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sábado, 21 de dezembro de 2013

Som aqui!


Som aquí!

El Carmelites Descalços, ens podem quedar al marge del lloc on es mou tothom: els nens i els joves; els inquiets i els indiferents; els amics fidels de Déu i els buscadors; els adversaris i tots els nostres amics? Podem no ser a la xarxa? Podem no estar presents allà on qui
correm seriosament el risc de no existir, perquè, inconscients, seguim preferint la realitat concreta i els fulls fràgils, que un cop llegits volen i s'allunyen i es desfan de la memòria, quan la gent ens cerca en la virtualitat?
Del 21 al 27 de setembre es va realitzar a la Universitat de la Mística, el CITeS d’Àvila, el I Congrés sobre la Informació al nostre Orde. I allà se'ns va recordar, encertadament, que cal que el Carmel estigui molt viu allà on comença a ser normal que ens busquin: les xarxes socials.
Si és veritat que la gent ens cerca, si és veritat que tots, també els carmelites, volem ser trobats, hem de procurar amb tossuderia donar prioritat a la qualitat de la nostra presència i de la nostra imatge allà on se’ns busca. No ferho significaria menysprear el zel dels cercadors.
Els participants al Congrés –frares carmeli-tes i alguns laics– veníem de prop de 40 països buscant la manera d’aprendre a millorar la informació (i la comunicació) cap a dins i cap a fora de l'Orde. Especialment, com millorar la manera de presentar el proper i gran esdeveniment de la celebració del V centenari del naixement de Teresa de Jesús, mare nostra. no hi apareix és desconegut i, conseqüentment, no existeix?
Durant aquests dies, les xerrades van ser profundes i van tocar l'essencial. Així, per aconseguir l'eficàcia de la notícia és molt important transmetrela amb simplicitat, senzillesa i sobrietat. Els experts de la comunicació ho van dir ben clarament: en l’elaboració de la noticia, no hi ha res millor que la senzillesa i l'objectivitat, no oblidant que és millor no dir que dir malament, i que és sempre difícil decidir el que hem d'escriure o noticiar.
És cert que vivim temps de por a la premsa. Por, o millor dit, horror a la imatge distorsionada de l’Església que acostuma a sortir a les primeres pàgines. Ens hem acostumat a creure que només destaquen allò més negre i escandalós, sia el que sia. Hem de continuar mantenint aquesta fòbia? Més aviat, digueren els professors, cal fer de tots els mitjans de comunicació, sense distinció, aliats nostres i de la nostra missió. És cert que generalment ignoren el nostre món, però també és cert que moltíssimes vegades és perquè no ens coneixen i per falta d'invitació, per part nostra, a fer plegats un tros del nostre camí.
És veritat –i veritat de debò!– que som guardians d'un gran tresor, i que aquest més creix quant més s’anuncia! L’amagarem i ens el guardarem només per a nosaltres? Gosarem fer emmudir la Paraula que dóna vida? Negligirem els mitjans, més senzills o més eficaços, que puguin amplificar la Bona Nova, perquè només ressoni en el silenci dels nostres claustres?
S’acostuma a dir que l'Església és experta en humanitat, però que no sap comunicar en el món de la virtualitat la Paraula salvadora. Més enllà de les fronteres de la nostra tribu la poca gent que entra a les nostres esglésies– hi viuen i creixen els assedegats de bones noves. Com podem apaivagar la seva set de l’aigua viva que els pot saciar? Per ara, aquesta pregunta resta sense resposta suficient.
Tot ésser humà és comunicació i trobada. Tot cristià és convidat a sortir donant testimoni de la seva fe encarnada al món. Els Carmelites som homes i dones portadors de memòria. Ahir, en els moments més durs i ingents, l'Església, com a bona mare, va saber arribar al cor dels seus fills i donar calor a les seves esperances. En aquest moment de la història que ens toca viure hem de tornar a aprendre a dir, o sigui, a transmetre, per tot els mitjans a la nostra mà, la suau novetat de l'única Paraula que asserena, calma i salva.

BUTLLETÍ DE LA CC | nº 76 | Dezembro de 2013

(Comunidade Carmelita de de Badalona, Catalunha)

domingo, 1 de dezembro de 2013

Notas de Roda-pé

Um par velhinho

Eu lia ao fundo da sala. Em espera. Lia sobre um padre amigo caído em desgraça num jornal nacional. Eu sei que a história não é nada assim e sei que se contada como devesse não teria piada nenhuma, e o jornal não a publicaria porque não venderia. Algo divertido e distraído lia eu, pois, o jornal.
A sala não é grande, mas dá para dizer que tem uns fundos ao fundo, no oposto da porta, e que ali uns sofás acomodam a espera. Era ali que eu lia. E desde ali vi chegar uma velhinha. Ocorreu-me que se enganara, pois o salão é de barbeiro. Mas não, não se enganara. Deu para ouvir a meias a conversa com o dono da tesoura. Juntei a meia conversa com alguma outra que trazia sem saber no armário da memória. E pela resposta do barbeiro deu para perceber que ainda havia tempo.
Eu terminei a leitura e pousei o jornal. E entretanto ali chegou a senhora velhinha, talvez octogenária, trazendo pelo braço o trôpego marido, não muito mais velho que ela e ainda amparado por uma bengala. Levantei-me do sofá. Eu tinha menos quarenta anos e percebi que vinha cansado e nem cem bengalas o segurariam de pé!
O barbeiro ainda se demorou. O velhinho, trôpego de pernas e sôfrego de companhia, começara a falar com o rapaz da mesma geração que restara sentado. Entretanto, a esposa saíra leda para dar ainda umas voltas antes do almoço. Ponderei ceder a minha vez, mas quando ouvi que a mulher ainda tinha voltas a dar… Subi então para a cadeira e fiquei a escutar a conversa, que, afinal, era para toda aquela assembleia reunida naquela outonal Segunda-feira de manhã. Eu estava entre o curioso e o entretido, porque, afinal, já não era a primeira vez que via tão vetusto par entrar na barbearia.
E a conversa foi correndo.
O velhinho de cara redonda e bigode branco e vaidoso foi desfiando as contas do seu rosário. Não eram bem os mistérios dolorosos, porque pelas suas palavras perpassaram todos os mistérios da vida. E havia nele muita gratidão também. Fazia a barba de duas em duas semanas e aparava sempre o bigode. Eram carícias que lhe sabiam melhor depois que velho e trôpego caiu em isolamento. (Sondei o espelho e vi que o barbeiro anuía.) Aquele ritual dava-lhe muita satisfação. Não podia estar mais agradecido à mulher que o amparava escadas abaixo e ali o trazia. Via-se bem que o velhinho de bigode branco e matreiro procurava gozar o momento, fazendo-me lembrar os gatos que colhem o sol de inverno como quem, à tarde, carrega baterias.
Tinham mais de sessenta anos de casados! Ela sempre fora boa mulher! Esposa, quereria ele dizer. Mas ele não, nem sempre soubera retribuir. Fora tantas vezes infiel e ingrato. Agora arrependia-se, mas quando novo nicles. Praticamente fora ela a criar os filhos, a governar a casa, cuidar da vida como quem cuida de um jardim. Ele entregava algum ordenado, não todo, apenas migalhas. Ela bordara, lavara e passara roupa. Os três filhos são agora doutores, mais por mérito dela que dele.
Que grande mulher era aquela esposa velhinha com a sua malinha castanha no antebraço!
Tudo lhe perdoara, até mesmo quando ele fugiu com uma actriz – mais figurante que actriz, reconhece – duma companhia de teatro que visitara o verão da província. Voltou a casa mais perdido que encontrado, humilhado e rendido. O lugar manteve-se o mesmo. Os filhos já não eram novos e foi a mãe quem impôs o respeito devido ao pai.
Hoje talvez não fosse assim.
Hoje o corpo já não se mexe para nada. Não desce à rua sozinho. Não se deita nem se levanta pelas suas forças ou vontade. Não toma banho e é ela quem, baixinha, a seus pés, lhe apara as unhas e lhe trata os calos.
(Aqui já ele chorava e nós quase.)

