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segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Bênção de ano novo


O Senhor te abençoe e te proteja.
O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te seja favorável.
O Senhor volte para ti os seus olhos e te conceda a paz.

Mais que um trinta e um


Hoje é um bom dia para parar. Para pensar.
Para fazer balanço. E para ganhar.
O que fizemos? O por fazer? O que passou?
Onde estão os nossos propósitos de sementeiras e de colheitas?
Hoje é um dia bom para pedir perdão pelo que não fizemos,
pelo amor que faltou. Pela ousadia que ficou no bolso ou no cofre.
Hoje é um dia belo para dar graças!
Oh quantas graças no caminhar dos peregrinos.

Vamos lá


O tempo é curto, mas suficiente para dizer que amamos. A Deus.
Eis que finda um ano. Eis que arranca um novo.
Que não seja apenas de rolhas de champanhe.
Que não seja apenas sono e caminhar de sonâmbulos.
Mas um de mãos vazias em peregrinação contínua.
Porque passado este não teremos outro tempo.
Vamos lá. Este ano é apenas mais uma etapa.

No dia da Sagrada Família




Os que falam contra a família não sabem o que fazem,
Porque não sabem o que desfazem.
(Chesterton)

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Spes salvi

A Última encíclica «Salvos na esperança».

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Revista de imprensa


Não li, ouvi.
Ouvi esta manhã a revista de imprensa.
Ouvi, não interpretei.
Segundo a interpretação o Menino foi trocado pelo Pai Natal,
a ternura e a generosidade pelo consumo.
Ah!, era de consumo que falavam.
Ouvi que alguns pobres não sei donde
foram ao lixo buscar de comer e encontraram prendas.
Era prendas abandonadas, despejadas, recusadas.
Sorte deles. De comer encontraram de certeza.
E prendas também. Eram do Menino Jesus.
Ou seriam do pai Natal. Talvez dos dois. Não interessa.
O que interessa é que também os deserdados do consumo receberam,
algures, as suas prendas de Natal!

Santo Estevão da porta fechada

No dia a seguir ao Natal
passei à porta da tua igreja.
Era dia de S. Estevão
e a porta dormia cansada.

Visitei o Santo em vão
por causa da porta verde fechada.
E eu que ali fora para ver
O Santo da minha devoção.

À porta uma fogueira jazia,
falei com ela e me disse
o Menino dorme; elevei a prece:
Senhor, fazei que eu veja!

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Para a acta

São 10 da manhã. É o dia a seguir ao Natal.
Descendo percorri mais de meia avenida a pé.
Dum lado e do outro, não contando pastelarias e cafés está tudo fechado.
Tudo fechado, não. Uma loja de roupas acabava de abrir.
Alguém que subia comentou que era a primeira que abria.
Todas as lojas de chineses e indianos estavam abertas,
os empregados corriam, os patrões encomendavam ao telemóvel,
e as clientes perguntando preços discutiam virtualidades.
Desconfio que de tão abertas aquelas lojas nem no Natal fecharam.
O país está em crise.

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Prenda para o Anjo Mor


Puto complicado (e ainda bem!)


O Menino está dormindo


O Menino está dormindo
Nas palhinhas deitadinho.
Os anjos estão cantando,
Por amor tão pobrezinho.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Jesus veio


Era uma noite de Natal. Um Anjo desceu à casa duma família rica e disse à dona da casa:
— Trago-te uma boa notícia: Esta noite o Senhor Jesus virá visitar a tua casa.
A senhora ficou entusiasmada. Nunca julgara possível que a sua casa viesse a ser tão honrada. Tratou de melhorar a excelente ceia que programara, pois receberia Jesus. Veio tudo do bom e do melhor.

De repente soou a campainha. Era uma mulher mal vestida, de rosto sofredor, de ventre inchado e mal apresentado. Via-se que estava grávida e prestes a dar à luz.
Perguntou:
— A senhora tem algum trabalho para me dar? Estou grávida e tenho necessidade de trabalhar.
A senhora respondeu:
— Mas esta será uma boa hora para incomodar as pessoas de bem? Venha noutra altura. Hoje não! Vou receber uma visita muito importante. Não vê que estou ocupada com a ceia?

Pouco depois, um homem de fato-macaco cheio de óleo, bateu à porta. Disse respeitosamente:
— Minha senhora, o meu camião avariou aqui mesmo à porta da sua casa. Não terá por aí uma caixa de ferramentas para me emprestar?
A senhora estava a limpar as pratas e os copos de cristal e os pratos de porcelana, por isso aquela interrupção irritou-a muitíssimo. Não iria ter a casa como queria. Por isso respondeu:
— E o senhor pensa que isto é a garagem do mecânico? E isso são modos de falar? Saia já de minha casa que o senhor está todo sujo e com umas botas imundas!

E a anfitriã continuou a preparar a ceia: abriu latas de caviar, pôs o champanhe a arrefecer, foi buscar os melhores vinhos, preparou os aperitivos.
Naquele instante alguém bateu palmas lá fora. Será, pensou, será que é Jesus agora? E emocionada e de coração acelerado foi abrir a porta. Mas não era Jesus. Era um menino maltrapilho. Era um desses sem eira nem beira, que se via logo que dormia numa caixa de cartão à entrada dum qualquer prédio. Disse-lhe o menino:
— Senhora, hoje ainda não comi. Dê-me um prato de sopa, por favor.
Ela respondeu (pensando nos seus belos pratos):
— Mas como te vou dar de comer, se nós ainda não comemos? Ó horror! Volta amanhã, porque esta noite é impossível!

Por fim a ceia ficou pronta. Os meninos os avós, toda a família estava solenemente emocionada. Com que ansiedade esperava a ilustre visita que tanto os honrava! As horas foram passando e Jesus não vinha. Foram resistindo, mas Jesus não vinha. As horas passavam. O apetite apertava. Foram provando os aperitivos. Mas Jesus demorava e eles não faziam efeito no estômago. Por o sono, a espera e o cansaço fê-los esquecer as iguarias prontas na cozinha.
Adormeceram.

