Ficção
José Romano tem 31 anos é lisboeta,
arquitecto e «não gosta de aparências». Tem trabalhos diversos em
Portugal e prepara-se para outros um pouco por todo o mundo.
Concorreu ao concurso de ideias para o Memorial Site do World Trade
Center, em Nova Iorque. Numa pequenina entrevista à Xis, à pergunta
«Em ficção, qual é o seu herói favorito?», respondeu: «Jesus
Cristo».
É de sempre o esforço de ficcionar
Jesus. Ainda hoje, passados vinte séculos, a sua história é tão
desafiadora e incómoda que é mais cómodo remetê-lo para a
prateleira da ficção. Aquele Jesus de que os Evangelhos falam
assusta um pouco. A alguns, pelo menos. Por isso o ficcionam. Mas a
verdade é que o relato dos Evangelhos é um relato de fé, e não
crónica histórica. O que ali se encontra é o que quatro homens
acreditaram acerca de Jesus. E isso não é menos histórico, mas
também não é tão cientificamente histórico quanto hoje se exige
à história. Cuidado, porém, não ser histórico não é o mesmo
que falso ou ficcionado! O Novo Testamento não é relato de
história, mas da fé de quem aderiu e acreditou em Jesus. Por isso,
se é certo que o Novo Testamento pode não ser considerado
histórico, não é menos certo que fora do âmbito da fé existem
textos que documentam a existência histórica de Jesus. São textos
de valor histórico, que supõem reflexão; e textos
desinteressantemente políticos e administrativos, que são apenas
fruto do exercício do burocrata que ao tempo ocupou um ofício.
Jesus existiu. Isso mo diz a fé de
tantos amigos, e o testemunho de alguns inimigos e indiferentes. Mas
o mais interessante, é que além da sua existência real,
devidamente comprovada, Ele invadiu os lugares da ficção. Assim,
Jesus abarca não apenas a história (com provas, como exigem os
cânones científicos), mas também a vertente ficcional (mercê de
os bons ofícios de alguns, a quem dava jeito que Ele não tivesse
outra existência para além desta). Ironia! Podiam ao menos reservar
a neutralidade da ficção impedindo a entrada de Jesus! Mas não é
que querendo remetê-l’O apenas para lá fazem com que também Ele
seja de lá, e até muito significativo para quem vive lá e se deixa
alimentar pelas narrações que (nos) chegam de lá?
(NB: Julgo que José Romano não é
personagem de ficção. Mas nunca se sabe...)
Fado
O meu jovem amigo André da Birinha
(perdoa-me, André!) mais a sua família das Guitarras de Penafiel
gravou quatro fados. A restante família gravou os outros oito. O CD
chama-se Grupo de Guitarras de Penafiel: vinte anos depois. O André
não tem vinte anos, pelo que, no mínimo, ele é um excelente fruto
que a sua família fadista deu à luz e ao fado. Vá ouvir o CD. Na
voz do André-rapaz-de-camisola-verde poderá encontrar, no mínimo,
uma gaivota a voar, uma fonte que seca pela saudade, um choro a
cantar que Deus lhe colocou no peito para que cantasse com a sua voz
que não sabe o que canta.
Eu tardei a gostar do fado. Outros,
porém, parece que nasceram com o fado na alma e alma de fado. À
medida que se esfumam os fumos da Revolução – e bem fazer
revolução nem sempre tem sido o nosso fado... –, vamos abrindo os
olhos para o que é nosso. A poeira vai assentando e vamo-nos
apercebendo do que é nosso desde há muito tempo, e não pode
morrer. Depois de meio perdidos e de muitas lágrimas, depois de
termos destruído o passado e atropelado a memória vamos abrindo o
coração para o que é raro e nos fala dos nossos avoengos. A
re-descoberta do fado só é possível porque ele ficou ancorado nos
que o souberam preservar. Guardiães houve que vigiaram as arcas da
memória e em noites frias aqueceram gargantas, almas e corações, à
medida que a agilidade dos dedos seduzia e bailava as cordas das
guitarras.
E quem o agradece somos também nós os
que nos cansamos de sons que não são inteiramente nossos. Cansados
de peregrinações por sons estranhos vamos precisando de quem nos
lave a alma da nossa identidade! E, felizmente, como ela sai lavada
depois de ouvido este CD!
