Dia Mundial da Criança
O dia 1 de Junho é o Dia Mundial da Criança. Na
sequência das celebrações as minhas meditações foram estas:
Nkosi Johnson. O Menino Nkosi tinha só onze anos
e nasceu com sida. Já não tinha pais mortos às mãos da Peste. Um
escola havia-se recusado recebê-lo. Nkosi vestiu fato e gravata e
para anununciar a sua doença, protestar contra a exclusão e fazer
valer os seus direitos de criança. O Parlamento Sul-africano
recebeu-o, ouviu-o e debateu o assunto. Também Nelson Mandela o
recebeu ouviu e apoiou. Morreu menino, mas morreu a lutar pelos
direitos dos meninos. Triste sina a dum menino que morre a lutar! Foi
no Dia Mundial da Criança.
Menino guerreiros. É a moda, embora requentada.
São usados sobretudo em África, mas não só. São mais baratos,
mais fiéis, mais fiáveis, mais obedientes e menos exigentes. Com
eles as guerras são mais baratas e nem por isso há mais derrotas.
São trezentos mil em mais de trinta conflitos internacionais. Não
ganham nada, só perdem. Uma vez li uma reportagem sobre os
ex-guerreiros desmobilizados. Era todos meninos. Meninos? Talvez
feras ou bestas, se crermos no relato do jornalista. Não tinham
alma, nem regras, nem valores, nem futuro, nem história, nem
comando. Estavam ali. Simplesmente apodreciam num charco de
esquecimento e de drogas. Eram meninos que nunca tinham chegado a
sê-lo.
Barco negreiro. Penso que foi em finais de
Março. Um barco que conseguiu ser denunciado mas não encontrado
transportava, algures, lá para o Atlântico Sul, meninos. Não se
chegou a saber quantos eram (200? 300?), mas sabia-se para o que
eram. Tinham sido comprados à miséria dos pais e iam como escravos,
dum país para o outro. O comprador, ao que parece, não ia no
barco. Quando a opinião pública mundial se começou a mover o barco
começou a ter dificuldades em atracar: todos os portos africanos se
recusaram dar entrada ao Barco Negreiro.
Quando finalmente atracou não trazia meninos, mas
também não os tinha deixado em nenhum outro porto... E claro, o
dono não vinha lá, mas se disser que é daqueles que gosta de
champanhe e morangos e frequenta os locais onde a ementa se serve
talvez não erre muito.
Timothy McVeigh. Ficará como nome maldito.
De olhos abertos morreu executado depois de uma injecção. Tinha a
minha idade e escolheu como últimas palavras as de um poema que diz:
“Sou o senhor do meu próprio caminho, sou o senhor do meu próprio
destino”. Fora o autor do maior atentado terrorista nos EUA.
Custa-me compreender muita coisa, inclusivé como é que o Estado se
assenhoreia daquilo a que não tem direito, a vida.
Na Suiça prenderam uma imigrante portuguesa. Era
toxicodepende. E mãe. Três semanas depois a polícia entrou no
apartamento da senhora e encontrou o cadáver de um bébé de ano e
meio que morrera porque a mãe, presa, lhe faltara. Parece que, entre
outras coisas, a polícia não atendeu a tempo a situação familiar
da mulher. Mais uma vez o Estado se portou como um senhor feudal; e
nem quero pensar que assim tenha sido por a mulher não ser suiça...
Para que cria um homem um filho? Que vale a vida?
Unamuno. Razão tinha dom Miguel de Unamuno num
poeminha que eu recordo muitas vezes sem o saber de cor:
Aumenta a porta, Pai,
Para que eu possa passar.
Fizeste-la para os pequeninos
E sou crescido, para meu pesar.
E se a não aumentas, ó Pai,
Empequenece-me, por piedade.
S. João
S. João Baptista é o único santo que a Igreja
além do dia da morte celebra também o dia do nascimento. Ao nascer
os habitantes de Ain Karim, aldeia em que viviam os seus pais Isabel
e Zacarias, perguntaram-se: “Quem virá a ser este menino?”
O dia 24 de Junho é um dia bonito para meditar na
vida como dom. E nas surpresas da vida. E na recusa do dom!
Espanta-me como nos tempos que correm as famílias jovens se vão
escusando de ter filhos e vão fechando a porta à vida. Portugal
mudou, já está moderno, ao menos na baixíssima taxa da natalidade.
A moda é ter dois filhos, ou então um filho e um cão, ou pior
ainda, dar lugar só aos cães.
Uma coisa é certa há uma enorme riqueza humana
de que nos estamos a privar por causa da mesquinhez dos casais
jovens. Quantos grandes homens e mulheres não teriam nascido se a
regra fosse os dois filhos! Apostar num carro novo em vez dum filho é
uma má aposta e a melhor aposta para se conseguir uma família
triste. Há quem para lá da busca de conforto e bem-estar arrisque
outra explicação — uma explicação bem pior. Se os casais jovens
se recusam a ter filhos é porque perceberam que ‘assim não merece
a pena viver’ e limitam os nascimentos. Assim como os animais
exóticos em cativeiro se recusam a procriar, assim as gerações
jovens. Se baixam os nascimentos é porque não querem oferecer uma
jaula aos filhos. É capaz de ser duro de mais. Mas... não andarei
muito longe da verdade.
Já vistes, Lili, que se os teus pais pensassem
assim não terias nascido?
Prémio
Há uns tempos os noticiários informaram-nos que
a Câmara de Figueira de Castelo Rodrigo oferecia um prémio. O
critério era original: teria de nascer um filho na família!
Portugal parece que é a região (região?) da Europa que mais
favorece, logo menos combate, a desertificação do interior. O
prémio concedido pela Câmara Municipal de Figueira de Castelo
Rodrigo é um triste sinal.
Prémio
S. Demétrios fora convidado por Deus para um
encontro bem longe da cidade, na estepe. O encontro era com o
próprio Deus. Quanto mais pensava no encontro mas S. Demétrios
apressava o passo. Eis senão quando o seu caminho se cruza com o
caminho de um aldeão cuja carroça se encontrava atascada na lama. O
barro era espesso e o buraco fundo. Durante uma hora o aldeão e S.
Demétrios lutaram a bom lutar para arrancar para cima a carroça.
Quando tudo terminou o santo correu como pode para o lugar do
encontro. Mas Deus já lá não estava.
Conclusão de alguns: há sempre alguém que se
atrasa para o encontro com Deus. É que existem demasiadas carretas e
outros tantos azelhas que as deixam presas na lama dos caminhos por
onde havemos de passar.
Outra conclusão (certa): é bom estar preparado
para o encontro com Deus. Ele acontece mais cedo do que contamos.
[3 de Julho de 2001]
Sem comentários:
Enviar um comentário