Na manhã seguinte, para grande espanto seu, a senhora ao acordar viu o Anjo.
— Mas será possível! Será possível?, gritou enfurecida e raivosa. Será possível um Anjo mentir? Eu preparei tudo com esmero e carinho. Esperamos toda a noite e Jesus não veio! Fomos humilhados! Porque é que Você me enganou?
Respondeu-lhe o Anjo:
— Eu não menti, senhora. Você é que não teve olhos para ver. Jesus esteve três vezes na sua casa. Veio na pessoa da mulher grávida, do camionista sujo e do menino faminto. Porque não foi você capaz de O reconhecer e de O receber?

Oração


Ao chegar o teu Natal, Jesus, também eu quero pôr uma prendinha no teu sapatinho. Assim:
Ofereço-Te, Senhor,
os meus pensamentos,
ajuda-me a pensar em Ti.

Ofereço-Te, Senhor,
as minhas palavras,
ajuda-me a falar de Ti.

Ofereço-Te, Senhor,
as minhas obras,
ajuda-me a cumprir a Tua vontade.

Ofereço-Te, Senhor,
as minhas penas,
ajuda-me a sofrer conTigo.

Tudo aquilo que Tu quiseres, Senhor,
eu o quero,
precisamente porque Tu o queres
e durante o tempo
que Tu quiseres.

Barrete vermelho

A confessar também se aprende. O confessionário é uma fonte de sabedoria. Não sei como terá sido noutros tempos. Sei que nestes, embora de menor afluência, os bancos do confessionário são os bancos duma grande escola. E o professor está frequentemente de joelhos.
No Sábado, ficamos em amena cavaqueira depois do rito. Alguém se dizia sufocado pelo inchado que está o Natal. Bem, dizia, já nem parece que seja Natal. O centro desapareceu. Parece que se desviou o significado. Agora já não conta quem esteve nas palhinhas. Mais parece a festa do Barrete Vermelho, disse-lhe. E ele, que buscava o melhor título para esta festa pagã, concordou. Embora haja outros.

Não nos roubarão o Natal

Hoje como ontem. Hoje talvez com mais sagacidade, ontem pela espada. Ao longo da história não faltou quem nos quisesse roubar o Natal.
Hoje a insinuação comercial tornou tudo reluzente, brilhante e cheio de estrelas. Levemente, discretamente impõem tanta luz que ofusca a Luz nascida num buraco negro duma gruta.
Ontem, Herodes e outros muitos quiseram matar o Natal.
Não o conseguiram, não o conseguem, não o conseguirão.
A todos os que me desejaram também eu lhes desejo um Feliz Natal. E aos outros também.
A todos um feliz Natal, aos santos e aos violentos, aos mansos e aos insensíveis, aos corações duros e às cabeças cheias de números e cifrões.
Apesar do frio e da dureza o Menino continuará a nascer. Muitos meninos continuarão a nascer. A esperança não morrerá sem mais.
Não nos roubarão o Natal, nem os faraós nem os reis, nem os césares nem os ímpios, nem o esquecimento nem o desinteresse, nem as luzes nem as sombras, nem os medos nem as falsas alegrias.
Não nos roubarão o Natal, porque não nos roubarão a esperança enquanto tivermos esperança e memória de meninos.

Poema de Natal sem árvore nem renas


(A partir dum poema de Walt Whitman)

Não deixes terminar o Natal
sem cresceres um pouco com Quem por tanto ter descido,
é chamado O Louco.

Não deixes o desejo de fazer algo belo
e extraordinário. Também na noite santa as estrelas
viram a Verdade muito ao contrário.

Não deixes vencer o cansaço
sem teres sido feliz, sem levedar os sonhos.
Nasce o Messias, foi isso que Ele quis.

Não deixes de sonhar, mesmo acordado.
Nesse reino há hinos à liberdade. Celebra e canta,
porque nem as palhas cederam à mediocridade.

Não deixes que te leve pela mão
o que faz a vida um inferno. Ama os trigais,
porque depois das flores vem o Inverno.

Não deixes que te roubem o falar, quando é um dever.
A Palavra pregou e foi calada.
É assim que A deves imitar.

No Natal semeia as letras da esperança.
Não deixes que os ventos
só soprem violentos. Falta escrever a tua estrofe!

Globo


— Profeta que vês na noite?
— Vejo o Globo, uma luz ténue que as correntes não amarram.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

GRIPE DAS AVES


sábado, 1 de dezembro de 2007

Acabo de acabar

Acabo de acabar uma vigília de oração jovem. Era para chamar o Advento.
Começámo-la mirando o sacrário e o Mundo ao lado. Um Mundo acorrentado.
Nem de propósito...

Levei três linhas da nova encíclica, para ler o que nos diz o Papa:
«Primeiro e essencial lugar de aprendizagem da esperança é a oração»
Deus está para nós quando todos estão contra nós,
ou indiferentes de nós ou deslembrados de nós ou cansados de nós,
ou...

Deus está sempre disponível.
E nós — quantas vezes! — tão cansados, moídos, distraídos dEle.

Na Vigília calamos, procuramos calar.
E reconhecer que frequentemente somos vinagre, somente vinagre;
e escuridão e indisponibilidade para acolher o mel da sua ternura,
a doçura da sua bondade.
Vem, Senhor, Jesus.

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Comecei a ler cheio de esperança

Comecei a ler com gosto a nova encíclica de Bento XVI.
Fi-lo com gosto apressado. Li pouco, estou sem tempo.
Respiguei aqui e ali e gostei. Parece ter acertado. Mais uma vez.
Tem pérolas-palavras deliciosas. Como é o caso:
«
Elemento distintivo dos cristãos é o facto de estes terem um futuro:
não é que conheçam em detalhe o que os espera,
mas sabem em termos gerais que a sua vida não acaba no vazio

Palavra de Deus

Lê a Palavra de Deus.
Se a não perceberes os demónios ouvem-na e tremem.
(Um monge)

Estai preparados

O barco está seguro no porto, mas está feito para navegar.

