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quinta-feira, 28 de março de 2013

Notas de Roda-pé



Deus
Ouço dizer que uma revista colocou na capa o seguinte: «liga a televisão, vais precisar de Deus!». Não é da minha memória porque não o vivi; mas é da minha memória porque li e ouvi falar muito sobre isso. E ouvi que o século vinte viveu sinceras tentativas de arquivar Deus. Uns remetiam-nO para a pasta dos casos sem solução; outros para os assuntos ‘top secret’; outros para a secção dos perdidos e achados. E como o século vinte e um é filho do anterior não admira que este tenha aprendido daquele. O que admira, e admira a muitos, é que, apesar de tudo, Deus acabe por entrar por uma das janelas que mais ajudou a arquivá-lO: a televisão!
Parece que, ultimamente, nenhum outro fenómeno como o de 11 de Setembro, em NY, levou tanta gente às igrejas e os reencaminhou pelos caminhos de Deus! E não foi só em NY, mas porque o fenómeno teve repercursões mundiais o reflexo foi também mundial.
S. João da Cruz diz que Deus não deixa uma prece sem resposta, um problema sem solução. E dá um exemplo. Imaginai, diz, que alguém reza pedindo: Senhor, livrai-me dos meus inimigos. E continua: imaginai que fugindo dos seus inimigos esse que assim reza cai nas mãos dos seus temíveis inimigos e estes lhe dão a morte. Que diremos? Muitos dirão que as suas preces não foram atentidas. O que não é verdade, porque, de facto, esse que morreu às mãos dos seus inimigos se encontra agora fora do alcance das suas mãos, e, por isso, livre dos seus inimigos. Assim é Deus nos seus/nossos negócios!
Se, pois, ligardes a televisão — diz a revista — ireis precisar de Deus. Eis que Ele entra suscitado por um dos inimigos que mais O combateu. As muitas tentativas de O arquivar e afastar surtiram efeito contrário: aproximaram-nO e provocam em nós fome dEle.

Centros comerciais
São espantosas as romarias e as procissões que em dias de Domingo se fazem pelos centros comerciais. Há profetas que dizem que a tendência se inverterá. Por uma razão muito simples: nada ali preenche o vazio que o 11 de Setembro tragicamente desvelou em nós. São locais de ausência, e a fome não se mata com fome. O mesmo é dizer que o vazio não enche, enche-se. O regresso às igrejas recorda-nos — a nós que navegamos desde esta margem — que ali há Presença. Presença misteriosa, silenciosa, libertadora, acolhedora.

Todos os dias
É quando a festa vai acabando que mais se vai ouvindo o refrão: Natal é todos os dias. Creio mesmo que quem mais o afirma mais falha. É como naquelas histórias do tempo de garotos que terminam com juras. E quem mais jura mais mente, dizíamos.
Sinceramente aquilo que vejo — e vejo olhando desde a minha margem —, Natal não é todos os dias. Infelizmente, mas não é. O que até é bom para o marketing que vende a marca Natal.
E a prova aí está. Outubro ainda não terminou e, na rádio, já ouço anúncios de Natal. Um jornal para vender mais oferece postais de Natal. Não será por essa razão que haverá mais Natal, nem será por essa razão que o Natal é todos os dias. O jornal venderá mais, estou certo. Porque também é certo que o Natal já não é nosso, pelo que aquilo que as boas vontades não realizam é alcançado pela força do dinheiro. Se não conseguimos fazer Natal todos os dias o dinheiro impõe o Natal cada vez mais cedo. Não é mais Natal, nem melhor Natal; mas para nós é cada vez maior a obrigação de sermos Natal.

B. Frei Bartolomeu dos Mártires
Bartolomeu nasceu em 1514, em Lisboa, e na pia baptismal deram-lhe o nome de Bartolomeu do Vale, nome que aos 15 anos trocou por Frei Bartolomeu dos Mártires ao consagrar-se como frade dominicano. Na idade madura era um dos grandes intelectuais europeus, e aos 45 anos foi eleito Arcebispo de Braga. Participou no concílio de Trento que influenciou decisivamente. Foi mentor e mestre do bispo de Milão, S. Carlos Borromeu que se reconhecia discípulo do Arcebispo Santo. Morreu em Viana do Castelo em 1590. E foi no dia do seu discípulo, 4 de Novembro, em Roma, que o Arcebispo Santo, Frei Bartolomeu dos Mártires foi proclamado Bem-aventurado (Beato) pelo Papa João Paulo II. Em Braga, entre os pobres, foi pobre e humilde; em Roma, entre os bispos, foi grande e profeta. A sua voz profética escandalizou, em plena aula conciliar, o papa e os cardeais ao afirmar: «Os ilustríssimos e reverendíssimos cardeais estão a precisar de uma ilustríssima e reverendíssima reforma»!

Simplicidade
Felizmente Frei Bartolomeu dos Mártires tem seguidores e herdeiros. Ainda hoje. No recém-encerrado Sínodo dos Bispos que decorreu em Roma, uma voz se levantou sugerindo — e até pedindo — mais simplicidade de vida aos bispos da Igreja. Foi o bispo equatoriano D. Victor Alejandro Corral Mantilla. Nas suas palavras o bispo equatoriano entendia «que a pobreza evangélica implicaria a renúncia aos títulos de monsenhor, excelência, eminência; e que os bispos se chamassem simplesmente padres (pais)». Ao concluir o Cardeal presidente respondeu: «muito obrigado, excelência!», ao que, ironicamente, o primeiro respondeu: «não tem de quê, eminência!».

1’ de sabedoria
Perguntaram ao mestre: - Como posso chegar a ser um grande homem como o senhor?
O mestre respondeu: - Porque razão deseja ser um grande homem se ser homem já é ser grande?  

[5 Novembro de 2001]

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