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segunda-feira, 4 de março de 2013

Coragem




@rropa
Na cidade de Valência, Espanha, um grupo de mulheres sentiu-se inspirado pelo Espírito Santo. O Espírito
Santo juntou-as, amassou-lhes os sonhos, levedou-lhes a imaginação, abriu-lhes uma janela de vida, e, junto
às torres de Serranos, num espaço de setenta metros quadrados nasceu a loja @rropa. São vinte e cinco mulheres, uma espanholas outras não. Umas vêm da toxicodependência, outras estão contaminadas pela SIDA, muitas vieram da imigração magrebina. As idades vão dos vinte e cinco aos quarenta. Que fazem estas mulheres? De coisas mais ou menos velhas fazem coisas novas. Em poucos dias receberam, seleccionaram, escolheram, trataram, cuidaram, prepararam quinhentas toneladas de roupa. Sim, quinhentas toneladas! A que de nada servia queimaram. A que estavam em condições preparam-na para revenda. Antes receberam formação equivalente ao 12º ano numa Escola de Adultos e apoios como cidadãos de pleno direito, agora são funcionárias da @rropa que pertence à Cáritas Diocesana de Valência.
Se fôr a Valência procure a loja @rropa. Vá pela curiosidade ou pelo que quiser. Se entrar verá à venda roupa em segunda mão como se fosse nova. Encontrará sapatilhas de lona, babetes, camisas, tailleurs, roupa da Primeira Comunhão, calças, saias... e muito mais. Os preços são módicos, entre mil e mil e quinhentos escudos! Quem está noiva e não tem posses pode passar por lá, também há vestidos! Lindíssimos vestidos de noiva a vinte e cinco mil escudos! Estas coisas dão que pensar, e nem admira. Afinal, quando o Espírito Santo se derrama sobre o barro inerte faz coisas lindas!

Pequeno Desejo
Todos cumprimos algumas vez um desejo. Que felicidade! E, creio, todos tivemos já oportunidade de vermos alguém feliz porque lhe concretizamos ou possibilitamos a realização dum desejo! Não há felicidade igual...
Em Espanha (mais uma vez!...) acaba de nascer uma coisa interessante. Há um ano e a partir duma ideia dum executivo duma produtora internacional de programas infantis e juvenis de televisão nasceu a Fundação Pequeno Desejo! Tem um modesto objectivo: esforçar-se todos os dias por concretizar as ilusões de crianças enfermas terminais ou crónicas. Pode ser apenas um simples festa de anos, ou uma visita ao zoológico, ou conhecer um futebolista. Podem ser coisas muito simples, que não livram nem da dor nem da doença, mas aqueles meninos são um poucochinho mais felizes, mais meninos. A Fundação está bem assessorada e estruturada, esconde a burocracia porque deseja apenas um mundo mais humano semeando sorrisos onde só há dor e desalento.
E fazem coisas bonitas: João, cinco anos, quis ser bombeiro por um dia e foi!; Lourdes, 15 anos, quis conhecer Chayanne, o seu cantor preferido, e conheceu!; Marina, 9 anos, queria ir à Disneylandia e foi. É cega mas lembra-se bem da Minnie e do Micky!; Laura quis ter uma festa de anos com os amigos do hospital e do colégio e teve!
São pequenos desejos, concretizados com carinho, discrição, eficácia e delicadeza. São pequenos sonhos que por vezes mudam vidas como só as consegue mudar a força do Espírito de Deus. O Espírito Santo actua mesmo! Em Portugal, se a Fundação Pequeno Desejo surgir, eu proponho para patrono da fundação o Pedro Mantorras, porque é menino e porque a forma como partilhou a alegria com o Tiago foi algo único, lindo!