Alma Nostra

A Alma Nostra do Dr. Carlos Magno e o Professor Carlos Amaral Dias passou para a noite. É na Antena 1, às Terças, creio que por volta das onze. Gosto de os ouvir, o que não quer dizer que os goste de ouvir sempre. São uma boa alternativa à televisão: Falam enquanto os outros vêem televisão. (É o slogan do programa, que não se cansam de repetir.)
Ontem, entre outras coisas falaram do Professor Ratzinger. (Acordaram que ou lhe chamavam pastor alemão ou Professor Ratzinger, o que não passa duma imberbe provocação de mau gosto.)
Falaram do Papa para falar do pretenso puxão de orelhas aos Bispos portugueses. Acabaram situando a questão no comparativo com os Bispos espanhóis galardoados com as recentes beatificações dos mártires da Guerra Civil de 1936-39. É coisa sem comparação, claro. Mas não para os doutos faladores.
Sobre este assunto disseram uma série de imprecisões e até disparates. Na verdade, quer a visita Ad Limina dos bispos portugueses quer a recente cerimónia de beatificação estavam previstas há muito tempo. E a visita dos Bispos portugueses até se realizou com um atraso de 2 anos, mercê da morte de João Paulo II... Depois, a visita faz parte da vida ordinária da Igreja, e o processo de beatificação trilhara já um longo caminho. A coincidência temporal foi só isso, coincidência.
Compará-las foi um acto falhado e um erro estratégico. As palavras do Papa são mais que paternalismo ou ralhete de pastor. São o exercício do humilde serviço da caridade do último servo dos servos de Cristo. Vai muito além do puro gesto de humana de gestão.

Porta aberta


O convite está feito. A porta maior aberta. O caminho chama-nos.
Ao começarmos o último mês do ano abrimos as portas á esperança
E empreendemos a marcha para o Natal.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

É proibido pensar

Para alguns é proibido pensar, porque é mais fácil viver sem se pensar. Os outros, claro. Não assim, quem vive do Espírito. Ouça em: http://media.putfile.com/Joao-Alexandre---e-proibido-pensar.

Sentinela2

— Vejo a noite. A noite que já tem fim, como uma janela aberta ao luar.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Deus é agradecido

Deus é tão agradecido que um erguer do olhar por nos recordamos d’Ele
não fica sem paga.
(S. Teresa de Jesus)

O óbulo da viúva

Conta uma antiga lenda oriental que todo aquele que se cruzasse com o rei estava obrigado a oferecer-lhe um presente. Um dia, um pobre camponês encontrou-se com o monarca. E como não tinha nada que oferecer-lhe, tomou um pouco de água na concha da mão e ofereceu ao rei aquele simplicíssimo presente.
O rei — era um rei bom — agradado com a boa vontade daquele súbdito mandou que lhe dessem como recompensa uma escudela cheia de moedas de ouro.

Jorge Valdano

Jorge Valdano, argentino do Real Madrid, imigrou com igual elegância do futebol para a escrita. (A ver pelas crónicas que em tempos o PÚBLICO publicou.) Recordo uma crónica em que ele falava do Aaaaaahhhhhhhhhhhhhh que percorre a bancada após um lance falhado e que é um misto de censura e lamento, como o Quaresma tem merecido até ao golo de ontem.
Dizia ele que porque existe uma comunhão de almas entre o artista-jogador e o público, esse lamento (ou censura?) pode condicionar um jogador durante todo um jogo. Pode não ser verdade para todos os jogadores, mas pelos vistos nalguns é mesmo assim.
Na altura concordei com ele, porque era o mestre a falar com um saber de experiência feito. Hoje continua a concordar. E digo mesmo mais: o mesmo pode suceder com uma Missa.

De repente, a esperança

Neste Domingo tropecei três vezes — pelo menos — na esperança.
No JN o Pe Rui Osório confirma o que vínhamos esperando:
A próxima encíclica de Bento XVI — Spe salvi, salvos na esperança —
É sobre esta virtude teologal.

Denis Tillinac, escritor francês, num breve texto, escrevia:
«Cada ano eu saboreio a esperança que renasce no Natal

Num outro texto que visava a preparação do Advento, li:
«Com o Advento os cristãos são convidados a testemunhar, semear e militar a esperança

Agora que o diz...

A Antena 1 tem agendada para amanhã uma conversa biografada com Eduardo Lourenço, pensador português arrinconado em França.
É para Terça, não sei a que horas. Mas há-de valer a pena.
Em jeito de aperitivo a Estação avançou duas ou três frases. Retive uma: «Cada cem ou duzentos anos nasce um filósofo, entretanto os outros repetem-se. Eu procuro ser sério.»
Agora que o diz...

domingo, 25 de novembro de 2007

Cristo Rei

Venha a nós o vosso Reino!

Na América

Na América como nos filmes (quase) tudo é possível.

sábado, 24 de novembro de 2007

Palavras sábias

Agradeço ao bom Deus pelas bênçãos que tem concedido à minha vida,
algumas das maiores dádivas de Deus são orações não atendidas.
(Gath Brooks, Cantor norte-americano de música country)

Sentinela1

— Vejo a noite. E vejo caminhos por preparar, Veredas por alargar. Outeiros por aplanar. Vales por encher.

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Sentinela

— Vejo as ruas iluminadas. As montras engalanadas. As pessoas apressadas a preparar o Natal.

A aula maior

Arsélio Martins, 59 anos, Professar da Escola José Estevão, em Aveiro.
É o vencedor da primeira edição do Prémio Nacional de Professores.
É professor de matemática há 35 anos. É um professor espectacular,
dizem os alunos. E dizem que consegue tornar a matemática mais simples.
Não sabe por que foi estudar matemática.
Quis ser padre e a família não deixou.
Quis ser marinheiro para ser poeta. Mas não foi marinheiro.
Não foi nem bom nem mau aluno.
É um professor clássico que não quer perder nenhum aluno.
Anda um pouco confundido ou cansado com os holofotes dos media.
A sua aula maior vinha ontem no público:
«Não sou professor modelo. Ninguém me deve imitar.
Meti muita água.»

O Advento e a sentinela

O Advento está a chegar.
— Sentinela do Advento, que vês a chegar?

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Sem palavras

A história tem de continuar em palavras, porque Deus é Deus das segundas oportunidades. Vejam só, faltam quadradinhos.
















