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domingo, 5 de maio de 2013

Notas de Roda-pé


Figo
Os coreanos eram nossos amigos até nos ganharem. Simpatizavam connosco e idolatravam o Figo. Como não sabiam dizer f-i-g-o diziam algo parecido, ou seja, o possível já que não têm o fonema <>. Não sabiam dizer o nome do ídolo, mas gostavam do Figo à mesma. Quando os ouvi tentar dizer o nome de Figo deu-me quase vontade de rir.  Soava estranho.
Como deve soar estranho aos ouvidos dos coreanos o nome António! Como é que dirão António? No passado dia de S. António dei comigo a pensar isso mesmo. Como é que ao rezarem os coreanos dizem António? Quero dizer, como é que ao rezarem a Deus através da intercessão do Santo português lhe vocalizam o nome? (Se é que vocalizar bem interesse para o sucesso da prece!...)
E como soaria aos ouvidos dos coreanos o nome dos seus santos mártires ditos por portugueses? Como diríamos a um coreano os nomes de S. Agostinho Yi Kwang-Hon, S. Madalena Kim Obim, S. Lucia Park Hui-sun, S. Damião Nam, ou S. Damião Nam Myong-hiog? Entender-nos-ia?
E a verdade é que ao longo do ano nós portugueses invocamos os santos mártires coreanos e os católicos coreanos invocam o nosso Santo. Há nisto uma comunhão e um cruzamento de fé e culturas que em tempos só a religião possibilitou e potenciou. E está bem de ver que o fez antes do futebol. Hoje, porém, o veículo desta comunhão cultural já não é mais (pelo menos em grande escala) a religião. As fintas do Figo substituiram o arrojo, audácia e valentia dos missionários. Mudaram os tempos, mudaram os heróis. Só não mudou a necessidade que temos deles e a representatividade que eles significam. Mesmo que não consigamos dizer bem os seus nomes.

Dúvidas
Às terças-feiras costumo ouvir o professor Máximo Ferreira. É um astrónomo. Da última vez perguntaram-lhe em directo como nasceu o universo. Terá sido por intervenção divina ou foi o Big Bang (a última e mais credível explicação científica: a matéria primordial terá explodido num enorme Big Bang que deu origem ao que conhecemos e ao muito que desconhecemos. A explosão foi tal que o universo após milhões de milhões de anos ainda continua em extensão, em crescimento!)? O professor Máximo Ferreira professa a teoria do Big Bang, porque é científica. E porque não precisa nada de Deus. Não me preocupa que Máximo Ferreira não precise de Deus. É livre de explicar o que quiser como quiser. Aliás, apressou-se a dizer que é melhor nem nos preocuparmos com Deus. (Eu sei que o que quer dizer é que Deus não conta nada para explicar a origem do universo...)
Antes de continuarmos é necessário dizer que a ciência não tem todas as certezas e tem muitas dúvidas. (E o professor sabe-o melhor que eu.) E agora cabe perguntar: Tudo bem, professor; o mundo começou com o Big Bang, e quem provocou o Big Bang? E porque é que a teoria científica há-de necessariamente excluir a existência de Deus e a sua responsabilidade (e também desejo, vontade e amor) na origem do universo através do Big Bang? Se foi mesmo pelo Big Bang que tudo começou a começar a quem se deve a criação das condições para tudo pudesse começar a acontecer?
O professor Máximo Ferreira vai continuar com dúvidas.

Mortos
Na Nova Aldeia da Luz os mortos vão à frente. Melhor, chegam à frente! A aldeia da Luz vai ser afogada pela albufeira do Alqueva e como resultado toda a aldeia se deslocará para a Nova Luz. Depois de tudo negociado lá chegará o dia da mudança. Inevitavelmente.
Parece que o que mais custa a mudar são os mortos (aqueles que já não têm nem vontade nem querer...)! Ninguém gosta de perturbar o sono dos mortos, esta é uma crença poderosa. Mas o certo é que as negociações envolveram a mudança do cemitério pelo que também os mortos se mudarão. E serão os primeiros a habitar a nova aldeia! Interessante: mesmo depois de morrermos continuamos a viver e a habitar. Habitamos os sonhos e os corações dos nossos amigos e familiares; habitamos a última herança que nos é permitida: o cemitério. Talvez a morte não seja um fim tão fim assim!
Na Nova Luz os mortos irão à frente como à frente da colheita vai a semente lançada à terra. Serão os mortos os primeiros a habitá-la, serão eles quem primeiro rasgará os caminhos. Só depois chegarão os vivos. É como se não fosse possível habitar algo que ainda o não tivesse sido. E talvez não pudesse ser de outra maneira. Afinal de contas são os mortos quem verdadeiramente vive. E se a morte é a porta de entrada para a vida, então quem ainda não morreu também não vive. E como é que quem não vive poderia ser luz e guia para quem não vive (mesmo que esteja vivo)?

Clix
A Internet é talvez o mais poderoso meio de comunicação. É por isso mesmo um desafio, não uma ameaça. Coloca qualquer pessoa em qualquer lugar que se encontre como companheiro de alguém no lugar mais remoto que imaginar se possa. Claro que também liga pessoas da mesma rua, ou vizinhos do mesmo prédio. É um meio tão interactivo e tão participativo, tão directo e imediato que a Igreja não quer deixar de dizer sobre os telhados (na Internet) aquilo que pensa e vive por baixo deles. Foi nesse sentido que para a celebração do dia mundial das Comunicações Sociais o Papa desafiou os cristãos a estar criativamente presentes na Internet para que ali manifestem os seus pontos de vista, assumam as suas responsabilidades e realizem a obra da Igreja.
A Rede é uma porta para a evangelização! O maior fórum para a proclamação do Evangelho! E o Papa sabe disso.
Para celebrar esse dia as paróquias de Travassô e Pessegueiro do Vouga (Diocese de Aveiro) celebraram missas pela Net! A novidade chamou a atenção e surpreendeu alguns desatentos. Apenas os desatentos.
Dias depois dois jovens casaram-se. Ele era de Vizela, ela da região de Aveiro (mais uma vez!). Conheceram-se pela Net. Namoraram-se ali. Decidiram casar. No dia do casamento eram noivos tão felizes como os noivos normais (não me admiraria que num futuro próximo os normais fossem os que se conhecessem na Rede!). E o portal Clix esteve presente na celebração do casamento, afinal de contas apadrinhara o namoro! Ainda que involuntariamente.
Ora aí está. Não há espaço que escape ao âmbito de acção da Igreja. Porque haveria a Net de ficar de fora? Que ali nasça amor sincero, que ali os jovens possam começar a construir a sua casa sobre a rocha é uma grande e feliz esperança!. É verdade que talvez seja um minúsculo caso e nada representativo. É possível. Talvez seja semente rara, perdida e calcada pelos caminhos da Rede. Talvez. Mas é desejável e necessário que também ali se possam construir histórias de amor com futuro, com frutos.

1’ de sabedoria
Todo o mundo ficou admirado quando ouviram o mestre dizer a seguinte metáfora que é tão moderna como actual: «A vida é como um automóvel».
Todos aguardaram em silêncio esperando uma explicação.
-- Sim, disse por fim o mestre. Sim, um automóvel pode ser usado para levar-nos longe e a grandes alturas.
Novo silêncio...
-- Mas há pessoas que preferem atirar-se para a frente dele deixando-o passar por cima delas. E depois dizem (e há quem diga com elas...) que a culpa é do automóvel.

[19 de Junho de 2002]

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