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sexta-feira, 12 de julho de 2013

Notas de Roda-pé


Sinos
O meu amigo Padre Moura, Pároco de Sanguedo, Vila da Feira, é um homem curioso. Digo-o porque o conheço já de outras curiosas andanças. O Padre Moura decidiu referendar a compra de um carrilhão de 23 sinos para a Paróquia. O Povo reunido em assembleia, julgo que a eucarística mas não tenho a certeza, mostraria um de dois cartões ao assunto, o verde ou o vermelho, e a decisão seria tomada.
Creio que tão litúrgico referendo já teve lugar. Se teve não sei o resultado. Para mim basta que o tema e o referendo tenham sido propostos. E tê-lo sido num tempo nada meigo para com os sinos.
Nos tempos passados em que éramos mais rurais, as comunidades orientavam-se pelos toques e sinais dos sinos. Hoje não. Não precisamos de sinos para saber as horas. Hoje temos aparelhinhos e aparelhómetros vários para medir o tempo, embora nem por isso andemos mais a horas! E talvez por isso haja mais problemas e implicações com os sinos das igrejas. Pois. Não sei. São os sinais dos tempos, embora o que parece é que passaram os tempos de ouvir e entender a voz dos sinos.
Cada sino tem uma voz só sua e uma mensagem só sua. Sei disso, porque dos três sinos da minha igreja dois (os mais novos e que eu ajudei a fazer) estão baptizados e têm neles inscritas as mensagens de anúncio, chamamento, escarmento e exorcismo do Inimigo que espalham quando os fazemos soar.
Por tudo isto não me espantam os problemas que parte das populações das comunidades erguem aos sinos. (A parte mais recente e menos enraizada na comunidade é sempre aquela que levanta a guerra aos sinos!) Nuns casos roubam-nos, noutros insurgem-se. Invectivam-nos, querem-nos calados em nome da democracia, do silêncio e do descanso. Foi isso que se viu em São Martinho de Bornes de Aguiar, em Oliveira do Bairro e na Tocha. E noutros lugares também. Aos que querem e aos que não querem os sinos, a uns e outros percebo-os bem. Percebo as razões, a maioria nascidas do desconhecimento. E também percebo e aprecio a frontalidade de José Pacheco Pereira, no seu blog Abrupto. Escreveu o pensador: «Os sinos não morrem. Um dos mais antigos media soa aqui ao lado: o sino da igreja. Ontem anunciou um evento, tocando a finados; hoje anuncia outro, tocando para a missa. O sino informa e, embora o seu toque já seja automatizado, carrega-se num botão e toca, continua a ser o velho sino de sempre. Alguns sinos têm o software inscrito no hardware: “Laudo Deum verum plebem voco congrego clerum, Defunctus plorom nimbum fugo, festa decoro.” Alguns media não morrem tão depressa como se julga. Este sobreviveu ao telex.»
Gostei da lucidez de JPP, mas já m’arreganho e m’aspanto com a falta dela no povo português. Que dirão eles quando Portugal for enxameado por mesquitas donde — com o devido respeito — as roncas zurram suras do Corão, de hora em hora? Julgam que se as mandarem calar se calarão tão pacíficas como se calam os nossos velhos sinos? Não creiam, não creiam. Não creiam. Porém, dias virão.