No dia de Santa Cecília

Sou cristão não por a fé cristã ser atractiva, mas por ser verdadeira.
(John Stott)

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Zaqueu

Caiu-me novamente em mãos o texto de Zaqueu.
Caiu-me nas mãos e nos olhos. Pelo menos.
E saiu-me este comentário: É no que dá meter-se com Jesus!
Vocês sabem do que falo!, como diria o outro.
Veja-se o que disse:
— «Se causei algum prejuízo a alguém,
restituirei quatro vezes mais».
A Lei ordenava restituir o dobro. Zaqueu promete restituir duas vezes o dobro do que roubara e que era exigido pela Lei.
É no que dá meter-se com Jesus!
E já antes prometera:
— «Senhor, vou dar aos pobres metade dos meus bens».
É o que eu digo:
deveria haver mais homens pequeninos no mundo a querer ver Jesus.

Um programa de vida

Não acordes
sem olhar a natureza e louvar o Criador.

Não comeces o dia
sem dizer ao coração: amar é trabalhar.

Não sorrias a ninguém
sem manifestar a Deus a tua gratidão.

Não fales ao próximo
sem intenção de ouvir o que ele diz.

Não acolhas o sofrimento
sem pousar os olhos na Cruz.

Não repares na injustiça
se uma mão cheia de perdão.

Não caias segunda vez
sem um sinal de arrependimento.

Não olhes o próximo
sem o propósito de ver nele o positivo.

Não ganhes vantagem
sem te mostrares humilde.

Não passes pelo pobre
sem uma mão cheia de generosidade.

Não olhes para quem sofre
sem um gesto de conforto.

Não adormeças
sem fazer o teu exame de consciência.

(D. Augusto César)

Ainda não é Natal

Como é costume, estão a meter-nos o Natal pelos olhos dentro.
E como o Natal é luz (É o nascimento da Luz!), então a coisa é complicada. Não vamos dormir até depois do Natal.
Eu compreendo que o comércio, especialmente o pequeno comércio, o de bairro, tenha de vender. As dificuldades e a concorrência são muitas. E compreendo que se tenha de erguer uma árvore do tamanho da Torre dos Clérigos para promover a saída do dinheiro do bolso.
O que já não compreendo é que ainda não tinha terminado o Verão — portanto, em meados de Agosto — e já havia anúncios na televisão com música natalícia. A mensagem era óbvia.
Espiritualmente ainda nem chegamos ao Advento, que é o tempo de preparação do Natal. Ainda falta mais de uma semana. Por isso, quando nos preparamos para preparar o Natal já estaremos cansados.
Está bem que o Natal seja quando Deus quiser. Mas para quê erguer vozes, luz, músicas e árvores tão altas se depois a torre fica lá e o resto desaparece?

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Quando alguém reza

«Quando alguém reza, algo muda no mundo». (S. Teresa Benedita da Cruz)

De quem é a ignorância?




O ramo de amendoeira

Não me passou ao lado a ordenação episcopal de D. António Couto. Mas por alguma razão o blog se chama depois da hora.
Não me surpreendeu a sua eleição para Bispo. Não me surpreendeu a escolha do seu lema episcopal.
Antes de ser bispo foi poeta e homem enfarinhado na Palavra de Deus.
E só pode continuar a sê-lo.
Vejo um ramo de amendoeira é um lema feliz, porque esperançoso.
A amendoeira floresce no Inverno. É quase um atrevimento só seu.
Obrigado, D. António, pelo atrevimento de nos recordar a esperança
na fragilidade duma flor nascida na invernia.
Vejo-o hoje ainda sem jeito de bispo numa fotografia duma revista. Olhando-a, dir-lhe-ei: Não queira outro jeito se não o de experimentar ver, pensar e dizer o bem, o belo e o bom.
Deus o abençoe.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Mais mas não muito mais

Mais mas não muito mais, em http://carmojovem.blogspot.com/.

Por que não vou à Missa

Conhece-se uma carta dos tempos de crise de São Rafael Kalinowski, onde ele aduz as razões para não ir à igreja. Diz: «Ninguém vai. Dos meus colegas e companheiros ninguém vai. Daqueles que são do meu estatuto social ninguém sabe o que é uma igreja. Rir-se-iam de mim se soubessem que ia à Missa. É por isso que não vou. Para que não se riam de mim, pois teria vergonha.»
É ainda hoje a razão mais válida para muitos. O escárnio.
Agora que o temos no Céu; agora que sabemos que ela bom; agora que o sabemos mais anjo que homem; agora, talvez percebamos o seu caminho. E talvez nos apressemos a percorrê-lo.
Assim queiramos, que Deus ajuda.

S. Rafael Kalinowski

É hoje dia de S. Rafael Kalinowski. É polaco. E Carmelita Descalço. No passado dia 15 cumpriram-se 100 anos da sua morte, mas celebraram-se hoje.
Dele disseram muitas coisas: que a sua vida era bela, que passou pela Terra fazendo o bem, que era mais anjo que homem. Era tudo isso. E mais.
Aos 17 anos deveria ter entrado no Noviciado dos Capuchinhos. Mas não teve coragem. Acabou perdendo a fé.
Foi capitão do exército russo, que trocou pelo da sua pátria, a Polónia. Acabou combatendo os russos. E perdendo. Condenado à morte comutaram-lhe a pena para 10 anos de degredo na Sibéria. Era quase a morte. Não morreu. Combateu-se a si até Deus vencer.
Regressado à pátria pediu para entrar no Noviciado dos Carmelitas Descalços. E entrou. Tinha 42 anos. Foi ordenado sacerdote aos 47.
Nasceu em 1835, morreu em 1907. Era hora de ir descansar. Hora merecida.

