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quinta-feira, 27 de junho de 2013

Notas de Roda-pé


Ficção

José Romano tem 31 anos é lisboeta, arquitecto e «não gosta de aparências». Tem trabalhos diversos em Portugal e prepara-se para outros um pouco por todo o mundo. Concorreu ao concurso de ideias para o Memorial Site do World Trade Center, em Nova Iorque. Numa pequenina entrevista à Xis, à pergunta «Em ficção, qual é o seu herói favorito?», respondeu: «Jesus Cristo».
É de sempre o esforço de ficcionar Jesus. Ainda hoje, passados vinte séculos, a sua história é tão desafiadora e incómoda que é mais cómodo remetê-lo para a prateleira da ficção. Aquele Jesus de que os Evangelhos falam assusta um pouco. A alguns, pelo menos. Por isso o ficcionam. Mas a verdade é que o relato dos Evangelhos é um relato de fé, e não crónica histórica. O que ali se encontra é o que quatro homens acreditaram acerca de Jesus. E isso não é menos histórico, mas também não é tão cientificamente histórico quanto hoje se exige à história. Cuidado, porém, não ser histórico não é o mesmo que falso ou ficcionado! O Novo Testamento não é relato de história, mas da fé de quem aderiu e acreditou em Jesus. Por isso, se é certo que o Novo Testamento pode não ser considerado histórico, não é menos certo que fora do âmbito da fé existem textos que documentam a existência histórica de Jesus. São textos de valor histórico, que supõem reflexão; e textos desinteressantemente políticos e administrativos, que são apenas fruto do exercício do burocrata que ao tempo ocupou um ofício.
Jesus existiu. Isso mo diz a fé de tantos amigos, e o testemunho de alguns inimigos e indiferentes. Mas o mais interessante, é que além da sua existência real, devidamente comprovada, Ele invadiu os lugares da ficção. Assim, Jesus abarca não apenas a história (com provas, como exigem os cânones científicos), mas também a vertente ficcional (mercê de os bons ofícios de alguns, a quem dava jeito que Ele não tivesse outra existência para além desta). Ironia! Podiam ao menos reservar a neutralidade da ficção impedindo a entrada de Jesus! Mas não é que querendo remetê-l’O apenas para lá fazem com que também Ele seja de lá, e até muito significativo para quem vive lá e se deixa alimentar pelas narrações que (nos) chegam de lá?
(NB: Julgo que José Romano não é personagem de ficção. Mas nunca se sabe...)

Fado

O meu jovem amigo André da Birinha (perdoa-me, André!) mais a sua família das Guitarras de Penafiel gravou quatro fados. A restante família gravou os outros oito. O CD chama-se Grupo de Guitarras de Penafiel: vinte anos depois. O André não tem vinte anos, pelo que, no mínimo, ele é um excelente fruto que a sua família fadista deu à luz e ao fado. Vá ouvir o CD. Na voz do André-rapaz-de-camisola-verde poderá encontrar, no mínimo, uma gaivota a voar, uma fonte que seca pela saudade, um choro a cantar que Deus lhe colocou no peito para que cantasse com a sua voz que não sabe o que canta.
Eu tardei a gostar do fado. Outros, porém, parece que nasceram com o fado na alma e alma de fado. À medida que se esfumam os fumos da Revolução – e bem fazer revolução nem sempre tem sido o nosso fado... –, vamos abrindo os olhos para o que é nosso. A poeira vai assentando e vamo-nos apercebendo do que é nosso desde há muito tempo, e não pode morrer. Depois de meio perdidos e de muitas lágrimas, depois de termos destruído o passado e atropelado a memória vamos abrindo o coração para o que é raro e nos fala dos nossos avoengos. A re-descoberta do fado só é possível porque ele ficou ancorado nos que o souberam preservar. Guardiães houve que vigiaram as arcas da memória e em noites frias aqueceram gargantas, almas e corações, à medida que a agilidade dos dedos seduzia e bailava as cordas das guitarras.
E quem o agradece somos também nós os que nos cansamos de sons que não são inteiramente nossos. Cansados de peregrinações por sons estranhos vamos precisando de quem nos lave a alma da nossa identidade! E, felizmente, como ela sai lavada depois de ouvido este CD!
Não é pérola quem quer, mas quem a raridade quer. Por isso aconselho a comprar o CD. Se não sabe onde pergunte-me.
(NB1: Para que não restem dúvidas: ainda bem que houve Revolução!).
(NB2: Não se me pergunte a genealogia do fado ali cantado, que disso não percebo. Apenas percebi que gostei, e pronto...).