A velhinha magrinha mais próxima de fada madrinha que sogra má ficou sempre do lado do seu homem. Aturou-lhe tudo. Perdoou-lhe. Aceitou-o. Era seu. Dedicou-se, devotou-se-lhe. Se era seu cuidou dele como seu, mesmo quando o recebia de pantanas e em frangalhos, mais filho pródigo que amante galante. Era isso que agora o perturbava. Era isso que ele agradecia. Que depois de tantos desprezos ela ainda o amasse e não se poupasse a esforços para que ele estivesse bem. À noite é ela quem, de novo ajoelhada, lhe lava os pés e lhos enxuga. Ora esse é o papel de Nosso Senhor, e ele chora ao recordar-se disso.

[6 de Dezembro de 2012]

Notas de Roda-pé


O pó do chão!


Acabaram os Jogos Olímpicos. Foi há pouco, mas parece ter sido há mais de um ano. Impossível não admirar o espírito olímpico pelo menos enquanto esforço de superação à procura do citius, fortius, altius. Quer dizer, em busca do mais rápido, do mais alto e do mais forte.
Tocaram-me seis estórias olímpicas. Estórias de (quase) fracasso. Hamadou, do Níger, de 35 anos, só aprendeu a remar há três meses. Ainda assim participou sem medo de ser o último. Julius, do Quénia, competiu na prova do lançamento do dardo. Aprendeu a técnica vendo vídeos do Youtube porque o seu país não tem treinadores: ficou em 12º lugar! Moussambani, da Guiné Equatorial, foi o último a chegar na sua prova. Isso não é notícia; o que é notícia é que quase tiveram de se atirar à piscina para que não se afogasse!
Existem outras muitas estórias: Estes foram os primeiros Jogos em que todos os países apresentaram mulheres à competição. Uma delas, Nur Moahamed, encontrava-se grávida de oito meses, e como competia na prova de tiro – prova de precisão! – lá foi conversando com o filho para que se acalmasse e colaborasse. Óscar Pistorius foi o primeiro biamputado a competir nos Jogos. K. LedecKy e R. Meilutyte, ambas de 15 anos, venceram as suas provas como gente grande e saíram medalhadas a ouro. O cavaleiro japonês Hiroshi Hoketsu, de 71 anos, foi o competidor mais velho; só não participará nos próximos Jogos por que já não tem tempo para treinar outro cavalo!
Entre tantas histórias dos Jogos surpreenderam-me as três próximas: Liu Xiang, chinês, corria mais uma vez a prova dos 110 metros barreiras. Em Pequim lesionara-se durante a corrida. Nestes Jogos lesionou-se de novo, na primeira barreira. Seguiu coxeando, aproximou-se da última e beijou-a. Abandonou a pista em cadeira de rodas!
Durante um jogo de hóquei em campo, Kate Walsh, capitã da equipa inglesa, levou com o stique duma adversária no queixo. Fractura, muito sangue, tragédia. A atleta retirou-se, submeteu-se a uma cirurgia e voltou a entrar em campo para vencer a medalha de bronze!
Mitchell Manteo cumpriu os seus 400 metros de corrida e entregou ao colega seguinte o testemunho da prova. Os USA qualificaram-se para a final, mas perderam um dos seus melhores atletas, Manteo, que correra a sua prova com a perna esquerda fracturada!
Sim, existem mais estórias, mas registam-se apenas estas, embora caiba aqui também a menção feliz para o facto de povos desavindos correrem e competirem lado a lado, e subirem, quando foi o caso, sem pejo, para comungarem os degraus do pódio, e se abraçarem conciliadoramente nas bancadas dos estádios.
O que vi nos Jogos lembrou-me algo mais. Lembrou-me a beleza do desporto quando jogado sem golpes baixos, nem violências ou doping. Lembrou-me a beleza do corpo humano criado por Deus, ou, por outra, talvez permanentemente moldado por Deus e em constante superação. Lembrou-me o contributo do jogo para o crescimento e integração da pessoa humana, quer a nível pessoal quer social. Lembrou-me a eficácia do desporto na criação e desenvolvimento de valores como a disciplina e a responsabilidade, o espírito de grupo e a entreajuda, a lealdade, honestidade e perseverança. Lembrou-me o encanto do arco-íris das nações e o encontro de culturas e tradições díspares mas reunidas para festejar a fraternidade. Lembrou-me a grandeza do sacrifício que exponencia o espírito humano e o projecta para grandes realizações.
Paro aqui para me lembrar novamente dos nomes de Liu Xiang, Kate Walsh e Mitchell Manteo. Nenhum deles ficou em primeiro, mas treinaram afincadamente como os demais e até talvez o merecessem mais que os outros. Nenhum deles ganhou a medalha de ouro, mas encontraram no treino o encanto do esforço por se superarem. Nenhum deles foi laureado, mas todos se esforçaram por merecer participar, todos se sacrificaram e sacrificaram as suas famílias por causa da vontade de vencer, transcendendo e transfigurando limitações e fragilidades. A nenhum deles nasceram asas, mas disseram-nos que quando caímos temos no mínimo um pedaço de chão que nos acolhe e abraça, e de novo nos liberta para novos voos.
Razão tinha São Paulo, também ele muito atento ao que se passava nos estádios e à volta deles, quando nos recorda que ali todos correm mas só um vence. E que vencendo apenas um, todos deveríamos treinar intensamente para vencer, todos deveríamos abster-nos do excessivo e supérfluo para alcançar a glória. A Glória que não morre nem esmoece. Enfim, a mim os Jogos Olímpicos mandaram-me os olhos para lá da cortina, para o país dos dias cinzentos de treino intenso, de dureza e abnegação, de entrega cega a uma profissão que raramente traz a frescura da glória. Pelo menos de forma duradoira. Sim, gostei dos Jogos, mas, sobretudo, eles tocaram-me pelo enorme continente escondido que revelam. Cada prova e cada competição, seja para as estrelas doiradas ou os atletas anónimos mais próximos de nós, falaram-me dum mundo de esforço escondido, de treino denodado, de suor e trabalho duro e exigente, de disciplina e combate à indolência.

Para mim, o mais belo dos Jogos Olímpicos esteve antes. Esteve antes e ficou escondido. Pelo esforço tamanho muitos lograram beber a glória por uma taça. Mas não foi menor a vitória daqueles que mesmo não ganhando, alcançaram erguer-se do pó do chão, tantas vezes acima das melhores expectativas deles próprios.

[4 de Setembro de 2012]

Notas de Roda-pé

A prateleira mais alta
(Ideia bem comprada!)

