...

sábado, 31 de maio de 2008

Há uma porta de vidro


Há uma porta de vidro. É ali. Não sei se por ela o que entra é mais do que sai. Sei que há ali uma torrente de luz e de mundo que entra, e, concerteza, não é menor a que sai. Depende do olhar, claro. Depende do nevoeiro do olhar, como é óbvio.
Mas o que é certo é que ali está aquela porta. Impressiona-me aquela porta! Já vi uma vez uma porta florida, que ajudei a fazer. Gostei de a fazer. Gostei de por ela entrar. Gostava daquelas flores todas a sorrir e a saudar quem por ela entrasse. Já vi uma porta tão velha tão velha que parecia a Avó-de-todas-as-portas, mas depois que a maquilhamos dá gosto ver o garbo dos que entram por ela.
Já vi portas seculares, grandes, gigantescas, antigas, nobres, humildes, simples, modestas, discretas, convidativas, a evitar. Já vi. Mas agora não interessa o que vi. Interessa-me aquela porta, mas que porta! Entram nela os apressados, os apresados, os livres, os santos e os pecadores. As crianças, os carros, os lavradores. Os doutores.
É uma porta como uma janela por onde o mundo espreita. Eu ali, ela acolá. É por ela que o mundo entra. É por ela que um rio sai. Cá dentro há luz, muita Luz, tanta Luz, excesso de Luz. Luz. Luz que ninguém vê, porque não se vê de olhos bem abertos. Luz que aquieta, que pacifica, que serena, que. Lá fora a noite caiu. Caiu a noite e há luz. Ou sombra. Sim, sombra-luz. Sombra que descai como um vestido de mulher cinderela. É noite. Por isso sai mais luz que aquela que entra. É um rio que vai.
Que vejo agora? Serás tu, Senhora? Terás, desapercebida, deixado o teu altar? Foste procurar o teu Menino? Que é isso que vejo?
Vejo que além, do outro lado, daquele lado outro da fronteira, onde antes houve uma sebe verde cujas folhas eu gostava de partir delicadamente num clic macio e agora impossível (porque já não há sebe alguma), vejo, vejo que te vejo além dessa fronteira levantando o menino, o teu Menino. Ficas a olhar, ficas a apontar. Demoradamente, de braço levantado e os lábios junto ao ouvido. (Para que, longínquos, não ouvíssemos?) Dizes onde é. — Mas onde é o quê? Mostras o quê? Será que lhe mostras o caminho, o lugar donde veio, a divina prisão onde O adorarmos?
Vejo tudo por essa porta de vidro que me mete cá dentro o mundo, por onde sai o rio. Há essa porta ou janela, não sei. E uma Mãe e o seu Menino aqui, comigo, connosco, enquanto rezamos ave marias.
Ave Maria, porque te vejo aí? Porque não hás-de estar aqui quando te dizemos os piropos de que tanto gostas?Ave Maria.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Em que posso ajudar?


Dizem que em certo lugar havia um menino que todos os dias e à mesma hora ia rezar à igreja. O facto era sabido. O sacerdote vendo que o garoto vinha todos os dias à mesma hora e que passava sempre uns minutos diante do Santíssimo Sacramento, perguntou-lhe:
— Que vens pedir a Deus todos os dias? Qual é o teu problema?
Ao que o menino respondeu prontamente:
— Senhor Padre: Eu não lhe peço nada. Nem tenho grandes problemas. A única coisa que pergunto a Deus é em que O posso ajudar!

A Nossa oração deveria ser como a daquele menino que vivia perguntando a Deus como O podia ajudar todos os dias. Perguntemos-Lhe neste domingo o que nos pede Ele e peçamos-Lhe a graça de podermos cumprir a sua vontade de salvação.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

Divinas mãos e pés, peito rasgado,
Chagas em brandas carnes imprimidas,
Meu Deus, que por salvar almas perdidas,
Por elas quereis ser crucificado.

Outra fé, outro amor, outro cuidado,
Outras dores às vossas são devidas,
Outros corações limpos, outras vidas,
Outro querer no vosso transformado.

Em Vós se encerrou toda a piedade,
Ficou no mundo só toda a crueza;
Por isso, cada um deu do que tinha.