sábado, 13 de outubro de 2007

H

O fenómeno da moda são os blogues. Como não sou sociólogo não poderei dizer se vamos atrasados, adiantados ou como o costume: assim assim. Esta noite o H. mandou-me um mail informando-me do novo blog. (Entretanto, tem outro de que eu me percebi — não é difícil!, sem dele me ter falado...) O título é uma coisa parecida com Eis-me aqui. No H. não me estranhou a referência. Fui ver. Ainda não tinha começado. Havia apenas uma breve declaração de interesses. Descobri então o outro e dei uma olhada. Percebi ali que entre os garotos blogueiros da Comunidade há um jogo; tipo — como eles dizem — tipo: 7 coisas em que sou bom, 7 coisas em que sou mau..., e por aí adiante.
O H. declara que a sexta coisa em que é bom é: «Rezar». Assim só, simplesmente. Rezar. Boa, H., pensei! Boa. É boa mesmo. Não pensei encontrar tal surpresa, mas encontrei. E na pessoa do H., como já disse, nem me estranhou.
Como estamos nos dias de Santa Teresa de Jesus, nossa mãe, lembrei-me do que ela ensina sobre a oração (registo só isto o ensinamento mais curto, para não complicar): «A oração é um diálogo de amigos, estando-se muitas vezes a sós com Quem sabemos que nos ama». É isso mesmo, H., vai por esses blogues todos — e são tantos como as areias do mar! — e diz que gostas de rezar, que és mesmo bom a rezar. Oxalá todos sejam teus amigos, que quem não sabe de amigos e de amizades não sabe de oração. Pelo menos ao jeito de Teresa, claro. Vai, que haja muitos amigos na tua vida. Junta-te a eles, para que eles façam de ti um mestre da arte de rezar. Força, junta amigos que saibam rezar. E se não souberem, pelo menos que saibam de amizade. Depois será fácil rezar. Se há tantos que se juntam para dizer e fazer o mal, porque não haveríamos nós de querer o bem e lutar por ele juntamente com os amigos que ajuntamos? É por isso, H., que eu te digo: Vá, força, faz muitos amigos, escreve em todos os blogues e não tenhas vergonha de dizer — nem que seja em sexto lugar — que sabes rezar. Eu julgo que sim, pois conheço muitos dos teus amigos e o apreço que têm por ti. Ah! Só mais uma coisa e com ela termino. Depois da amizade que faz bem à oração (e ao coração) a nossa Santa Madre pedia só uma outra coisa: «Só vos peço uma coisa: que O olheis!». E é claro. E é justo. Como poderíamos gostar de rezar e de ter amigos se não incluíssemos o melhor amigo no nosso círculo de amigos? Se não gostássemos d’Ele. Ou se gostássemos sem gostar de O olhar? Sim, H., sê amigo forte de Jesus!
No fim deste breve apontamento já era outro dia. Dei outra olhada ao outro blog do H. e pude verificar que escrevera lá o Pater Noster.

sexta-feira, 27 de julho de 2007

Teresa

Quando o filme começou a ser realizado ou quando parte dele foi filmado em Tomar, recebi por email alguma informação negativa. Era sensibilização de amigos desconhecidos e zelosos convidando-me a boicotar o filme. Na perspectiva desses meus zelosos amigos, aquele era um filme que não devia ser feito, e muito menos visto. Achavam por isso, que eu deveria denunciar tal injúria e ofensa à fé e à tradição carmelitana.
No meu caso a publicidade negativa funcionou. Andei perscrutando os dias em que ele apareceria por perto. Quando apareceu pensei logo em ir vê-lo num cinema perto de mim mas não deu. Fui vê-lo longe, antes que fosse tarde ou já não pudesse vê-lo.
O filme chama-se Teresa, o corpo de Cristo. Confesso que não percebi o título, a não ser que nele se leia algo da teologia paulina segundo a qual a Igreja — todos os seus membros e também Teresa —, são corpo de Cristo. Pode ser que seja isso.
Na tarde em que fui vê-lo só estava eu na sala de 104 cadeiras! Pouco depois chegou um idoso e logo atrás um par de namorados. Éramos 4 a vê-lo!
Que retenho eu do filme?

  1. Não me pareceu um daqueles filmes clássicos. Mas enquadra bem o tempo, o espírito da Igreja espanhola e da sociedade abulense. Depois do que vi, parece-me que os espanhóis não têm medo de recordar e trazer para o presente a memória dos seus heróis. Neste caso, um religioso. A nossa Santa Madre Teresa.
  2. O filme é daqueles que se centra na personagem. Ali conta Teresa e os outros que contam só contam para definir a espessura humana e espiritual de Teresa. Jamais ali se vê a epopeia fundacional da Santa. Mas vêem-se as rochas sólidas donde se erguem as colunas que sustentarão o edifício. Assim, regozijo-me pelo filme evidenciar claramente o seu amor a Jesus Cristo e à Igreja. Só um amor assim de grande justifica que se tenha lançado a uma empresa tão enormemente desconfortável e de tantos riscos (e não só pessoais). E regozijo-me por ali ter visto o amor às suas irmãs e a uma vida simples e fraterna. Sinceramente não vi ali uma Teresa sedutora (que eu guardo na cabeça) que arrasta quase todo um convento de 200 freiras e outras para a fundação da nova Ordem. Mas vi uma mulher centrada em Cristo e senhora duma determinada determinação, capaz de quebrar antes de torcer sempre que se sabia no caminho da verdade. E regozijo-me pela teia das dúvidas que assaltavam o seu coração, que eram apenas os sintomas de querer fazer apenas o que deveria fazer: a vontade de Deus, para estar ao serviço de Deus. Essa foi a parte que eu mais gostei: Teresa querendo acertar, simplesmente acertar o caminho que Deus lhe propunha. Sem mais.
  3. Retenho aquela sociedade amordaçada pelo medo. E os que mais presos estavam eram os que primeiro são convidados a libertar: a Igreja, os sacerdotes, as Ordens religiosas. E a contrastar com todo aquele medo «havia um coração onde reinava o amor». Era o de Teresa. Concerteza haveria outros, mas o filme era dela. Não é que ela não tivesse medo pois o tinha, mas o amor suplantava tudo. Até o medo. Por isso, de futuro rezarei assim: onde houver medo, Senhor, fazei que eu semeie o amor.
  4. E retenho a consciência cada vez mais forte de que não somos nós que nos fazemos. Mas que os outros, os irmãos e irmãs, o contexto social e religioso, os acontecimentos e a Graça, as circunstâncias e o eterno é que nos constroem, nos moldam, nos arrancam do chão. Somos filhos antes de sermos pais. Somos semente antes de sermos semeadores. E ai das sementes cujo terreno em que são lançadas não é fofo, mas hostil; não é fresco, mas fora de prazo; não é arejado, mas bafiento! É desse negro humús espiritual e social que emerge a figura fantástica de Teresa. Se semearam muitos espinhos e muita erva daninha à volta do campo donde brotou, também por perto cresceram amigos que a cuidaram, mãos que a abraçaram, corações que com ela se enlevaram, esperanças que com ela se esperançaram, luzes claras que a iluminaram, livros que a leram.

