama dos caminhos por onde havemos de passar.
Outra conclusão (certa): é bom estar preparado para o encontro com Deus. Ele acontece mais cedo do que contamos.

[3 de Julho de 2001]

Sem comentários: