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segunda-feira, 23 de junho de 2008

Santos impopulares

Chega Junho, chega o Menino. Digo, a peregrinação ao Menino. É também o mês, dizem, dos santos populares! Curioso nome o de santos populares que, talvez, não inocentemente, estabelece a divisão com os outros, os não-populares. Pelo contrário, não deveriam existir senão santos, santos populares. Mas já que criaram a designação deixem-me que discorde dela. Os Santos Populares são santos visivelmente impopulares! Vejamos.
S. António, dizem-no de Lisboa, os portugueses; e de Pádua, os italianos. Paulo VI foi mais consensual e chamou-lhe António-de-todo-o-mundo. O nome verdadeiro era Fernando de Bulhões, nasceu em Lisboa e morreu em Pádua. Celebra-se a 13 de Junho e foi um pregador. Impressionava pela palavra, fustigava as consciências, era um intelectual de grande craveira. Quando o não quiseram ouvir — isto é, levar à prática a sua pregação — foi pregar a peixes! Esses tinham pelo menos uma virtude: ficavam calados enquanto pregava! Já que não converteu os homens dedicou-se aos bichos!
S. João nasceu em Ain-Karim, Palestina. Mereceu o nome de Baptista por ter baptizado o primo, Jesus, e as enormes multidões que se aproximavam de si. Celebra-se a 24 de Junho. Era seis meses mais velho que Jesus. O seu nascimento foi uma alegre bem-aventurança para a família, mas deve ter deixado muito cedo o lar e para ir viver no deserto. Era austero no viver, e fustigava a sociedade do tempo como se as víboras habitassem as suas casas. Denunciou a hipocrisia do rei do tempo e como prémio Herodes ofereceu a sua cabeça num prato, a uma bailarina cujo bailado o encantara. Arrastou multidões, avivou as brasas da esperança, mas morreu ingloriamente, desamparado e à mercê da iniquidade do poder ao tempo.
S. Pedro celebra-se no dia 29 de Junho e com ele Paulo. Não é certo que tenham morrido no mesmo dia, embora haja quem o diga. Popularmente só se referencia o primeiro e só se festeja o primeiro. Pedro foi o primeiro chefe da Igreja de Jesus. Era um pescador bruto, rude e impulsivo. Era imponderado e belicoso. Estava mais habituado a tratar com peixes que com homens. Falava sem pensar e sonhava demasiado elevado. Quando teve de defender o sonho (porque lhe prendiam o Mestre) foi o único a deitar mão à espada. Mas só cortou uma orelha, que o Mestre logo repôs! Já entronizado chefe da Igreja reserva-se demasiado para dentro da comunidade, ao ponto de Paulo ter de o enfrentar para ganhar espaço e liberdade a fim de se dedicar a anunciar Jesus aos não-judeus. Por fim, deu a vida por Cristo, mas como nem disso se julgava merecedor pediu para ser crucificado de cabeça para baixo. Parece-se muito a um santo impopular e ao contrário.
São Paulo era rabino judeu, fariseu radical, evangelizador de helenistas, cidadão romano, escritor exímio, missionário incansável, fundador de comunidades, pastor dedicado, fabricante de tendas, Apóstolo de Jesus. Foi tantas coisas que parece não ter tido tempo para sardinhas, pimentos e pão. Também não é por aí que é um santo popular. Era homem de amizades sinceras, profundas e exigentes, daquelas que magoam por que muito amarram ou muito dividem. É convertido, melhor dito: um zeloso homem de fé radical que se converte ao Cristianismo. Mistura explosiva que fazem dele um homem frenético sem tempo a perder. A urgência era a sua marca, tão urgente que parecia impaciente. A sua personalidade forte, a vontade férrea e a defesa da fé verdadeira chegaram a deslaçar amizades. Não parece e não é um santo suave, ameno, popular. Com a sua festa neste ano, iniciamos o jubileu bimilenário do seu nascimento.
António, João, Pedro e Paulo são santos impopulares que o coração do povo ama. São muito impopulares e muito contra-corrente aos apetites do povo. Sim, são do povo. São nossos. Mas são tão fiéis a Jesus que parecem avessos ao que o mundo hoje consome. (E nesses dias quase só consome sardinhas, pão e vinho!) A culpa não é deles, é da radicalidade de vida exigida por Quem os chamou. São impopulares porque se abriram a Jesus. Mas porque se abriram de forma tão bela à fonte da alegria, teríamos de fazer festa quando os festejamos. E fazemos. Mas ainda que os convoquemos para a festa a sua impopularidade é como o vinagre, que apesar de sadio tempero e benéfico purificador, recordámo-lo mais por não caçar moscas.

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