A meio do filme a rapariga saiu e voltou 45 minutos depois. O velho ressonou e eu recebi uma chamada informando-me dum funeral. Quando o sino de São José informou Ávila da nova fundação as luzes acenderam-se. E subiram os créditos. Só então reparei que a rapariga também tinha adormecido e o rapaz não a queria acordar. Aproximei-me e perguntei: «Desculpe a intromissão, mas por que vieram ver este filme?». «Porque era um filme!», respondeu-me o rapaz. Já não me atrevi a perguntar ao idoso. Foi ele que me veio informar: «Porque sou religioso e o filme fala de religião». Pois. Éramos poucos e pariu la abuela!
Ainda assim, houvesse mais heróis de hoje com coragem para rememorar os do passado e não andaríamos tão ensonados nem tão perdidos.

terça-feira, 3 de julho de 2007

Duas pessoas

Eu não conheço Beth Ditto. Em boa verdade nunca me foi apresentada, como diria o outro. É cantora. Creio que as canções que canta não frequentam a rádio por onde por vezes me perco. E defende valores que não são os meus, com os quais eu não sintonizo. É por isso que conhecê-la ou não (ou à sua música) me é igual. O mesmo será para ela.
Mas, pronto. A imprensa fala dela e eu sei que a senhora existe, que é uma mulher ácida, que, dir-se-ia, é daquelas que morde a mão que lhe dá o pão. É isso. É uma mulher tão crítica que não se inibe de criticar o seu público, aquele que lhe compra os discos e vai aos seus concertos. Ela é uma mulher que sabe quem é (e sempre o soube). Ela não muda, o mundo à sua volta é que muda ou tem de mudar. Por isso quando actua em concertos está tão segura de si que não se preocupem que não gostem da sua música e da sua performance. É descarada a mulher: «Não me incomoda assim tanto que as pessoas pareçam entediadas. Toco para as duas pessoas na multidão que estão a divertir-se e a prestar atenção.»
Ora aí está uma mulher de convicções. Se houver duas pessoas que gostem, ela canta para elas. O resto se a desprezar, será desprezado por ela.
Viremos isto como me convém. Pergunto-me quantos de nós, na nossa banda, temos disponibilidade e carinho pelo nosso público para tocar para esses dois que permanecem atentos. Confesso que desanimo face ao tédio, ao desinteresse, à falta de garra dos meus públicos. E em boa verdade, costume ter mais que dois ou três animados e interessados.
Se alguma vez Miss Ditto me for apresentada eu vou agradecer-lhe esta lição de vida. Afinal de contas eu tenho melhor mensagem que a dela, mas por vezes não tenho a garra e o convencimento dela.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Nadir

O senhor Nadir tem quase 90 anos e um cara de menino, de menino traquina, apesar da barbinha que ostenta. Ele que me perdoe se a afirmação não é um elogio. Mas aqueles olhitos e a cara miúda falam-me dum catraio extasiado com uma tarde de Verão, sem escola e passeada (ou saltada, ou saltibancada) ao ar livre.
É a segunda ou terceira vez que ouço falar dele. A primeira foi num documentário do Canal 2 em que vi uma tela muito enigmática e geométrica que afinal, depois de lhe ser sobreposta uma fotografia, mais não era que uma praça de Lisboa.
Fiquei curioso com o homem.
Agora está na Galeria do Jornal de Notícias e talvez eu passe por lá. Talvez para decifrar a sua pintura tivesse que conhecer a sua geografia e a peregrinação da sua vida. Mas irei só para ver pedaços de cidades que o não são, que são simples telas. Embora mais que telas pintadas, claro.
No JN de 29 de Junho vinha uma entrevista sua. Retiro duas coisas: uma, o nome Nadir foi sugerido ao pai — que ia a caminho do Registo Civil; outros tempos! Outros tempos! — por um amigo cigano. Duas, a sua pintura não é tanto de inspiração mas fruto do trabalho persistente, aturado, sujo, reclamado, insistido, cuidado. Nã, nada disso. Os pintores não pintam de smoking. «Rebolam muito pelo chão», até deveriam ter um espaço «onde poderiam ir agonizando» à espera de melhores dias, de melhores soluções. Diz ele.
O homem leva esta coisa do trabalho tão a peito que, considera, jamais um quadro está terminado.
Eu estou mesmo a vê-lo com formigas nos dedos, quando vê o quadro antigo seu. A vê-lo cheio de imperfeições a exigirem um retoque, uma melhoria, um aperfeiçoamento. Sim, estou mesmo a ver o ciganito — que me perdoe o mestre! — reguila, atrevido, irrequieto, entrando pela casa dum amigo e logo preso a um quadro seu. E a dizer: «Humm! Estas linhas deveriam ser prolongadas, estes contrastes avivados». E, então, fazendo juz à viveza do raciocínio e do olhar juvenil, ele rapa da algibeira um pincel sempre pronto e conclui por ora — só por ora, claro! — a tela inacabada. Que inacabada fica.
Espantosa ideia a do mestre inacabado. Como deve sofrer só por que tem que vender coisas inacabadas, que lhe fogem do alcance e do remate final.
Sim. Pego agora na ideia e viro-a para mim. E dou comigo a ler-me os pensamentos. É isto mesmo que somos, telas inacabadas pelo Criador. Histórias sem fim à vista. Histórias com fim previsto e escrito, mas prolongando-se sempre para mais além do além que nos tocou viver.
É bem verdade. Somos inacabados, nada é ainda perfeito em nós. Ai de nós se a Graça do Mestre Ciganito — perdoe-se-me a ousadia, meu Deus! — não nos for trabalhando, completando, aperfeiçoando. Sim, meu Deus. É bem verdade. As tuas mãos não param desde o início da criação. Não param de me moldar, de moldar o meu barro tosco, o meu barro seco, áspero, resistente, bruto.
Visita-me, Senhor. Entra, por favor em minha casa. Contempla a minha vida, vê o quadro das minhas imperfeições e inacabamentos, repara como estropiei o que me entregaste. Traz um pouco de água que amacie o meu barro, que inunde as minhas resistências, que afogue os meus defeitos. Que afague as minhas feridas. Afaga-me com os teus dedos, completa-me um pouco mais.
Não te canses, Senhor.

quinta-feira, 10 de maio de 2007

Carta a minha mãe

Esta é a minha carta do Dia da Mãe.
Uma mãe perdoa que lhe chegue tardia,
e compreende que seja divulgada.