Herói
Um Air bus 310 A pesa 138 600 quilos. E voa. Não sei como, mas voa. Desloca-se a Mach 0,8. Não sei o que é, mas quer dizer a velocidade a que o bicho voa. Com os tanques cheios pode voar oito mil quilómetros. Uma pequena maravilha da técnica e da inteligência ao serviço do homem.
No dia 24 de Agosto, sexta-feira, um homem aguentou o bicho no ar durante 18 minutos e 60 quilómetros, depois aterrou a 500 quilómetros à hora no aeroporto das Lajes, na Ilha Terceira! Não havia combustível, não havia motores. Desde que em pleno oceano Atlântico o piloto recebeu a notícia até que aterrou passaram 81 minutos, quase um jogo de futebol. E o bicho planou no ar, simplesmente! Lá dentro iam 293 pessoas, e o piloto era uma delas, claro! Cá em baixo, como lá em cima, eram 6:43 horas, e a localidade da Praia da Vitória dormia e nem cheirou o perigo, nem estremeceu com o pressentimento.
Quando o Air bus A 310 aterrou consumara-se uma façanha sem par na história da aviação. Em Portugal, onde se registara o feito quase ninguém ouviu falar do assunto! Lá fora, os jornais e telejornais deram honras de primeira página ao herói que não queria sê-lo. Nesses dias só conhecíamos um nome: Melitão; e esquecemos o herói da aterragem milagrosa: Robert Piché, que disse ter feito apenas o que aprendeu a fazer. E também disse que «ao leme do avião sou mais que eu». Nem podia ser o contrário. Aliás os passageiros admiram a coragem do homem e afirmam que ali esteve a mão de Deus. Dizem que ao menino e ao borracho põe-lhe Deus a mão por baxo. E deve ser verdade.
Sabe a que se parece uma ilha a 60 quilómetros de distância? Não se parece a nada porque não existe. Mas a fé de Robert Piché afirma que existe, e quem somos nós para o negar? E porque haveria de haver sempre um Melitão a enegrecer o céu e a presença de Deus quando Ele anda tão perto de nós!

Presságios
As primeiras eleições livres em Timor já foram. Decorreram sem incidentes de maior. Se pecadilhos existiram foram fruto do acne duma democracia incipiente.
Não acompanhei muito o assunto. Reservo para o meu baú uma fotografia de primeira página do Público. Vê-se uma criança de chapéu e 14 sombras. Parece que são sombras da fila que vai a votos. Mas quem me garante que as sombras vão a votos? Quem me sossega e me diz que as sombras não se preparam para cercar e devorar a criança-Timor? Em quem devo confiar, na fragilidade da criança ou no negrume das sombras? Quero crer que a criança significa esperança, futuro, alegria, coisas novas. Mas o fotógrafo tinha mesmo de a emparedar contra um muro de sombras? Claro que outro tanto da fotografia é luz,  mas se lermos a foto as nesgas de luz que se abrem ao futuro são bem raras e bem estreitas. Nada garante nada, são apenas presságios.

1’ de sabedoria
Dois homens, ambos gravemente doentes, estavam no mesmo quarto de hospital. Um deles, podia apenas sentar-se na sua cama durante uma hora, todas as tardes. A sua cama estava junto da única janela do quarto. O outro homem tinha de ficar sempre deitado de costas. Os homens conversavam horas a fio. Falavam das suas mulheres e famílias, das suas casas, dos seus empregos, onde tinham passado as férias... E todas as tardes, quando o homem da cama perto da  janela se sentava, ele passava o tempo a descrever ao seu companheiro de quarto, todas as coisas que ele conseguia ver do lado de fora da  janela. O homem da cama do lado começou a viver à espera desses períodos de uma hora, em que o seu mundo era alargado e animado por toda a actividade e cor do mundo do lado de fora da janela. A janela dava para um parque com um lindo lago. Patos e cisnes chapinhavam na água enquanto as crianças brincavam com os seus barquinhos. Jovens namorados caminhavam  de braços dados por entre as flores de todas as cores do arco-íris. Árvores velhas e enormes acariciavam a paisagem, e uma ténue vista da silhueta da cidade podia ser vista no horizonte. Enquanto o homem da cama perto da janela  descrevia isto tudo com extraordinário pormenor, o homem no outro lado do quarto fechava os seus olhos e imaginava a pitoresca cena.  Um dia, o homem perto da janela descreveu um desfile que ia a passar. Embora o outro homem não conseguisse ouvir a banda, ele conseguia vê-la e  ouvi-la na sua mente, enquanto o outro senhor a retractava através de palavras bastante descritivas. Dias e semanas passaram.
Uma manhã, a enfermeira chegou ao quarto trazendo água para os seus banhos, e encontrou o corpo sem vida do homem perto da janela, que tinha falecido calmamente enquanto dormia. Ela ficou muito triste e chamou os funcionários do hospital para que levassem o corpo. Logo que lhe pareceu apropriado, o outro homem perguntou se podia ser colocado na cama perto da janela. A enfermeira disse logo que sim e fez a troca. Depois de se certificar de que o homem estava bem instalado, a enfermeira deixou o quarto.
Lentamente, e cheio de dores, o homem ergueu-se, apoiado no cotovelo, para contemplar o mundo lá fora. Fez um grande esforço e lentamente olhou para o lado de fora da janela... que dava, afinal, para uma parede de tijolo! O  homem perguntou à enfermeira o que teria feito com que o seu falecido companheiro de quarto, lhe tivesse descrito coisas tão maravilhosas do lado de fora da janela. A enfermeira respondeu que o homem era cego e nem sequer conseguia ver a parede. "Talvez ele quisesse apenas dar-lhe  coragem...".

[23 de Setembro de 2001]

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