À medida que os dias de Páscoa vão avançando vai esmorecendo a força do fogo novo que inopinadamente rebentou ainda a noite de Páscoa estava negra. Não é fácil manter acesa a chama da fé! E assim como um fogo, assim a fé. Arde o fogo e resta a cinza que se acumula sobre as brasas. Há cinza. E com sorte haverá brasas por debaixo! À medida que os dias da Páscoa crescem parece que o fogo que emergiu das cinzas pretéritas e com as quais antes nos ungíramos se vai acalmando, apagando.
À medida que os dias de Páscoa crescem murcham as flores e rebentam frutos pequeninos como amêndoas pequeninas, e então os pregadores pregam-nos urgências para mantermos pura a renovada juventude da alma. E assim, à medida que murcha o calor do fogo e esmoece o viço das flores, urge invocar o Espírito Santo de Deus, para que, irrompa poderoso como um fogo caindo do alto em cachoeira sobre nós!
Passam as semanas. A dúvida instala-se. Poucos são já os que se dão ao trabalho de ir mar adentro, impelidos pelo vento da notícia da Ressurreição. Passadas quase sete semanas, quem ainda se sente barco impelido ou testemunha arrebatada pelo inaudito?
Não é fácil manter acesa a chama da fé!
(É aqui que compro a ideia ao P. Leal!)
Como estava atrasado no meu artigo o meu amigo sussurrou-me em linha e meia um conto, que eu contarei mais pelo exercício de adivinhar que o de ouvir. Ora, era uma vez…
O supermercado das religiões. Pois é, segundo aquele conto bendito existem supermercados das religiões. E são muitas as religiões! (Quero crer que as embalagens mais bonitas e de excelência de grafismo nem sempre são as que embalam o melhor produto; digo, a melhor religião!) De resto, todos sabemos que existem três coisas que nem Deus sabe. Uma delas é o número de religiões! Se acrescentarmos alguns sucedâneos a que basta juntar água à maneira de baptismo, então, fiuuuuu! Fiuuuuuuuuuu, mesmo! São tantas as religiões existentes que dão para encher quilómetros e quilómetros de prateleiras, que como sabemos possuem vários níveis ou andares.
Ora, segundo este conto que começou era uma vez, existe um supermercado das religiões, onde se apresentam as diferentes religiões. Logo à entrada estão uns pacotinhos bonitinhos. Quem comprar tem direito a dois pauzinhos de incenso produzido em Alverca, mas directamente importados de uns inalcançáveis monges do Tibete! Um pouco ao lado, os pacotinhos são maiorzinhos, em tons azuis, e afirmam conter água do rio Jordão; quem comprar e beber vai sentir-se limpo e renovado. A verdade é que a prateleira é enorme o que nos deixa a leve suspeita que se toda aquela água fosse do rio Jordão ele será – digo será, porque nunca o vi! – da dimensão do Oceano Índico! Outra prateleira ostenta umas caixinhas cor de terra, que prometem ser biodegradáveis. Ler são poucos os que lêem aqueles caracteres orientais, mas todos acabam percebendo que levando levarão para casa uma réplica da malga de Buda, aquela mesma pela qual ele bebeu da água do rio antes de alcançar a iluminação!
E as prateleiras sucedem-se e sucedem-se e sucedem-se. As pessoas como é comum ver-se nos supermercados habituais circulam por aqui e por ali. Há famílias, gente jovem, adolescentes, velhos, muitos velhos e sobretudo maduros de meia-idade. Uns depenicam aqui, outros acolá. Uns vão direitos ao lugar do costume porque só consomem daquela marca! Outros rondam, rondam indecisos. E é assim que uns entram e saem logo. Outros não. A maioria, porém, lê as instruções, faz imensas perguntas, procura inteirar-se das propriedades curativas e dos efeitos secundários. África e Ásia são as origens mais procuradas, mas mais as segundas que as primeiras. E se a embalagem prometer peace ou love – ou melhor ainda, peace and love! – a saída em larga escala está garantida. Mesmo que seja proveniente de regiões que nunca conheceram a paz, nem saibam o que é o amor! Uma coisa é certa: estão ali todas as religiões do mundo. E entre elas não são poucas as que prometem saber tudo sobre o outro! Estas são muito procuradas, quanto mais não seja pelo GPS made in Taiwan cuja voz angelical garante conhecer o Trilho do Céu!
Existem ainda estantes estranhas e outras horripilantes. Existe por exemplo a Estante do Manuseio da Cobra, que atrai homens e mulheres religiosos e muito puritanos, praticantes do manuseio de cascavéis como prova de pureza. (Apre! e se a cobra não souber contar as
três sílabas da palavra impuro?)
Existe um erro de marketing em que nunca se incorre no supermercado das religiões: antes que se publicite em larguíssima escala uma nova religião, já ela está nas prateleiras pronta a consumir e a repor em caso de repetição do dia 1 de Maio!
Pude reparar que são raros os grupos e mais rara a frequência de famílias. Então, as compostas por mais de duas gerações são raríssimas! Porém, elas existem e por vezes frequentam variadas prateleiras. Quando assim é, nem atendem às incompatibilidades anunciadas nas bulas.
Lá ao fundo, discreta e um pouco na sombra por causa de uma lâmpada que nenhum trabalhador do supermercado conserta, existe uma prateleira onde poucos ousam ir. A distância é enorme e o ambiente parece mal frequentado. Umas velhinhas distribuem chã, mantas e bolachas a desdentados pouco recomendáveis. A custo se acede ao perímetro daquela religião e quando lá se chega tem de evitar-se os projécteis das pombas e vê-se que as mesmas velhinhas são quem no culto lêem as leituras das Escrituras. (E que o sacristão é quase sempre um coxo, ou um meio cego, ou um meio casmurro qualquer e de primeira apanha!) Têm peregrinações a que poucos ligam, um mandamento da caridade que já quase só os arrumadores de carros apreciam. Os seus ministros andam sonolentos e pastosos nas prédicas. Apesar de o serem do Deus vivo! Rara é a estante que não possui uma cruz enorme e frequentemente 14 catorze quadros encimados por mais uma cruz!
Não é fácil chegar ali. Aquela prateleira algo desengonçada e tão alta, quase sempre vazia, obriga um longo esforço de aproximação. E tantas vezes aquele vazio meio sombrio sabe mais a frio que a calor apetecido! Quantas vezes para se lá chegar é necessário abandonar pesos e contrapesos, suspeitas ingénuas e construções preconceituosas que carregamos ao longo da vida! Quantas vezes…

Talvez não seja o lugar mais bonito do supermercado. Mas é ali que muitos vão ao desengano e tantos muitos porque já não têm outra esperança. Mas é provável vir-se de lá renovado pelo Gratuito, esse que prometeu enviar-nos o Espírito que ensinaria toda a verdade.

[20 de Maio de 2012]

Notas de Roda-pé

Obrigado, Padre Camilo!