Aveiro, 03 de Maio de 2007

Querida Mãe,
saúdo-te neste dia com um grande beijo, daqueles que aprendi a dar contigo.
Neste dia da Mãe assaltam-me recordações que são agradecimentos, e que eu quero recordar para em ti louvar o Senhor. Lembro-me bem que quando era muito pequenino tu tinhas uma espécie de varinha mágica com solução para tudo. Vinha uma dor e tu vinhas prontamente amainá-la; vinha uma febre e tu a serenavas; caíamos, fazíamos uma esfoladela nos joelhos e lá vinhas com um pedaço de algodão molhado em alguma solução milagrosa (ou eram simples lágrimas tuas, não sei) que tudo remediava. Assim até apetecia cair de propósito...
Sabes quando se é pequenino tem-se medo de tudo, menos junto da mãe. Junto dela desaparece o medo do escuro, dos lobos e do vento da serra, das trovoadas e das guerras que não sabemos o que são mas ouvimos falar com medo delas. Sim, junto da mãe não temos medo, se ela não tem medo. Até mesmo do dentista e do homem que pela primeira vez, à beira rio, me cortou os caracóis do cabelo.
Nas dores grandes aparecias, mãe, com os primeiros socorros e umas mãos fortes que cuidavam de mim antes de me confiares a alguém vestido de branco, que rematava os primeiros cuidados. Nas dores leves aparecias com um beijo e uma voz dizendo que não era nada, nada, nada mesmo. E é que tudo passava, porque, como bem sabias, não era mesmo nada.
Os teus joelhos eram fortes. E no teu colo, antes de crescermos, coubemos todos duma só vez. O teu colo foi o meu primeiro banco da igreja. Aí aprendi o Sinal da Cruz, a Avé Maria, o Anjo da Guarda, o Pai Nosso, o Terço, o Credo, a gostar do Sacrário. Ainda te lembras da minha definição de Santíssima Trindade: São três Pessoas, Pai, Filho e Mãe!!! Lembras-te, não lembras?
Quando comecei a crescer e a sonhar, disseste-me que não havia que ter medo dos sonhos. E que para além dos sonhos comuns existiam outros que Deus ternamente vai semeando em nosso coração. Foi assim que fui crescendo, cada vez mais longe do teu colo, contornando os desafios do desconhecido, vencendo os escolhos perigosos da tristeza por estar longe de ti. Sim. Jamais tive abraços e beijos tão doces como os teus, sobretudo se andava triste. Jamais tive voz tão convicta a recordar-me as minhas responsabilidades e a obrigação do meu contributo. E tudo isso sem estudares os grandes psicólogos de referência!
Cresci. Já não sou mais um menino, embora seja ainda o teu menino. Cresci e comigo cresceram as responsabilidades, aumentaram as obrigações. Já não tenho tanto tempo assim para ti, mas sei que o tens para mim. As distâncias afastaram-nos, mas não separaram de vez os corações. Os sonhos continuam a brotar, a agenda a mandar, os compromissos a exigir. Sei que compreendes que a distância nos une, que não afasta nem abre trincheiras. Essa compreensão é outra maneira de as mães amarem os filhos, estimulando-os para a independência, rezando por eles, telefonando de quando em vez para se consolar com uns minutos de voz apressada.
Hoje, mãe, no dia da Mãe, quero agradecer-te tudo (e ao pai também). És a mulher mais sábia que conheci. (Tal como eu, tu sabes que nesta carta disse quase nada sobre ti!). És uma mulher que infinito algum te assustou, que tempestade alguma te abateu de vez. A isso chama-se ser uma mulher de garra. Talvez garra não seja nome de mulher, mas bem poderia ser de ti, mãe. Como mãe. Como mulher.
Neste Dia da Mãe quero agradecer-te tudo, mãe. O feito e o por fazer contigo. E com os meus irmãos agradecer-te, e bendizer-nos a nós também por termos sido abençoados por ti, minha mãe.
Recebe um beijo do teu filho,

João Manuel

quarta-feira, 25 de abril de 2007

As brasas

É no que dá ir pescar. Refiro-me ao Evangelho do domingo passado.
Passados os dias do primeiro espanto sobre a Ressurreição os discípulos foram pescar. Com Pedro ao timão. Em boa verdade, creio, ainda atarantados. Conhecedores da arte pareciam-se mais a marinheiros de água doce.
Não pescaram nada.
Na praia um desconhecido manda que pesquem para outro lado. (Mas não haviam já tentado também aquele? ). E enquanto lançam as redes a praia vai-se aquecendo porque brasas aali se acenderam. E há também um peixe saboroso pronto a ser repartido.
Ah, as brasas!
Como falta, por vezes, o calor nas igrejas e nas orlas das nossas comunidades. Calor humano que aqueça, calor ainda desconhecido que alente desanimados. Calor que aconchegue os cansados. Calor que retempere da labuta.
O Desconhecido, o Senhor, sabe que não há pesca sem brasas no fim. Não há missão sem brasas!

sexta-feira, 30 de março de 2007

Para o Domingo de Ramos

Hoje, Cristo entra na cidade dos nossos corações
e encontra-os preocupados e ocupados com desesperanças várias
que não ajudam a viver a alegria de Filhos de Deus.

Hoje, Cristo cruza o pórtico da nossa vida
para que entendamos que o seu Lado descampado e aberto
é uma fonte que brotará abundantemente para nós.

Hoje, Domingo de Ramos, começa a semana mais santa dos cristãos.
Nela sucedem os mistérios da paixão e morte do Senhor
que tiveram início com a sua entrada em Jerusalém.

Hoje entra em glória,
Sexta-feira sairá dos seus muros escorrendo sangue.

Hoje entra montado num burrinho,
Sexta-feira sairá carregando uma pesada cruz.

