Peregrinações
Chega o Verão chegam as peregrinações. Digo, chegam
peregrinações mas não daquelas que antes nos levaram a Jerusalém, Roma,
Compostela ou Fátima. De há uns tempos a esta parte, com o advento do Verão,
muitos são os caminhos de peregrinação até Vilar de Mouros ou Carviçais, até
Paredes de Coura ou Zambujeira do Mar, e outros lugares que ainda não sei
enumerar.
Não se julgue que a coisa não é séria. É-o e olho-a sério.
Senão veja-se:
Estas peregrinações exigem longas e nem sempre
confortáveis deslocações, e o que se perde em conforto ganha-se na comunhão com
a natureza (às vezes só as viagens valem por metade do festival (digo, da
peregrinação)! Para tudo o que é necessário para todos é-se obrigado
naturalmente a longas bichas de espera, onde se exercita a paciência e a
solidariedade; também dá para partilhar experiências e estabelecer contactos e
afervorar algum irmão mais débil na fé. Banho quando há é sujeito a duras
restrições ou obedece aos condicionalismos do lugar, o que nos leva a meditar no
zelo excessivo com que assumimos a higiene no restante do ano e como nos
postergamos perante excessos de que levianamente prescindimos nestas ocasiões.
Como o dinheiro não dura sempre e o multibanco nem sempre está à mão e também
se esgota vive-se da caridade alheia e aperfeiçoa-se na humildade; e se a
caridade não abunda, o que não admira, entra-se em regime de jejum ou
abstinência forçadas. A verdade é esta, deixa-se a cidade com as suas
esplanadas regorgitando de supérfluo para se arriscar um escaldão e o
desconforto. Frequentadores igualmente habituais, isto é, residentes habituais
são os mosquitos e outros membros da tribo promovidos a instrumentos ideiais
para transformar estes sensíveis e generosos peregrinos em mártires dóceis e
dedicados.
Mas há mais. Há concerteza coisas que não comento porque
não fui iniciado nestas peregrinações, logo estou naturalmente impedido de as
frequentar e de as conhecer mais por dentro.
E há ainda as celebrações. Sim, é verdade, nada disto
ficaria completo sem a turba se reunir em assembleia. Antes da ordem dos dias
(ou das noites?) actuam os noviços sem o nome no cartaz que aproveitam a
ocasião para se lançar. A estas liturgias quase privadas só assistem os amigos,
naturalmente os identificados com os rituais ainda não re-conhecidos. Depois,
durante o dia, as diferentes comunidades reunem-se primeiro por capelas que
concentram os fiéis mais fiéis e cujo discurso é por estes entendível. Ao fim
do dia surgem os sacerdotes principais, e quanto mais para o fim mais principais
o são. A luz do palco converge para eles todas as atenções. Depois da saudação,
gradualmente e de acordo com actuação a
militância e a devoção sobe ao rubro. Comunga-se um espaço, um ambiente, os
sons, os cânticos, os ideais, as homilias, o sentido de missão e ao que leio ‘um eventual fetiche vindo de
plantações marroquinas’. O que interessa é curtir, digo peregrinar.
A terminar: peço desculpa por algum excesso e, sobretudo,
pela imprecisão de linguagem e de conceitos. Mas como sou infiel...
Zambujeira
Não sou eu que troco os planos e transtroco as realidades
e misturo as linguagens. A miscelânia é evidente. Falo do que ouço ou vejo. Um
destes dias o JN trazia na capa um senhor abade baptizando uma menina. A Dânia
nasceu no ano passado durante o Festival do Sudoeste. E os pais, devotos do
festival, quiseram baptizá-la ali nesta
que é a edição seguinte. E foi canonicamente baptizada com os jornalistas a
madrugar para testemunhar a celebração do sacramento. E os pais também prometem
que é ali que a vão casar! Verdade verdadinha que não me estranha, não me
espanta, não me surpreende nem me tira a fé. E quem se estranhou com a primeira
parte das Notas deve saber que quem anda a misturar as realidades não sou eu.
Curioso
Eu já não percebo nada. Não é que não perceba, estou é
baralhado. Ana Filgueiras tem 52 anos, muitos deles dedicados a combater a
Sida. O nome deve enganar, não deve ser portuguesa. Aliás o seu combate foi em
Angola e Brasil. Numa entrevista ao Público no dia 25 de Junho, páginas 4 e 5,
declarou “ninguém gosta do preservativo, não é só a Igreja!”. Ai, sim? Então,
porque nos deram tanta porrada? A senhora não é concerteza portuguesa, por
isso, desde já a aviso: António, cartoonista do Expresso, vai enfiar-lhe um no
nariz. Vai ver! Depois me dirá.
Devo dizer-lhe, minha senhora, que me parece saber do que
fala. Apreciei a humildade e a serenidade. E olhe que até nem está mal aquela
de dizer que o senhor Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, “pode dar uma
enorme contribuição para a travagem da Sida neste país”. Mas repare bem: até
agora não sabíamos nada, agora já concordam connosco; e o que é mais podemos
ser “uma enorme contribuição”!... Na última década a senhora não viveu de
certeza em Portugal, senão não dizia isso.
À Sida já lhe ouvi chamar a Peste do século XX. E já lhe
ouvi chamar castigo de Deus. Os 22 milhões de mortes confirmam a primeira
teoria, mas castigo não é. Face à tragédia à escala global o problema também
nos preocupa a nós. E como bem disse a defesa e promoção da vida é para nós um
princípio sagrado. Mas só mais uma pergunta e com todo o respeito: com que
julga que a Igreja vai combater a Sida? Onde estão os milhões que outros
tiveram disponíveis? Confiar na nossa capacidade de gestão é já uma boa
garantia e é provavelmente a melhor maneira de começar o combate! Vamos a ele.
Porém, continuo a achar tudo isto muito curioso e permaneço muito confuso.
Adão e Eva
Uma empresa sueca está a preparar uma nova edição da
Bíblia. A notícia surpreende só por ser uma empresa a editar a Bíblia. Mas a
notícia continua: este projecto incluirá Markus Schenkenberg, ex-noivo de
Pamela Anderson, e a modelo alemã Claudia Schiffer como os novos Adão e Eva!
Cada um receberá três milhões de contos para posar ‘à Adão e Eva’ embora nada
garanta que apareçam exactamente como os nossos pais viveram no Éden. Ainda a
coisa está apenas publicitada e já existem ditos e contos e opiniões a
preceito. Assim há quem ache serem estas umas ilustrações demasiadas ousadas e
muito longe do carácter sacro do texto; e há quem entenda que é sempre boa
qualquer coisa que nos provoque para a existência duma leitura tão rica como a
da Bíblia. Uma coisa é certa, seja como seja a venda de tão rara edição está
garantida!
1’
Um discípulo perguntou:
— Que boa acção devo fazer, sábio
Mestre, para me tornar agradável a Deus?
—
Como devo saber?, perguntou o Mestre. Na Bíblia diz que
Abraão praticou a hospitalidade, e Deus estava com ele; que Elias gostava de
rezar, e Deus estava com ele; que David governou um reino, e Deus também estava
com ele.
—
Mas não existe uma maneira de saber qual é o caminho
mais certo para mim?
—
Sim, existe... Procure descobrir qual é a sua mais
profunda inclinação que traz em seu coração e siga-a!
[8 de Agosto de 2001]
[8 de Agosto de 2001]
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