Lembro-me bem. Foi no dia 8 de Setembro de 1991. Foi a única vez que li em público uma página em latim! Foi em Úbeda, no lugar onde morreu São João da Cruz, numa Missa presidida pelo Padre Camilo Maccise. Ali li a fórmula da Profissão Religiosa, renovando a minha vinculação à família carmelitana, que mais uma vez me abria os braços.
Estranhamente lembro-me bem, logo eu que não lembro quase nada. Lembro-me de ter dormido uma semana no chão duma escola pública, lembro-me de ter trepado de Beas de Segura ao lugar onde outrora fora o Convento dos Mártires o percurso de São João da Cruz para vir atender as Carmelitas de Beas. Lembro-me de muitas coisas mais, da Missa, da homilia… Enfim, e do P. Camilo, pequenino, sereno e sempre a sorrir.
Hei-de recordá-lo sempre.
Por estes dias o P. Camilo Maccise morreu. Foi no dia 16 de Março. A notícia era esperada, mas surpreende sempre.
Há laços que nos laçam a pessoas que nem sabemos bem porquê. Eu era miúdo, ele Geral da Ordem. Sei que falámos e até tenho uma foto. É do estilo circunstancial, como a dos jogadores de futebol à saída do treino. Mas para mim é mais que isso. Ele era ali meu pai, porque Prior Geral da Ordem!
Apesar de pequenino era um homem grande, que dispensou sempre pôr-se em bicos de pés. E assim ficava maior ainda. Depois de Úbeda nunca mais nos vimos e ele nem saberia que eu existia – apesar da sua mastodôntica memória. Eu, porém, fui acompanhando-o de longe com o coração mais que com o olhar.
Agora que morreu quero declarar que a sua vida me tocou. E Deus me tocou através dela
Podem ver o vídeo que os Carmelitas do México tornaram público e perceberão porquê. É um testemunho simples, mas tem a força de sempre, apesar de retratar um homem marcado por doença grave. O P. Camilo é ali um homem ferido e cansado, mas sereno e cheio de confiança. O que ali mais me marca é o tom de familiaridade: parece que fala para mim, e fala, mas fala também para outros muitos irmãos, em muitíssimos e diferentíssimos lugares. Eu senti-me especialmente tocado e envolvido pelo testemunho da sua voz cheia de paz, convocando a nossa família para o redor do seu olhar de patriarca, a fim de confiar-nos a secreta alegria de ter sido chamado por Deus para uma Ordem de fraternidade, de amor e de paz.
Nestes tempos tão sombrios, que nos mostram duramente como o decurso da existência é sempre um rumo incerto por desvelar, tocou-me ainda a serenidade com que nos confiava, que também ele descobrira que o segredo da vida é ser-se guiado por Deus, deixar-se levar pela sua mão, por caminhos tantas vezes desconhecidos. Porque, afinal, os caminhos de Deus não são os nossos caminhos, as nossas ideias não são as Suas ideias; e quanta sabedoria há em descobri-lo e aceitá-lo! Enfim, gostamos todos tanto de levar o volante nas mãos, que, surpreendentemente, nos estranhamos que Deus nos dê a sua e nos guie!
Escutei o seu textemunho como quem escuta um testamento. Nele é como se nos dissesse sou um homem de Deus!; eu, por pura gratuidade de Deus, vi a Deus nos caminhos mais improváveis da vida! Sabemos que sim. Tinham por isso mais brilho aquelas palavras finais que nos dirigiu desde o seu leito. Apreciei ouvi-lo unir Bíblia e tradição, Palavra de Deus e palavra de nossos Santos. Sim, todos nós aprendemos a caminhar caminhando, mas, sobretudo, vendo os mais velhos caminhar. As referências que fez a uma e a outra palavras guardá-las-ei para sempre. E a memória da sua vida também, porque é memória de amizade com Deus.
O Padre Camilo era mexicano de ascendência libanesa. Veio à luz no barco em que a sua família fugia do Líbano para o México, em busca de melhores dias. Talvez isso tenha feito dele um homem de luz em todos os caminhos, como São João da Cruz e Santa Teresa de Jesus, nuestros padres, que ele sempre recordava juntos. Talvez isso o constitua um novo Moisés que mais além havemos de reconhecer melhor, que mais além havemos de contemplar melhor, para melhor perceber que os caminhos de Deus são sempre misericórdia e fidelidade. Nascido em alto mar era homem de voz delicada e firme, afoita e sem medo, porque, afinal, tudo concorre para o bem dos que amam a Deus, «até mesmo o pecado»! Filho de Nossa Senhora do Carmo, A Estrela do Mar, soube até ao fim fazer o percurso da verdade, porque «o que não está nos nossos planos encontra-se nos planos de Deus»!
Ah, como era ele um farol de luz ténue e firme, por entre os nevoeiros de tantas vidas!
Obrigado, P. Camilo, mais uma vez, pela tua voz cansada e agradecida. Sinceramente agradecida, como quem recebeu em seu regaço a medida abastada, calcada e cheia. Descansa agora em paz, tu, que, como alguém disse, nunca deixaste que junto de ti alguém ficasse pequenino.
Descansa em paz, amém!


 [26 de Março de 2012]

Notas de Roda-pé


É preciso imaginação!


Como um rio entrando no mar continuo o texto anterior. Vimos ali o confronto das atitudes de entre quem arrosta as responsabilidades e assume os compromissos, normalmente vencedor; e quem se esgueira como uma enguia e os evita, como perdedor. A referência é sempre ao campo da fé, embora ali o exemplo viesse de outros campos.
Na fé como na vida e em tudo havemos de lutar, como hoje se diz, por aquilo que acreditamos, e defender o irmão que nos coube por companheiro de caminho. Tenho consciência que nem sempre é fácil. Aliás, a sementeira do campo da fé nunca foi fácil. Hoje, talvez, ainda menos fácil. Talvez por isso o assunto que hoje vos trago mais me conforta. Fala dos perdedores que fazem da derrota um trampolim. Para esses como para os apóstolos as derrotas nunca o são.
(Declaração de interesses: Não confio em vitórias anunciadas.)
Vamos a um exemplo. Conheci hoje um padre mais velho que eu. Passou fome. Nos seus primeiros tempos de cura comeu o pão amargo que a fome (não) coze. Para sobreviver, entre outros ofícios, andou a vender livros de porta em porta: É preciso imaginação! Vender livros em terra que não se dava às letras como então não se cedia espaço às silvas!
Acredito nele, pois não tem por que mentir.
Imagino aquele padre de lábio fino a vender livros de porta em porta! Imagino o quanto a necessidade lhe aguçou o verbo, lhe burilou o adjectivo, lhe firmou o essencial. Imagino-o hoje, padre, pregador, apóstolo: quanto cresceu só porque, sendo sacerdote, ganhou a vida com o suor e a argúcia de humilde vendedor de livros a cabouqueiros iletrados!
É preciso coragem!
Tem o seu quê a história, porque, afinal, ela vem ao encontro do que li algures. Li sem pretensão um texto banal. Daqueles que se lêem desprendidamente, mas com a quase certeza de que um dia a leitura servirá para algo. Li e aprendi que para vendedor não serve qualquer um, sobretudo não serve alguém de nervo mole. Veja a cena: O vendedor vai subindo a rua – para mais, subindo! Está convencido que o produto que tem para vender é bom; tem, porém, de tocar às campainhas, apresentá-lo e vendê-lo a quem não precisa dele! Com que forças resistirá ele quando lhe disserem não, não não quero, desculpe mas não quero? Como ficaria você se uma e outra vez e uma terceira lhe repetissem: não!?
Dizem os gurus de vendas que a venda se inicia exactamente quando se recebe o não. Que raramente quem vende, sobretudo em venda ambulante, a primeira coisa que vê ou ouve da putativa parte compradora é um sorriso e um sim. Raramente. É mais fácil corresponderem-lhe com um bater da porta na cara, ou um berro mal grunhido, um fastio não disfarçado, um resmungo ensonado. Quem não deprimiria com tantos e tão repetidos nãos?
Não é palavra fundamental na venda. Já agora, na evangelização também. É disso que quero falar. Para os vendedores a oportunidade de negócio começa quando o cliente diz não. Começa aí, por assim dizer, a estratégia de venda. Ou seja, um apóstolo deverá antecipadamente saber que a primeira resposta ao seu trabalho evangélico é não. E depois do primeiro poderá vir o segundo, pelo que está proibido de desistir. Quem percorre os caminhos com o Credo na boca e o Evangelho no coração deverá saber que por mais custoso que seja o caminho e por mais duro que seja o anúncio, quem o ouve não está preocupado com o seu cansaço ou abatimento, nem à espera do seu anúncio, isto é, do seu produto!
Qualquer vendedor ambulante sabe que jamais é esperado ou desejado. E quando abrir a boca lha hão-de querer fechar. Será interessante, portanto, percorrer as condições do bom vendedor, ou apóstolo, como aqui nos interessa:
O apóstolo deve sempre cogitar que o mercado está contra si, por maioria de razão em tempo de crise! O produto é bom, é certo, mas é abundante a má cara que o vai enfrentar. Ao ouvi-lo as pessoas não engancham na bondade da oferta, mas na dureza dos seus próprios problemas. Por isso, nem pense em deixar de sorrir quando lhe fizerem má cara. Não digo que deve auto-motivar-se, mas consciencializar-se de que o Evangelho é mesmo a boa notícia de que as pessoas necessitam;
Urge também ser-se abnegado. Quando o sol vai escaldante e alto é preciso subir à mais alta montanha, se é lá que se encontra quem nos possa ouvir. Ou o contrário. O apóstolo tem de andar e falar muito em contraciclo. Quando a maioria vai para a praia também ele vai para a praia, mas tem de deixar de lado os seus interesses para centrar-se nos de quem apenas veio para gozar o calor do sol e o azul do mar, e a quem ele deve anunciar. Fala, sim, e anuncia salvação, mas deve falar centrado nos problemas de quem não quer ouvir;
Se a oferta que o apóstolo apresenta não é desejada e ainda por cima leva rótulo de incomodidade, então urge que sejamos claros ao falar. Quem fala deve saber do que fala. Quem oferece Evangelho a quem tem de desapossar-se do que colide e até impede o florescer do Evangelho, deve falar claro sabendo como oferecer um tesouro que poucos, à primeira vista, se dispõem a reconhecer como tal;
Penúltima e a mais óbvia de todas: só se pode anunciar bem um produto que já se provou e do qual se gosta. Só a convicção pessoal pode convencer os demais. Como convenceremos se não estamos convencidos? De facto, se quero infundir uma certeza, tenho eu, primeiro, de estar convictamente firme e certo!;
A quinta estratégia é a de convencer que o produto além de bom tem boa assistência. Se acontecer a um bom o que acontece aos maus – que avarie – então deverei conciliar a oferta do produto com um bom serviço de apoio ao cliente, que ajudará a melhor rentabilizar o investimento. Todo o cliente precisa de acompanhamento, e um bom apóstolo tem de saber prever as dificuldades por que podem passar – ou estão a passar – os que lhe acolhem o testemunho sobre Jesus.
Falo isto por causa dos nossos jovens. Mas não só. São estratégias sábias, como aquela de Paulo que diz que devemos anunciar a tempo e a destempo. Porém, nunca me esqueço da muito oportuna que ele ensinou a Timóteo: evita o palavreado e com esses não percas tempo!

