Guerreiro
Na sequência do crime da Praia
do Futuro, Fortaleza, ouço o pai do Luis Miguel a falar no Jornal Nacional, da
TVI. Pelos vistos já falara no dia anterior. A vergonha verga-lhe a cabeça, a
dor cerra-lhe uma cortina de lágrimas nos olhos. Um pai é assim mesmo, até ao
fim. Ainda que a loucura do filho nem para ele seja explicável a verdade é que
é pai, o pai. Para todos os pais os filhos são os ‘meus filhos’ e por isso, às
vezes, o que não se desculpa nos outros desculpa-se nos nossos. Mas aqui nem isso.
Por isso pediu desculpa, declarou-se pronto a morrer por cada um dos que
barbaramente morreram se isso fosse possível, e agradeceu o tempo de antena que
lhe permitiu mostrar-nos que ainda há homens. E também disse: «O meu filho para
mim morreu espiritualmente». Biologicamente, pai nunca deixará de ser; a
visitar o filho na prisão também não se negará. Mas ser pai é sê-lo também
espiritualmente e Carlos Guerreiro sabe-o bem, por isso deserdou o Luis Miguel
da herança espiritual que o filho antecipadamente recusara ao premeditar e
mandar executar o crime. É a crença de um pai afirmando os princípios e os
valores da vida sobre os valores em saldo da morte personificada num filho que
já não o é.
Pelo que vou vendo está sendo
difícil ser pai. E sê-lo-á ainda mais no futuro. Não vejo nisto um anátema mas
um desafio à coragem de quem se sente vocacionado a ser pai. Talvez o futuro
não seja uma praia — por mim muda-se o nome à fatídica e não se atribui a
nenhuma outra em nenhum tempo ou lugar —, talvez seja apenas e só um campo ou
um jardim. Talvez seja. Por isso, antecipadamente, isto é, a seu tempo, vale a
pena trabalhá-lo, cavá-lo, tratá-lo, cuidá-lo e semeá-lo mesmo que só venha a
dar cardos e abrolhos.
Um cão ou um gato
Depois que vi publicada a
crónica onde falava de S. João Baptista e do abaixamento da taxa da natalidade
em Portugal até eu fiquei a pensar. Teria feito bem em escrever aquilo? Estaria
certo ou errado? No domingo dezanove de Agosto abri a Pública, revista de
domingo do jornal Público, e na última página leio o cartoon Histórias de amor,
de Miguel. Transcrevo o diálogo entre duas mulheres (anónimas, mas amigas):
—
Ando a pensar seriamente num cão... ou um gato... ou
uns peixinhos... ainda não decidi. Por um lado, um cão é fiel e obediente; por
outro lado, um gato é mais asseado.
—
O que é que diz o Armando?
—
O Armando quer um filho...
—
Só que um filho não é asseado, não é fiel e
obediente... e também não transmite aquela sensação de paz, calma e serenidade
dos peixinhos a nadarem no aquário.
Não gostava de ter tido razão
no que disse quando escrevi o que escrevi. Mas se tenho — e o diálogo diz que
tenho, pelo menos alguma —, não me alegra tê-la. E se, de facto, as hipóteses
são ou um filho ou um animal não me admira que o futuro (como de resto já o presente!)
tenha homens que nem bichos. Ou pior...
C. Norwid
Quando tinha 18 anos cheguei a
Avessadas para o Noviciado. Na cela (quarto conventual) que me deram havia um
crucifixo que já não tinha Cristo. Muito me impressionou aquela cruz sem
Cristo!
No dia 1 de Julho, em Roma, o
Papa João Paulo II recebeu, entre outros, os cultores do poeta polaco Cyprian
Kamil Norwid. Cumpriam-se nesse dia os 180 anos do nascimento do Poeta. No
discurso de saudação que o Papa então lhes dirigiu teve oportunidade de confirmar
que foi também lendo o Poeta que soube resistir ao nazismo e ao comunismo e a
todas as injustiças. Porque aquela era uma poesia que brotava duma vida difícil
que se sustentava na beleza e na fé, no amor e na aliança, no trabalho e na
esperança.
É curioso verificar que Norwid
gostava de crucifixos. Não admira, era homem de fé. Mas gostava de
contemplá-los sem Cristo porque assim indicavam mais claramente o lugar que
deve ser ocupado pelo cristão. Também a isso se referiu o Papa. E ainda neste contexto exclamou uma vez mais
com palavras do Poeta: «Não te sigas a ti mesmo com a Crus do Salvador, mas o
Salvador com a tua Cruz».
Para quem não sabe que caminho
percorrer, ou que lugar ocupar, ou que verdade ensinar aos netos devo dizer-lhe
que não precisará de nada mais.
1’
Houve uma vez uma corrida de
sapinhos! O objectivo era atingir o alto de uma grande torre. Havia no local da
corrida uma multidão assistindo. Todos queriam vibrar e torcer por eles.
Começou a competição. Mas como a multidão não acreditava que os sapinhos
pudessem alcançar o alto daquela torre, o que mais se ouvia era: "Que
pena! Os sapinhos não vão conseguir. Não vão conseguir." E os sapinhos
começaram a desistir. Mas havia um que persistia e continuava a subida, em busca
do topo. A multidão continuava a gritar: "Que pena! Vocês não vão
conseguir!" E os sapinhos continuaram a desistir um por um. Porém, um
sapinho continuava persistente e tranquilo na corrida, embora cada vez mais
arfante. No fim da competição todos
desistiram menos ele. A curiosidade tomou conta de todos. Queriam saber o
que tinha acontecido. E quando foram perguntar ao sapinho como havia conseguido
concluir a prova, aí descobriram... que ele era surdo!
[27 de Agosto de 2001]
[27 de Agosto de 2001]
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