Hoje abre caminho consciente de que o pecado se esconde nos cânticos de vitória,
Sexta-feira sairá depois de pagar tributo aos que lhe disseram que sim,
mas que agora fazem de conta que se esqueceram.

Hoje desfila por entre cânticos e louvores,
Sexta-feira subirá ao Monte Calvário debaixo de insultos e escârnios
daqueles corações duros e implacáveis.

Hoje as nossas palmas dizem que queremos beber da taça da sua vitória,
Sexta-feira assustar-nos-emos com a sua horrível condenação
e o peso da injustiça da cruz:
por essa razão virá um Cireneu para O ajudar.

segunda-feira, 26 de março de 2007

O olhar e as mãos

Como os olhos dos escravos se fixam nas mãos dos seus senhores
e os da escrava nas mãos da sua senhora,
assim os nossos olhos se fixam no Senhor, nosso Deus,
porque d'Ele esperamos a misericórdia.

(Salmo 123)

Como Maria, a Virgem Mãe, o meu olhar se fixe nas vossas mãos, Senhor,
para que nos dias de indigência não nos falte o Pão,
o ruído se acalme à entrada da tenda da Palavra,
porque perseguidos esperamos a Consolação.

Sim, o nosso olhar está nas vossas mãos.
E a nossa vida está nas vossas mãos.

Em nosso olhar a fome e a confiança, em vossas mãos a fartura e a dádiva.


Sim, vós encheis as mãos humanas da Realidade excessiva:
Maria, primeiro em seu seio, depois em suas mãos,
acolheu o excesso que Lhe entregas-te:
o vosso Filho com sabor a pão
e que nós cobrimos de beijos que nos saciam.

domingo, 25 de março de 2007

Não há outro olhar como o teu

Não há outro olhar como o teu.
Um olhar que sempre diga:
Tu existes para mim
e eu amo-te assim,
assim como és.
Lava o meu olhar, Senhor.
Desvincula-o de toda a pressa pela posse.
Desarma-o de todas as pedras.
Dá-me um olhar de mãos vazias.

sábado, 24 de março de 2007

Uma questão de olhares

Do lascívo ao simples, do orgulhoso ao paternal as cambiantes do olhar são imensas. Não há olhares iguais, todos são diferentes. E o eixo da questão está na intencionalidade. Ou na falta dela. Há, pois, olhares e olhares.
É disso que fala este Domingo V da Quaresma. Dos olhares. Dos que matam em nome de Deus. E do olhar de Deus que, no fim de contas, dá a vida. O olhar de Deus é amar, diz S. João da Cruz. Quer dizer: dá vida, recria, reanima.
Assim como a fé entra pelo ouvido, a caridade entra pelo olhar. Não tenho dúvidas. Está tudo à vista: ou se tem mãos vazias ou cheias de pedras. O segredo está no olhar, porque é o olhar que nos enche.
Dizia Simone Weil que «uma das verdades fundamentais do Cristianismo, embora muito esquecida, é esta: o que salva é o olhar». Sim, é verdade. O que salva ou o que mata é o olhar. Por alguma razão, vejo-o nos filmes, os assassinos não olham as vítimas. E menos ainda os olham olhos nos olhos. Alguma razão hão-de ter.

sexta-feira, 23 de março de 2007

Meninos

Dizem os jornais que o Daniel Carvalho, a Catarina, a Vanessa, a Fátima L., a Joana, o Yuri e a Angelina e agora a Sara morreram. As características comuns a estas mortes são o tratar-se de crianças de tenra idade, desprotegidas e em famílias de risco. As suas mortes foram cruéis. Foram vítimas de maus tratos. Maus tratos, não. Simplesmente sem tratos, porque as crianças ou se cuidam como é seu direito, isto é, ou as cuidamos, acarinhamos, acalentamos e lhes espantamos medos, fantasmas e frios, ou tudo o resto não é trato nenhum. É tortura. Tortura em país civilizado, crescido, adulto, higiénico, laico, europeu e do século vinte e um!
Vejo mais uma vez as suas caritas no Correio da Manhã. São caras reguilas, irrequietas, inquiridoras. São caras de crianças, enfim. A Joana, de oito anos, faz lembrar uma mulherzinha. Uma mulherzinha por antecipação, daquelas que se ocupam da casa, da mãe, dos seus desvarios, do deve e haver da família, do futuro, e até do porvir truncado. Ao que dizem e talvez seja o mais certo, jaz agora na barriga dum porco! Meu Deus, que horrível! Ela que costumava ocupar-se das comidas da família foi comida por quem nasceu para ser sua refeição!
Como tão facilmente as coisas se transtrocam!
É por isso que eu vou pela rua, às vezes devagarinho, a rezar. Vejo meninos pela mão e nos carrinhos e nem sempre aconchegados pelo melhor dos carinhos. Vou por ali, vou por acolá. E vejo meninos e vejo futuros, vejo doutores, presidentes e calceteiros. E talvez alguns não cheguem muito além. E talvez alguns morram não sei onde. E talvez a barbárie imponha a sua lei crua e morra mais algum indignamente. Olho, vejo. Há meninos que nos sorriem, que nos espevitam as janelas da esperança como semáforos verdes que nos convidam a passar. E eu pergunto interrogando-me: qual será o próximo que morre? Qual é o próximo a acabar na barriga dum porco, ou pior?
É por isso que quando me cruzo com eles, mais que com as suas mães, pais ou avós, eu me dirijo a eles. Penso neles, olho-os se possível. E rezo por eles, abençoo-os. Sim. Talvez aquele menino ou menina seja muçulmano, árabe, ateu ou agnóstico. (Sim, que cada um começa por ser o que os seus pais forem.) Talvez não seja nada daquilo que eu sou e acredito. Mas é um menino, é uma menina. Uma criança, o futuro. E então eu os abençoo em nome do Menino Jesus de Praga e lhos consagro e ofereço. São dele. Ninguém mo pode impedir. Abençoo-os todos no meu olhar, na minha oração silenciosa. Todos os meninos que eu vejo eu Lhos dou, em seu Nome os abençoo. Eu lhes dou Salvação. Eu lhes dou Jesus em forma de benção, a fim de que porco algum lhes faça mal.

Amen.