[18 de Janeiro de 2012]



domingo, 24 de novembro de 2013

Notas de Roda-pé

 
O discurso de André


Ao concluir a Missa de encerramento da JMJ de Madrid, dirigindo-se aos jovens portugueses presentes, e por eles aos demais jovens católicos lusos, o Papa disse-lhes: «Foi para este momento da história, cheio de grandes desafios e oportunidades, que o Senhor vos mandou: para que, graças à vossa fé, continue a ressoar a Boa Nova de Cristo por toda a terra».
E os nossos bispos reunidos em Fátima escreveram no passado dia 10 de Novembro aos nossos jovens, dizendo-lhes: «a Pastoral Juvenil não é somente encontros, festas e jornadas mundiais. O programa que esses acontecimentos suscitam, deveis vivê-lo no dia a dia.»
Não. Pois não, a pastoral não é só festa. Para verificação do caminho a seguir, o Papa propõe o seguinte programa para os próximos anos: firmar a fé no Senhor, alegrar-se no Senhor, fazer novos discípulos para o Senhor. É um programa exigente que temo poucos leiam apesar de tantas postagens em blogues e facebookes.
Vivemos de fragmentos, num tempo de estilhaços. Mas é aqui que vivemos e é para esta realidade que, qual fermento, somos enviados, a fim de que também nos fragmentos e nos estilhaços ressoe a Boa Nova da salvação de Jesus. É um tempo de instabilidade, de itinerários pessoais e institucionais confusos. (Será que é por aqui, perguntamo-nos; ou nem é por aqui nem por acolá e o melhor é ficarmos sentados?) Num tempo com estas coordenadas quem mais sofre é a interioridade, a religião e a cultura, as perspectivas comunitárias, as tradições, as instituições. Por que hei-de ter fé – e sobretudo vivê-la em comunidade –, se o clima é propenso ao anonimato? Porque hei-de comprometer-me com algo se os dias se regem pelo individualismo, pelo safe-se quem puder e pelo irei quando me sentir bem? Por que hei-de enraizar-me em algo se já não há senhores nem leis universais? Por que se há-de revisitar a fonte onde os nossos avós beberam se a publicidade oferece água com sabores exóticos? Por quê apostar num grande desígnio que a todos toque se o mais comum é desconfiar de quem proponha valores perenes?
Eis a razão por que tanto me surpreendeu o discurso de mestre André.
Foi de todo inesperado. Porque é um jovem, porque não estamos habituados a crer que os actores do futebol (nacional) pensem. Ou se pensam, pensamos que apenas pensam com as pontas dos pés!
André foi na última época desportiva o treinador principal da equipa sénior do Futebol Clube do Porto. Ganhou quatro em cinco troféus possíveis. Para os fiéis indefectíveis tornou-se um deus. Quando abruptamente abandonou o clube porque noutro lugar lhe pagavam melhor converteram-no em diabo. (Claro está que a maioria lamentou não estar na cadeira dele! Porém, ele não é nem deus nem diabo!)
Meio ano depois o clube homenageou-o, e ele, com classe, leu um pequeno discurso de três minutos que me tocou, porque, afinal, há quem no mundo do futebol pense com algo mais que as chuteiras. Não agarrei o discurso todo, mas aqui vai o que a mim mais tocou: «Cheguei à conclusão que o portismo esteve sempre presente na minha vida. É um sentimento de emoção, revolta, desejo, ambição. Sentido comum, sentido de união, empatia e reconhecimento. 
Não há derrotas quando é firme o passo. Ninguém fala em perder, ninguém recua.
Ninguém recuava, sonhávamos, acreditávamos sempre mais e depois seguíamos convictos. Dúvida? Não, mas luz, realidade e sonho que a luta amadurece.
Apoiados no talento e na sabedoria de cada um avançámos.
Temos uma emoção transmitida pelo gesto, pelo olhar. Há um esforço comum, todos dependem de todos. O esforço de um contagia o esforço de todos
O discurso de André Villas-Boas deveria ser de leitura obrigatória em muitos lugares: nas escolas, nos governos, nas igrejas, nas catequeses e nos escuteiros, nas empresas e nos sindicatos, por quem nos governa a qualquer nível: bispos, sacerdotes, professores, catequistas, presidentes de câmara, governos, troika, empresários. E também por quem nada manda. Há neste discurso tudo o que é preciso para fortalecer e motivar um grupo de trabalho, vista que camisola vista.
Camões disse não sei de quem, que «fraco rei torna fraca a gente forte»; mas sei que de quando em vez surge um «rei forte [que] torna forte a fraca gente.» O discurso de AVB é desses que torna fortes os fracos. Há nele uma força mobilizadora, uma lava indomável que deveria ser ouvida por uma nação em crise, desconfiada e desalentada; para ser ouvida pelas Igrejas, pela nossa Igreja que se vai esvaindo, donde tantos cristãos se retiram à sorrelfa. Alguém deveria erguer a voz e dizer que o esforço de um punhado (ou de apenas um) deve motivar o esforço de todos; dizer que somos uma comunidade, um povo que caminha, que tem uma estrutura que exige de todos um esforço comum porque todos dependem de todos. Eu de ti, tu de mim. Quem manda de quem obedece, quem obedece de quem manda.
Neste tempo de individualismo e de estilhaços, haveria de erguer-se o nós, o todos, o comum, o coro. Neste tempo mole e de descompromisso haveria de erguer-se o valor do passo firme e do ninguém recua.
Não creio que o singular se deva diluir sem mais no comunitário. Não. Mas creio que todo o AVB sabe que alturas há em que devemos motivar o coro e noutras os solistas. Que se os solistas se arrimam o coro se empolga! Porque o esforço contagia e o exemplo ilumina. Essa é a meu ver a tarefa do capitão de equipa: motivar, carregar, segurar o bastão e congregar. Cimentar a coesão evitar o desagregamento. Num grupo ou numa comunidade não existem indivíduos a mais, porém é necessário fazer com que cada um assuma em si a força agregadora do conjunto e trabalhe para arrimar o comum.
É certo que ninguém nasce feito. Nem o santo nem o treinador de futebol. Que cabe à comunidade construir os que se aproximam e se vão iniciando em torno a um projecto comum. Não é ainda o tempo de entregar isto aos velhacos nem de o abandonar aos amorfos.
Isto digo eu que não sou nenhum AVB. Mas, visto que é Advento valeria a pena parar para pensar e para remontar.