Guitarras

Diz quem sabe que em Alcácer Quibir, Portugal deixou no campo da fatídica batalha mais guitarras que armas! Assim mesmo! Depois da batalha o exército vitorioso correu a apossar-se dos despojos a que tinha direito. E eis que a bravura deu lugar ao espanto: eram mais as guitarras que as espadas! Portugal terá ido para a guerra – não direi como que para um pic-nic, mas com um espírito pouco convencional e até romântico. Talvez não tenha enfrentado a batalha com um plano marcial mas com alguma inconsciência própria da ousadia juvenil. É bem longa e antiga a sedução do português pela guitarra. Não há realidade que ela não cante, nem espaço em que não possa entrar. O que serve para cantar a alma portuguesa serve para a cantar toda e em todo o lugar. Seja no campo de batalha ou num casamento, seja no Bairro Alto ou nas caravelas do Navegador, seja nas serenatas à namorada ou para cantar ao Divino, seja nas desfolhada ou no fim duma caçada. Onde houver português haverá guitarras, guitarradas e fado, e não sou eu quem o diz.
É por isso que eu olho para as Guitarras de Penafiel com muito carinho e respeito. De alguma maneira são herdeiros dos que pereceram ao lado de D. Sebastião, mas também dos que triunfaram com o Navegador!
Neste tempo de batalhas novas escasseiam as espadas e rareiam as guitarras. E talvez seja desta que nos devamos defender (ou atacar?) e vencer com o que outrora nos fez perder: a música, o fado e as guitarras.

Monte
Os cimos dos montes são bonitos para lá se colocar qualquer coisa. E uma cruz é o que melhor lá se pode colocar. Afinal, Jesus morreu num monte e cravado numa cruz.
No programa Mais Europa, da Antena 1, fiquei a saber que na Ucrânia há uma Monte que é para os ucranianos o que para os portugueses é Fátima. Quem peregrina a Fátima vai e acende uma vela; quem vai ao Monte das Cruzes coloca uma cruz.
Ao longo dos séculos os ucranianos subiram o monte e colocaram cruzes, grandes e pequenas, por este e por aquele motivo, deste e daquele feitio. Algumas cruzes são tão grandes que sustentam muitas outras cruzes mais pequenas.
O Século Vinte Soviético derrubou ali muitas cruzes, mas não travou os passos de quem ali peregrinou para repor cruzes no lugar das derrubadas. E plantar outras que a devoção impunha.
Em 1983, reconhecido, João Paulo II peregrinou ali para abençoar aquele povo, a sua identidade e memória, o seu futuro e esperança.
Sempre houve quem sonhasse unir a Europa do Atlântico aos Urais. Está quase a conseguir-se. Num pólo está a Cruz, no outro a Luz. Num o Senhor da Cruz, no outro a Senhora da Luz. Podem os senhores do poder europeu não querer saber das raízes cristãs da alma europeia. Por desconhecimento ou descaramento podem ignorá-las ou rasurá-las. Que o façam. Em qualquer dos casos, deveriam saber que antes do cifrão ou do euro já a cruz alcançou o que peroram há tantos séculos.

1’ de sabedoria

Ou te renovas ou morres. Para renovar o teu interior, interroga-te sobre as qualidades que deves fortalecer e os erros que deves emendar.
Não cuides em emendar ou corrigir os teus limites, pois eles sempre te acompanharão. Querer corrigir os limites é destruir a natureza humana. Os limites aceitam-se e amam-se. Só devemos educá-los e orientá-los, para que sejam sempre construtivos.

Identifica as tuas qualidades e cultiva-as, identifica os teus erros e corrige-os: assim estarás renovando o teu interior.

[23 de Setembro de 2003]

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