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quarta-feira, 24 de julho de 2013

Notas de Roda-pé


Milagres
Os tempos vão difíceis. Os mares agitam-se. À nossa frente cavam-se vagas sobre vagas. Os abismos parecem comer-nos. O que não se ouve publicamente sussurra-se na intimidade, e traga-se no combate diário da rua. O dinheiro não chega, a contenção não estica, as dívidas crescem. O trabalho é para quem o trabalha, e esses — quase todos — vêm de fora; os empregos são para nós. O colega da secretária ao lado tosse, o outro reclama, o terceiro rezinga, o quarto barafusta por tudo e por nada (mais por nada), o do Sindicato dormita e nada vê (é o que me dizem, que eu não sou do Sindicato). O patrão quer o que é seu, liquidez. E verdadeiramente ainda não chegou o Inverno que sempre traz frios, humidades, chuvas, narizes vermelhos e entupidos, olhos inchados, cabeças a estoirar.
No meio de tudo isto a fé deveria serenar-nos, acalmar-nos as tempestades e os vendavais repentinos das iras e dos sonhos impossíveis. Deveria fortalecer-nos e robustecer-nos. Mas parece que agora já não se transmite nem se ensina paciência, mas exigência crua e o exercício do direito a rabiscar no Livro de Reclamações. Mesmo sem razão. Está bem de ver que os que têm fé seguem o caminho mais difícil, mais demarcado, mais exigente. E vemos como os outros. E sofremos como os outros. Na verdade, não se pode ter fé e ser-se depois bandoleiro e rezingão impenitente. A vida vai difícil para todos, até para quem não tem fé. Por isso, vamos pelo caminho da paciência, da confiança. E da esperança: procuremos ir sempre de bem para melhor.
Frequentemente os tempos difíceis empurram-nos para extremos, por um de dois caminhos: ou pelo da impaciência infértil, ou pelo da depressão inconsequente. E quando os sonhos de chumbo nos caem na cabeça, que fazer? E quando batemos contra o muro da realidade, que reclamar? Às vezes, quase sempre, reclama-se por milagre. Até os mais impenitentes dos não-crentes acabam reclamando-o . Estão no seu direito. Mas é nestas alturas que devemos fazer falar os sábios. O primeiro chama-se Gath Brooks e aparece cheio de razão nas últimas linhas deste texto. O segundo chama-se Einstein, e pelos vistos sabia mais coisas para além de ciência. Dizia: «Há duas maneiras de viver a vida; uma é como se nada fosse milagre, outra é como se tudo fosse milagre. Eu acredito no último.». Não podemos parar de acreditar. Porém, eu prefiro mais o que ensinava São João da Cruz: «É preferível sofrer por Cristo, que fazer milagres». Fazer, ou pedir. Ou já agora, declarar que tudo é milagre. Amar o que Ele amou; amar como Ele amou. Este continua a ser o nosso programa de vida. E não é por só olharmos para o céu que se vêm os milagres na terra. Ou, melhor dito: Não é olhando só para Ele que vemos os muitos milagres por fazer na vida de tantos pequeninos!

Sete coisas

O fenómeno da moda são os blogues. Como não sou sociólogo não poderei dizer se vamos atrasados, adiantados ou como o costume: assim assim. Esta noite o H. mandou-me um mail informando-me do seu novo blog. (Entretanto, tem outro de que eu me percebi sem dele me ter falado...) O título é uma coisa parecida com Eis-me aqui. No H. não me estranhou a referência. Fui ver. Ainda não tinha começado. Havia apenas uma breve declaração de interesses. Descobri então o outro e dei uma olhada. Percebi ali que entre os garotos blogueiros da Comunidade há um jogo; tipo — como eles dizem — tipo: 7 coisas em que sou bom, 7 coisas em que sou mau..., e por aí adiante.
O H. declara que a sexta coisa em que é bom é: «Rezar». Assim só, simplesmente. Rezar. Boa, H., pensei! Boa. É boa mesmo. Não pensei encontrar tal surpresa, mas encontrei. E na pessoa do H., como já disse, nem me estranhou.
Como estamos nos dias de Santa Teresa de Jesus, nossa mãe, lembrei-me do que ela ensina sobre a oração (registo só isto o ensinamento mais curto, para não complicar): «A oração é um diálogo de amigos, estando-se muitas vezes a sós com Quem sabemos que nos ama». É isso mesmo, H., vai por esses blogues todos — e são tantos como as areias do mar! — e diz que gostas de rezar, que és mesmo bom a rezar. Oxalá todos sejam teus amigos, que quem não sabe de amigos e de amizades não sabe de oração. Pelo menos ao jeito de Teresa, claro. Vai, que haja muitos amigos na tua vida. Junta-te a eles, para que eles façam de ti um mestre da arte de rezar. Força, junta amigos que saibam rezar. E se não souberem, pelo menos que saibam de amizade. Depois será fácil rezar. Se há tantos que se juntam para dizer e fazer o mal, por que não haveríamos nós de querer o bem e lutar por ele juntamente com os amigos que ajuntamos? É por isso, H., que eu te digo: Vá, força, faz muitos amigos, escreve em todos os blogues e não tenhas vergonha de dizer — nem que seja em sexto lugar — que sabes rezar. Eu julgo que sim, que é fácil, pois conheço muitos dos teus amigos e o apreço que têm por ti. Ah! Só mais uma coisa e com ela termino. Depois da amizade que faz bem à oração (e ao coração) a nossa Santa Madre pedia só uma outra coisa: «Só vos peço uma coisa: que O olheis!». E é claro. E é justo. Como poderíamos gostar de rezar e de ter amigos se não incluíssemos o melhor Amigo no nosso círculo de amigos? Se não gostássemos d’Ele. Ou se gostássemos sem gostar de O olhar? Sim, H., sê amigo forte de Jesus! E olha-O!
(Quando acabei de escrever este breve apontamento já era outro dia. Dei outra olhada ao outro blog do H. e pude verificar que escrevera lá o Pater Noster.)

Máxima

Agradeço ao bom Deus pelas bênçãos que tem concedido à minha vida, algumas das maiores dádivas de Deus são orações não atendidas. (Gath Brooks, Cantor norte-americano de música country)

Mínima


Tudo o que é verdadeiro, venha donde vier, procede do Espírito Santo. (S. Tomás de Aquino)

[19 de Novembro de 2007]

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