[27 de Novembro de 2011]

Notas de Roda-pé


Passos no Verão

Era o primeiro dia de Verão a sério. Sério descia eu a suave ladeira do Hospital – E só agora reparo que o colocaram no mais alto da cidade, como quem nos mostra o Calvário quotidiano de tantos! Descia, dizia, a suave ladeira do Hospital e a meu lado uma mulher que ali limpa escadas e corredores caiu na passadeira com as três sacas do supermercado, a bolsa e a esfregona que também levava. A mulher tem três filhos, mas foram outros que a levantaram sem conseguir evitar-lhe um olho negro que vai inchar, um galo na testa e escoriações nos braços e nas mãos, e mais fundas nos joelhos. Queixava-se muito dum pulso, mas como precisa muito dele para cuidar da casa e da casa de dois velhotes e da casa duma viúva acamada e passar a esfregona pelos longos corredores do Calvário nem se atrevia muito a falar disso.
(Ó Santa Mãe da dor, – Gravai no meu coração as chagas do Redentor.)
Em sentido contrário o passeio subia. Subia ligeiro. Ninguém apressava o passo, talvez mais por causa do calor. Na paragem dos autocarros saíram três passageiras. Duas eram novas e teriam os seus dramas, que as dores a todos tocam. Falavam inglês e desapareceram como gazelas ligeiras e frescas pelas sombras do jardinzinho. A terceira, uma velhinha de negro, dum luto cerrado que parecia levado por muitos, talvez por marido e filhos, desceu a custo o último degrau. Só podia ir para o Calvário com a sua malinha preta cheia de exames e credenciais. Dava saltinhos, caminhava a impulsos. Não dava passos, arrastava-se num tremer que não sei explicar mas a fazia andar. Nas fontes os cabelos brancos bailaricavam, única nota que me pareceu de alguma alegria no engelho daquele corpo. Pensei que se ia para o Calvário demoraria a chegar naqueles passinhos tão curtos. Mas se para o Calvário não ia, para que outro calvário iria, pensei. Passei, cruzei-me com o seu rosto resignado e firme, como quem vai em missão. Como quem vai determinada em missão.
(Meu Jesus, por vosso passos, – recebei em vossos braços este pobre pecador.)
Na escadaria que ali há junto daquelas duas igrejas, uma das quais vai amolecendo e ruindo silenciosamente por dentro como um cancro, um conhecido e público farrapo de mulher curtido a garrafas de vinho, partilhava migalhas de não sei quê com as pombas. As pombas gostavam do que lhes dava, tal o atropelo de asas e bicos que ali se assistia. As pombas não nos falam, mas ainda assim, ou talvez por isso, são mais pacíficas que muitos humanos e devem perceber muito da nossa solidão. Tanto que algumas trepavam-lhe para o regaço e para os ombros. E comiam-lhe à mão. E beijavam-lhe a cara. A velha sorria contente por ter três dentes a mais que as pombas e pelo afago das unhas que lhe subiam pela blusa acima. Algumas das que lhe comiam à mão ela as afagava, as que ficavam no chão davam saltos como quem luta pelo melhor quinhão. Não vi na velha coisa que fosse bela, nem o sorriso que ia demolhando em dois pacotes de vinho. A velha escura e negra de pele teria – quem sabe – uma alma branca e até bem mais branca que a de tantos que são de branca comunhão diária. E meditei no drama ou revolução que a tinha despojado quase inteiramente de humanidade e a levava a consolar-se na fraternidade com as pombas.
(Ó pai Eterno eu vos ofereço as chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo, – para curar as chagas das nossas almas.)
As eras galgaram as paredes das casas do Bairro dos Ferroviários e já há muito entram por debaixo das telhas. Entram e passeiam-se pelo forro das casas, porque precisam de respirar e dentro delas não há luz. O mato cresceu e cobriu três ou quatro carcaças de carros perdidos da memória dos donos. As janelas e as portas foram prudentemente tamponadas a tijolos de cimento, mas ainda assim vive ali alguém. Uma comunidade de zombies fugidios, pelo menos. Que eu saiba não se dão muito a conhecer, nem incomodam cidadãos. Creio também que não querem ser vistos e notados. (Terão ido lá as meninas do Census?, penso eu dubitando justificadamente.) Não sei como vivem que lá não me atrevo a entrar, mas não vivem bem concerteza. Dão passos melancólicos que só servem para afastar-se mostrando-nos as costas enquanto vão indo, indo, indo como quem acaba de reentrar numa nova trip. Para eles não tenho mais discurso que um pensamento estupidamente incapaz e humanamente vazio e talvez covarde.
(Kyrie eleison; Christe eleison; Kyrie eleison.)
Na porta da minha igreja, que tantas vezes eu digo ser o centro do jardim da comunidade que somos, espera-me um casal. Entramos para a clemência da sombra do átrio. Ali podemos falar e eu ouvi-los contar por que estão ambos embrulhados em ligaduras nas mãos e nos pés. As das mãos são visíveis e reais, pois se vêem bem. As dos pés não são visíveis mas são reais, porque pudessem eles e fugiam daqui. Mas são muitos os grilhões que os prendem e a história e tradições que os impedem de aproveitar as correntes de ar e voar daqui.
Ontem à noite podia ter sido uma tragédia em minha casa. E por causa da droga. O nosso único filho bateu-nos aos dois. Esperávamos amparo e consolo na velhice e só temos amargura para beber. Já estávamos conformados que não viesse à Igreja nem quisesse rezar o Terço connosco, que fizesse a vida dele, desde que não nos incomodasse. Mas caiu no poço da droga e já não tenho forças para de lá o tirar. Ontem bateu-nos porque não tínhamos dinheiro para a dose. Foi muito feio. Nunca pensei levar dum filho, eu e a minha mulher. Magoamo-nos os três nos vidros que se partiram a nossos pés!
O Santíssimo que se encontrava lá em cima e também no meio de nós foi testemunha do que ouvi. O sangue dos três misturou-se abundantemente como se fora uma única flagelação – a flagelação duma família que outrora foi boa e modelar. Hoje estão todos cosidos a pontos que unem as carnes mas não a alma e coração.
Entrámos por fim na Igreja para rezarmos os três à Senhora da Agonia.
(Meu Jesus, perdão e misericórdia, – Pelos méritos das vossas santas chagas.)

[27 de Julho de 2011]