Claros sinais de amor, ah saudade!
Minha consolação, minha firmeza,
Chagas de meu Senhor, redenção minha!

(Hino da Liturgia das Horas)

quarta-feira, 21 de maio de 2008

A Jesus sacramentado

(Eis uma breve oração de louvor a Jesus sacramentado. Pode ser uma bela oração diária. Não é muito comprida e até é fácil de memorizar.)

Seja louvado, adorado,
amado e correspondido a cada momento,
o Coração de Jesus
em todos os sacrários do mundo
até à consumação dos séculos.
Amen!

terça-feira, 20 de maio de 2008

Uma palmeira, pardais e meninos

Reclamaram comigo porque trago o blog abandonado. Foi a primeira vez que resmungaram, nunca tal tinha acontecido. Porque há quem leia e não quero que se sinta desprezado, pobre, triste e abandonado, aqui vai.
Confessarei então o meu pecado e penitenciar-me-ei dos meus erros. Sim, penitenciar-me-ei, apesar do blog se chamar DEPOIS DA HORA, o que pretende indicar que depois da hora tudo pode acontecer, até ganharmos o jogo num penalti inexistente.
Isto às vezes é tão depois da hora que pode nunca chegar a ser blogado. Nem tudo é blogado, obviamente. Não é porque o pão está cozido que se abre o forno. Nunca se abre logo o forno. Por isso, podemos sempre esperar que depois da hora nada haja.
Mas confessar-me-ei, como disse.
A meus pés correm agora as águas dum rio calmo. Não me beijam logo os pés porque entre as águas e os pés está um oceano de crianças aos gritos de hora a hora. Gritam tanto as crianças, agora!, ou sou eu que estou a ficar velho? Mãe, eu gritava assim, antigamente? Ou são os novos heróis que são mais belicosos e em mim adormeceram os antigos e a ferrugem que corrói as suas armaduras não os deixa mexer-se muito?
Entre as crianças e a minha cela há ainda uma palmeira enorme que me entra pela janela e enche quatro quintos do quarto que está num alto primeiro andar! Por essa razão eu quase nem vejo as crianças, apenas os gritos. E o rio apenas sei que corre ali, já ali.
E depois há aquela palmeira enorme. É uma palmeira da Judeia, julgo eu, embora aqui se alimente melhor que acolá. Quase sempre que ergo o olhar vejo a palmeira a espreitar e digo-lhe: - Olá, palmeira da Judeia! E ela que gosta que fale com ela, agita os braços mais altos, que os debaixo são tão velhos e secos que já nem caem nem se mexem.
Na palmeira da Judeia há uma colónia de pardais ou verdelhões. Brincam tanto e tanto cantam que já nem sei se são os pardais que estão no recreio, se são os meninos da Judeia que treparam à palmeira e dali saúdam com ramos e cânticos Aquele que vem em nome do Senhor!
Sei, sim, que os meninos e os pardais, onde quer que estejam, estão ali, mesmo à beirinha da minha janela. E eu a vê-los, e eu a ouvi-los. E por testemunha a palmeira da Judeia.
De manhã e também há noite há uma porta de vidro que se abre. E por ela entram pessoas e saem pessoas. Entram comboios que saem ronceiros da Ponte Eiffel e saem comboios que entram ronronantes na ponte sobre o rio que quase banha os meus pés. E entram camiões e carros, turistas e devotos. E tantos outros, e tantos muitos. E tantos sem rumo e muitos buscando um porto de abrigo.
Antes que a noite chegue conto os camiões vazios que dão saltos no trapézio duma tampa do saneamento que está no trilho deles, um pouco ao lado da palmeira da Judeia.
E depois que desce a noite voam gaivotas em torno da torre sineira, até que se afastam ou até que adormeçam.
E ao sair do carro que me trouxe, a primeira coisa que vi foi uma pomba, um juvenil, que andava ali, esperava-nos por ali, aguardando que lhe déssemos migalhas e não saiu de junto de nós enquanto não repartimos com ele meio biscoito.
E tendo-me confessado, julgando nada ter esquecido, submeto a esta confissão os pecados da minha vida passada, e a vós peço penitência e absolvição!