Fraterna
Há na vida coisas inesperadas. Há dias, folheando uma revista espanhola de actualidade católica, apercebi-me que um título estava incompleto. Nunca tal me acontecera. Por isso recusei-me a continuar a ler, porque quero comentar o sucedido sem ler o noticiado.
Então vamos lá. O título em causa era: «A paróquia do futuro deve ser mais acolhedora e». Como disse o título estava incompleto. Que faltaria ali? E comecei a pensar de mim para mim em adjectivos que se pudessem aplicar à comunidade paroquial de hoje. E o complemento em falta poderia ser: mais simpática, mais atraente, dialogante, fraterna, mística, carismática...
Poderia ser muitas outras coisas, poderiam ser muitos os adjectivos em falta. Nos dias de hoje caberiam ali muitos outros que descrevessem os desafios postos à paróquia actual.
Sim, eu reconheço que a vida paroquial poderia ser mais simpática. Quantas vezes só vemos ali funcionários e apenas funcionários, cada um mais carrancudo que o outro, mais interessados em complicar que em ajudar e servir? A começar pelos padres, como eu!
Reconheço que poderia ser mais atraente. A Igreja guarda tesouros e linguagens dentro de si que poucos entendem. Não são muitos que percebem os códigos das cores e dos ritos, dos gestos e dos ditos. Falta talvez alguma leveza sem quebrar a tradição; algum arejamento sem que uma revoada de vento nos leve os papéis do guião.
Reconheço que poderia ser mais dialogante. Somos minoritários. Assumo-o sem medo. Os católicos somos minoritários. Digo os católicos católicos, pois julgo que não se deva contar os católicos não-praticantes. Porém não os desprezo, amo-os, acolho-os e sirvo-os. A Igreja (muito para além do grande grupo dos não-praticantes!) está cada vez mais esfrangalhada em tribos e correntes, movimentos e tendências. Estamos a perder a plataforma de entendimento e de diálogo, temos dificuldade em falar a mesma língua. Em conseguir entender-nos. Os grupos são tantos e tão diferenciados que é um desafio hercúleo este que se põe à paróquia actual! (E nem falar da obrigação de ter de dialogar para fora do círculo da fé, e da fé cristã!).
Reconheço que poderia ser mais fraterna. Isto é, mais capaz de acolher a todos como irmãos, sem olhar a diferenças, sem reparar na cor das condutas, mas nas necessidades, nas feridas e debilidades. Tenho algumas dúvidas que todos os que entram pela porta da igreja se sintam irmãos, que haja sentimentos de mutualidade. Tenho dúvidas, que a verdadeira fraternidade seja vivida. É talvez uma miragem e um desafio permanente.
Reconheço que poderia ser mais mística. Sim, falta ainda à Igreja e a cada um o fazer experiência do Senhor Ressuscitado. Cumprimos os ritos e isso é bom; executamos frequências mais ou menos corporativas, mais ou menos de bairro. Mas temo que nos fiquemos muito pelas ramas, que sejamos como a chuva de verão: chove e logo seca, sem chegar a assentar o pó e sem lavar. Faltará muito para que a paróquia saiba pôr-se a caminho, seja de Damasco, Emaús, ou para «onde Eu te indicar»?
Reconheço que poderia ser mais carismática, mais corajosa e alegre, mais dinâmica e interventiva, mais fragante e mais santa, mais ágil e dócil, mais atenta e carinhosa, mais jovem e mais serena, mais transmissora da fé e mais pacificadora na hora da morte. Enfim, poderia ser mais sábia e mais conselheira, mais cheia de ciência, de entendimento e temor de Deus, mais forte e piedosa,
Agora vou ler o texto. No final declararei, se conseguir, o adjectivo em falta no citado título. «Fraterna». Julgo que o título completo poderia ser: «A paróquia do futuro deve ser mais acolhedora e fraterna». E quem o disse foi o P. Francisco Garvía da paróquia madrilena de Nossa Senhora das Delícias. Ora, pudera! Com uma Padroeira com aquele nome eu compreendo-o bem e aceito que ele tenha autoridade para dizer o que disse!

Máxima
«Não há senão um caminho, o da cruz. Fora dele não há salvação. Mas isto custa muito à natureza. É duro mortificar os sentidos, romper com os mãos hábitos» (B. Isabel da Trindade). Reconheça-se que a santa carmelita tem razão, eu reconheço-o ainda que me custe. Mas ela não fala se não o que fala o Evangelho. E o Evangelho é o caminho. A seguir. Siga-se, pois.

Mínima
Ama e faz o que quiseres.


[11 de Fevereiro de 2007]

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