Notas de Roda-pé


Continente de Missão

A Banda Mais Bonita da Cidade não é de cá. E de lá, do Brasil. Parece de facto bonita. Canta uma canção muito simples que se chama Oração. São uns vinte jovens a cantá-la.
Numa noite de verão caiu-me suave na alma como a chuva duma última oração. Diz o refrão: «Coração não é tão simples/quanto pensa,/nele cabe o que não cabe/na despensa.» Impelido por esta última oração desembrulho alguns restos e indícios que trago guardados sobre a missão.
Ninguém anda confortável. Os antigos, porque tudo mudou e já nada é como dantes. Os novos, porque tudo é tão parado e assim não dá. Já nada é como dantes. A transmissão da fé também não. Ambas gerações cuidam coabitar a dura faixa da terra de ninguém. Porque a sociedade já não é cristã terminou o tempo em que a fé se transmitia escorreitamente por continuidade. Agora que os tempos são de pluralidade resta-nos o firme dever de anunciar Jesus e a sua mensagem em diálogo com os demais. E não estamos habituados a isso.
Não podemos impor, apenas propor. Ou não aceitarão o que temos para dizer.
A juventude é uma questão de hoje, porque só agora há juventude: antes saltava-se sem mais da infância para a adultez. Hoje, porém, os jovens são-no durante vinte anos! Merecem toda a atenção. Se sempre questionaram o que a geração anterior estimou e lhes legou, também é verdade que agora rejeitam mais liminarmente a fé que vivemos e lhes é apresentada, mais a mais se a embrulhamos em obrigações e incoerências.
Olhando a JMJ Madrid 2011 consolidou-se em mim a convicção de que os jovens são hoje o novo continente de missão. Esteve ali uma imensa minoria de 1 500 000 jovens. Óptimo! Mas acabo a pensar que de todo não estiveram ali os mais significativos da nossa sociedade ocidental e europeia.
(As JMJ serão só para esses? E os outros tantos que não se revêem nesse modelo?)
A missão tem de começar. Em razão dessa urgência dei ali pela falta: 1. Dos jovens que acusam a Igreja de não ser nem transparente nem lugar de crescimento e comunicação da fé; 2. Dos incomodados pelas incoerências dos que devemos testemunhar a adesão a Jesus Cristo; 3. Dos jovens com questões absurdas e acusações inconsequentes, mas ainda assim abertos a caminhar caminhos de transcendência sempre atentos aos pés solidários que trilham o pó da terra; 4. Dos que anseiam viver a fé doutra maneira, mas para quem o luto das celebrações os agride e a alegria da fé tarda em alvorecer; 5. Dos desiludidos que nasceram cristãos e cuja relação de comunhão com a Igreja se rompeu; 6. Dos jovens filhos de rupturas familiares e sociais que hoje não sabem bem quem são, donde vêm, para onde vão.
Existe uma multidão de jovens murchos e abandonados formando um continente novo como aquela ilha do tamanho dos EUA (!) que voga pelo Pacífico, feita dos restos plásticos da sociedade de consumo! Que fazemos deles e por eles? Como (re)acender a chama da fé nesse imenso continente juvenil?
Facto: Depois da JMJ caiu-me no confessionário um rapaz, A., da juventude do Papa. Confessou-se como se confessam quase todos os jovens portugueses. Não sei como mas acabámos demorando-nos pelo trivial da fé. Ou nem isso. Havia, porém, ali, busca, inquietude: talvez seja sacerdote um dia, quem sabe? Não me recordo por que se viera confessar! E ele não sabia se eu era padre, porque tinha túnica, porque me pendia uma estola roxa dos ombros, nem porque se ajoelhara em vez de sentar-se! Não distinguia padres de frades, evangelistas de apóstolos! Não sabia o Acto de Contrição, desistira da catequese, da Missa, dos Sacramentos! Sabia o Pai Nosso e o nome da Igreja: do Carmo.
Fora às JMJ Madrid 2011!
Achou oportuno falar com alguém sobre elas. Perdido, de férias em casa não encontrara interlocutor. Por entre as brumas duma sociedade que deixou de ser cristã descobriu uma igreja, entrou, tacteou e ajoelhou-se. Eu estava ali. Preocupado, estava ali. Preocupam-me estas questões da transmissão da fé. Preocupam-me os jovens atravessando um mar cultural plural sem saber centrar o seu coração e vida na vida e coração de Jesus. Preocupam-me as nossas infidelidades ao Evangelho que a todos ferem – e a eles mais! –, e as infidelidades aos problemas reais das pessoas; umas e outras atiram os jovens para fora da barca e causticam o futuro da fé.
Antes, num antigamente mais antigo, não havia alternativa à fé: nascia-se cristão e ali se medrava, definhava e por fim era ainda ali que se ouvia a Última Encomendação. Ao longo do rio da vida as soluções, as ofertas e possibilidades irrompiam esparzidas com água benta. Não assim hoje. A Igreja perdeu naturalmente esse poder. No ocidente o cristianismo já não pode apresentar-se como religião natural, onde se entra porque é assim, porque é natural que se entre.
(Não li eu o Bispo do Porto durante as JMJ dizer que o Cristianismo vive a sua pior crise de sempre e que só se salva refundando-se? – sim, creio que li, mas como era num jornal laico…)
Entrámos numa nova era da sementeira da Palavra. O campo é vastíssimo: um continente inteiro e diferenciado! Cabe-nos semear a Palavra em cálidas experiências de comunhão com Jesus, homem e Deus aberto a todos os homens e mulheres. Creio que o futuro exige quem saiba dizer e testemunhar o encontro e o diálogo com Jesus e o compromisso que implica a entrega de vida aos demais. É isso que venho pressentindo quando me pedem palavras de fé verdadeira, caminho com afectos, diálogo de comunhão, compromisso radical.
Não saberei dizer donde surgirão os homens e mulheres com força interior para avançar para o novo continente de missão. Mas sei que ainda não é tempo de depreciar, porquanto nos diz o Apóstolo João: «Escrevo-vos, jovens, porque vencestes. Porque sois fortes. Porque a Palavra de Deus está em vós.»
Encerradas as JMJ restaram 250 000 jovens em Madrid. Dum palco alguém clamou então por vinte mil jovens sacerdotes para evangelizar a China. Subiram ao palco cinco mil rapazes e 2.300 raparigas. Não creio que todos sejam ordenados, mas o caminho de evangelização daquele país-continente parece estar recomeçado. É hora de nascer o dia do novo continente de missão: os jovens. Quem se lhe dedicará? Quantos corações serão necessários para o percorrer?

(Declaração de interesses: Participei em três JMJ: Santiago de Compostela, Paris e Roma. Indirectamente em Colónia e Madrid.)

[14 de Setembro de 2011]