Não é pérola quem quer, mas quem a
raridade quer. Por isso aconselho a comprar o CD. Se não sabe onde
pergunte-me.
(NB1: Para que não restem dúvidas:
ainda bem que houve Revolução!).
(NB2: Não se me pergunte a genealogia
do fado ali cantado, que disso não percebo. Apenas percebi que
gostei, e pronto...).
Guitarras
Diz quem sabe que em Alcácer Quibir,
Portugal deixou no campo da fatídica batalha mais guitarras que
armas! Assim mesmo! Depois da batalha o exército vitorioso correu a
apossar-se dos despojos a que tinha direito. E eis que a bravura deu
lugar ao espanto: eram mais as guitarras que as espadas! Portugal
terá ido para a guerra – não direi como que para um pic-nic, mas
com um espírito pouco convencional e até romântico. Talvez não
tenha enfrentado a batalha com um plano marcial mas com alguma
inconsciência própria da ousadia juvenil. É bem longa e antiga a
sedução do português pela guitarra. Não há realidade que ela não
cante, nem espaço em que não possa entrar. O que serve para cantar
a alma portuguesa serve para a cantar toda e em todo o lugar. Seja no
campo de batalha ou num casamento, seja no Bairro Alto ou nas
caravelas do Navegador, seja nas serenatas à namorada ou para cantar
ao Divino, seja nas desfolhada ou no fim duma caçada. Onde houver
português haverá guitarras, guitarradas e fado, e não sou eu quem
o diz.
É por isso que eu olho para as
Guitarras de Penafiel com muito carinho e respeito. De alguma maneira
são herdeiros dos que pereceram ao lado de D. Sebastião, mas também
dos que triunfaram com o Navegador!
Neste tempo de batalhas novas
escasseiam as espadas e rareiam as guitarras. E talvez seja desta que
nos devamos defender (ou atacar?) e vencer com o que outrora nos fez
perder: a música, o fado e as guitarras.
Monte
Os cimos dos montes são bonitos para
lá se colocar qualquer coisa. E uma cruz é o que melhor lá se pode
colocar. Afinal, Jesus morreu num monte e cravado numa cruz.
No programa Mais Europa, da Antena 1,
fiquei a saber que na Ucrânia há uma Monte que é para os
ucranianos o que para os portugueses é Fátima. Quem peregrina a
Fátima vai e acende uma vela; quem vai ao Monte das Cruzes coloca
uma cruz.
Ao longo dos séculos os ucranianos
subiram o monte e colocaram cruzes, grandes e pequenas, por este e
por aquele motivo, deste e daquele feitio. Algumas cruzes são tão
grandes que sustentam muitas outras cruzes mais pequenas.
O Século Vinte Soviético derrubou ali
muitas cruzes, mas não travou os passos de quem ali peregrinou para
repor cruzes no lugar das derrubadas. E plantar outras que a devoção
impunha.
Em 1983, reconhecido, João Paulo II
peregrinou ali para abençoar aquele povo, a sua identidade e
memória, o seu futuro e esperança.
Sempre houve quem sonhasse unir a
Europa do Atlântico aos Urais. Está quase a conseguir-se. Num pólo
está a Cruz, no outro a Luz. Num o Senhor da Cruz, no outro a
Senhora da Luz. Podem os senhores do poder europeu não querer saber
das raízes cristãs da alma europeia. Por desconhecimento ou
descaramento podem ignorá-las ou rasurá-las. Que o façam. Em
qualquer dos casos, deveriam saber que antes do cifrão ou do euro já
a cruz alcançou o que peroram há tantos séculos.
1’ de sabedoria
Ou te renovas ou morres. Para renovar o
teu interior, interroga-te sobre as qualidades que deves fortalecer e
os erros que deves emendar.
Não cuides em emendar ou corrigir os
teus limites, pois eles sempre te acompanharão. Querer corrigir os
limites é destruir a natureza humana. Os limites aceitam-se e
amam-se. Só devemos educá-los e orientá-los, para que sejam sempre
construtivos.
Identifica as tuas qualidades e
cultiva-as, identifica os teus erros e corrige-os: assim estarás
renovando o teu interior.
[23 de Setembro de 2003]
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