Notas de Roda-pé

Carta a J.
J.,
Sei que não aprecias estes gestos, mais a mais se são públicos. Mas crê que o faço não tanto por ti, mas por aqueles tantos que trazes pelos caminhos do coração e a ti te levam também. É a pensar neles por ti que te escrevo com o coração.
Também te devo confiar que sempre fico à nora, quando recebo a mais que prometida ameaça do Pe. Leal convidando-me a esparcir letras em duas páginas brancas do Mensageiro. Quando me chega o fatídico mail, pumba!, lá se vai a ilusão de que se tenha esquecido de mim. Aceita, por isso, carregar comigo esta cruz. Aceita esta carta e guarda-a, para um dia, mais calmamente, falarmos sobre ela.
Pelo canto do olho apercebi-me por estes dias dum filme que irei ver só. O nome do filme é: Encontrarás Dragões, e, ou me engano ou retrata a vida dum santo. Um santo quase do nosso tempo e muito pouco consensual na nossa Igreja.
Não tenho certezas disto que digo, porque me apercebi dele enquanto trocava dois dedos de conversa no recreio da comunidade. Mas o certo é que dragões e santos casam bem e é bem plausível que caminhem a par.
Por ora não estou seguro que o filme seja a biografia dum santo. Mas um título assim é um arranque hagiográfico fortíssimo, e isso inspira-me a escrever-te! Se assim for, isto é, se se tratar da biografia do tal santo, não sei se a sua comunidade validou o título e o relato, nem isso me interessa. O interessante para mim é escrever-te agora, agora mesmo que me encontro espevitado por tão sugestivo título.
Sabes, J., já nos conhecemos há algum tempo, o suficiente para que eu te diga ou fale livremente em dragões. E sei que falando-te assim não vais imaginar princesas prisioneiras em castelos à espera de cavaleiros em aladas montadas e de armaduras fulgentes. Tu já passaste a fase das princesas. Sei, por isso, que posso falar-te em dragões e que compreenderás o que quero dizer-te. Sei que sabes que eles existem, que nos povoam os sonhos, nos turbam as andanças, nos tiram do sério, nos tolhem os passos. Sei que sabes que há dragões e dragões, por isso te escrevo.
A tua vida jovem é uma vida na Igreja de Jesus, isto é, compassada com o sentir e o servir da nossa Igreja. Sinto isso e nisso não me engano. E é também por seres dos amigos de Jesus e até líder deles, que eu te quis escrever esta carta aberta.
O encontro com os dragões não é privilégio dos jovens, mas de todos os discípulos do Senhor. Porém, é a ti que me dirijo. E dir-te-ei que os há externos a nós e outros que brotam de dentro. Por exemplo, há um dragão que se chama Não: Não Sou Capaz! E em alguns lugares tem ainda nomes como Não Tenho Jeito, Não tenho Tempo ou Isso Não é Para Mim. Os nomes variam, mas o medo que infundem é o mesmo. Sei que te confrontas frequentemente com esse dragão. Sei que sim porque mo disseste e porque por vezes o vejo na tua cara. Mas, sabes, não é tanto assim. Deixa até que te diga: J., esse dragão não existe! E se existe é porque deixas que exista! E se tanto te assusta e aumenta é porque lhe dás espaço, o deixas entrar, lhe conferes existência acreditando que existe. Sim, não tenhas medo. Não estavas comigo neste domingo quando Jesus, no Evangelho, prometeu aos discípulos que faríamos as obras Dele? É isso! Confia. Esta é a hora dos discípulos, sejam grandes ou pequenos, santos ou quase. Quem poderá dizer que não é capaz? Olha olhos nos olhos o Evangelho de Jesus e diz-me como podes dizer que não és capaz? Sim eu sei que encontras muitas vezes esse dragão. Mas em quem confias, no dragão que te assusta ou nas palavras de Jesus? Já viste, certamente, nas tuas passeatas, os penedos escalvados das montanhas. Estão ali como sentinelas. Parece que nada mais fazem que isso, mas se os visitares verás que na primavera esses rochedos duros dão flores que brotam das pequenas fendas e cavidades onde se acumulou algum pó e humidade! Oh, J., J., não vês esses penedos onde dançam flores? É certo que por pouco tempo; mas quem, no inverno, diria que deles nasceriam florinhas que adoçam o olhar do Pai do Céu? Ah!, meu Deus, se dos rochedos despontam florinhas, quanto mais de ti não hão-de sair obras e palavras belas que louvem a Deus e nos levarão contigo a louvá-Lo também!
Esse dragão e outros da mesma estirpe, que eu saiba, não existe. Matei-o eu. E tu poderás matá-lo também no próximo encontro.
Sim, eu sei. Há também dragões que te acossam desde fora. Chamam-se Ainda e são falsos espantos e reles admirações escarninhas. Dão por nomes, como: Ainda Vais à Missa!, Ainda Rezas! Ainda Ligas aos Padres! Ainda Vives na Idade Média!. Pois é, eu sei. Somos muito condicionados desde fora e para sermos aceites temos de já não ir à Missa e por aí adiante. Eu sei que este dragão é terrível, que te crava as unhatas horrorosas, que te rasga com a língua afiada, que te fuzila como um basilisco. É triste que para se estar bem, ser chic ou estar in não se possa cheirar a incenso nem a água benta! Nem ter antes recitado orações!
É míope, esse dragão! Tem, contudo, um poder irresistível, uma confiança inabalável e ostraciza como ninguém. Diz que o tempo cristão acabou e que vinte séculos foram suficientes para provar o que poderíamos mudar. Desse já eu cuidei também. Sabes como? Regresso mais uma vez ao Evangelho de Jesus que diz que na Casa do Pai há muitas moradas. A modo imperfeito vejo a Casa do Pai como um extensíssima montanha cheia de pequenas cabanas ou moradas. Cada uma com o seu caminho para lá chegar. Muitas moradas, muitos caminhos. E então penso, porque não hás-de pensar assim nos teus sobressaltos com os Ainda: – Poxa! Na nossa história nem tudo foi mau ou está definitivamente perdido! E há ainda muito por fazer ao longo do caminho da história!
Ânimo, pois! Coragem! É sempre possível fazer melhor, caminhar melhor, servir melhor, sorrir melhor! Convence-te de que tens de seguir em frente com garra de carmelita, venha o que vier, suceda o que suceder, voe quem voar! O caminho é para fazer, quer tenha dragões ou não! Por isso, hás-de pensar e acertarás: – Por que hão-de sempre azucrinar-me a cabeça? Por que hão-de tolher-me os passos e ceifar-me os desejos de me dedicar à causa de Jesus?
Sim, é isso. Se os caminhos são muitos, porque hão-de invadir constantemente o teu? Não lhes basta o deles?
Bem, J., o assunto a ficar assim fica um pouco agreste. A verdade, porém, é que as moscas se caçam com o azeite. E os dragões também. Fica por isso aqui um pingo dele, cheio de suavidade: se os caminhos são muitos, porque não hão-de eles mudar de caminho por causa do amor forte, que apesar de tudo, a tua amizade lhes tem? É que tens mesmo jeito e coragem para isso! Já pensaste nisso sem medo?...
Fico-me por aqui, porque o papel se me acabou. Porém, como os dragões são muitos, e muitas vezes te encontrarás com eles, não te admires se mais além nos cartearmos de novo. Para te animar! Teu,

fj
[26 de Maio de 2011]

sábado, 23 de novembro de 2013

Ahí estamos!


Ahí estamos!
Pueden los Carmelitas Descalzos no estar donde está toda la gente: los niños y los jóvenes, los inquietos y los indiferentes, los amigos fuertes de Dios y los buscadores, los adversarios y todos los amigos nuestros? Podemos no estar en la Rede? Podemos no estar donde lo que no es visto nadie le conoce, y se no se le conoce es porque no existe? Si, corremos el riesgo muy serio de no existir, porque, saludablemente, seguimos preferiendo lo real quando las gentes nos buscan en lo virtual y en las hojas fragiles que una vez leídas vuelan y se alejan y se deshacen de la memoria.
Del 21 al 27 de Septiembre se realizó en la Universidad de La Mística, el Cites, en Ávila, el I Congreso sobre la información en nuestra Orden. Y allí se nos recordó com mucho acierto que también el Carmelo ha de estar muy vivo donde empieza a ser más comun que nos busquen: las redes sociales.
Si es verdad que la gente nos busca; si es verdad que todos, también los Carmelitas, queremos ser buscados, debemos com ahinco cuidar de aprimorar la calidad de nuestra presencia y de nuestra imagen allá mismo, donde primero nos buscan. No hacerlo significaria despreciar la sede de los buscadores.
Los participantes – frailes carmelitas y algunos laicos – veníamos de cerca de 40 países buscando aprender como mejorar la información (y comunicación) hacia dentro e hacia fuera de la Orden. En especial buscando mejorar la manera de presentar el projimo e magno evento de la celebración del V centenario del nacimiento de Teresa de Jesús, madre nuestra.
A lo largo de estos dias las charlas fueran profundas y visaron lo esencial. Así, para lograr la eficacia de la notícia es mui importante que se la trasmita con simplicidad, sencillez e sobriedad. Com meridiana llaneza nos lo dijeron los expertos de la comunicación: a la sencillez y a la objetividad nada gana en la elaboración de la noticia, a sabiendas que es mejor no decir que decir mal, y que es sempre difícil decidir lo que debemos escribir u noticiar.
Cierto es que vivimos tiempos de miedo a la prensa. Miedo, o mejor dicho: horror a la imagen distorcionada en que suelen sacar a la Iglesia en las primeras paginas. Nos hemos acostumbrado a tener por cierto que siempre sacan lo negro de los escandalos, sean cuales sean. Debemos mantener esa fobia? Creemos, nos lo dijeran los profesores, que es necesario hacer indistintamente de todos los medios de comunicacion aliados nuestros y de nuestra misión. Es cierto que suelen ser muy ajenos a lo nuestro, pero también es cierto que muchísimas vezes lo son por desconocimento y por falta de invitación nuestra a camiñar juntos un trozo de nuestro camino.
Es verdad – Y verdad de veras! – que si somos guardianes de un gran tesoro, él tanto más crece quanto más se difunde! Podremos ocultarlo y reservarlo sólo para nosotros? Osaremos callar la Palavra que da vida? Despreciaremos los medios, más sencillos o más eficaces, que puedan amplificar la Buena Nueva que resuena en el silencio de nuestros claustros?
Suele decirse que la Iglésia es experta en humanidad. Y algo inhabil en comunicar en lo virtual la Palavra salvadora. Mas allá de las fronteras de nuestra tribu – los muy pocos que entran en nuestras iglésias – viven y crecen los sedientos de buenas nuevas. Como iremos llenar su sed del agua viva que les puede saciar? – Esta pregunta por ahora pervive sin suficiente respuesta.
Todo ser humano es comunicación y encuentro. Todo cristiano es invitado a salir dando testimonio de su fe incarnada en el mundo. Los Carmelitas somos hombres y mujeres portadores de memoria. Ayer, en los momentos mas récios e ingentes, la Iglésia, como buena madre, supo llegar al corazon de sus hijos y acalentar sus esperanzas. En este momento de la historia que nos toca vivir hemos de reaprender a decir, o sea, a transmitir, por todo los medios a nuestra mano, la suave novedad de la única Palavra que serena y calma y salva.