1000
000 000 SMS
Segundo o
jornal PÚBLICO entre a quadra do Natal e a do Ano Novo os portugueses trocaram
mil milhões de mensagens por telemóvel. Espantoso! Eu também contribuí: recebi
156 e enviei talvez umas vinte, o que faz de mim um forreta indelicado. Sendo
Portugal tão pequenino revelou uma indomável capacidade para o diálogo e a
solidariedade, o reconhecimento e proximidade. Eu recebi mensagens de amigos
que não se identificaram e por isso não os reconheci, o que prova que tenho
mais amigos do que creditava, o que prova que o espírito natalício abre portas
e janelas de almas que no resto ano não se falam mas se querem. Que nos falemos
e estimemos e recordemos eu acho óptimo. O pior é talvez o resto. Do ano.
Acabo de
chegar duma loja comercial onde fui comprar um cartucho de tonner. Quando a
porta automática me deu as boas-vindas abrindo-se alegremente ante mim, recebi
uma rajada do agente Jack Bauer. Como não doeu nem saiu sangue olhei para o
lado, mas ninguém caíra ao chão. Entrei. Durante o tempo que ali permaneci
milhares de aparelhos debitaram ruído sem fim, informação sem fim, palavras sem
fim, canções. Excesso e overdose. Babel e balbúrdia. Mesmo assim, já com o
cartucho debaixo do braço, grudei ao ouvir uma canção linda que, como pude
reparar, só eu ouvi sem ouvir nada mais da balbúrdia geral.
É princípio
do ano.
Toma,
Senhor, o meu coração cheio de boas intenções, mensagens e palavras. E
purifica-o. Aconchega-me os recantos da alma, limpa as teias de aranha dos meus
olhos, a fim de que eu ouça como que em linda canção a Palavra Eterna, que
brotou dos lábios de Jesus e agora só pode ser ouvida em silêncio.
Meninos
Dizem os jornais que o Daniel Carvalho, a Catarina, a Vanessa, a Fátima
L., a Joana, o Yuri e a Angelina e agora a Sara morreram. As características
comuns a estas mortes são o tratar-se de crianças de tenra idade, desprotegidas
e em famílias de risco. As suas mortes foram cruéis. Foram vítimas de maus
tratos. Maus tratos, não. Simplesmente sem tratos, porque as crianças ou se
cuidam como é seu direito, isto é, ou as cuidamos, acarinhamos, acalentamos e
lhes espantamos medos, fantasmas e frios, ou tudo o resto não é trato nenhum. É
tortura. Tortura em país civilizado, crescido, adulto, higiénico, laico,
europeu e do século vinte e um!
Vejo mais uma vez as suas caritas no Correio da Manhã. São caras
reguilas, irrequietas, inquiridoras. São caras de crianças, enfim. A Joana, de
oito anos, faz lembrar uma mulherzinha. Uma mulherzinha por antecipação,
daquelas que se ocupam da casa, da mãe, dos seus desvarios, do deve e haver da
família, do futuro, do porvir truncado. Ao que dizem e talvez seja o mais
certo, jaz agora na barriga dum porco! Meu Deus, que horrível! Ela que
costumava ocupar-se das comidas da família foi comida por quem nasceu para ser
sua refeição!
Como tão facilmente as coisas se transtrocam!
É por isso que eu vou pela rua, às vezes devagarinho, a rezar. Vejo
meninos pelas mãos e nos carrinhos e nem sempre aconchegados pelo melhor dos
carinhos. Vou por ali, vou por acolá. E vejo meninos e vejo futuros, vejo
doutores, presidentes e calceteiros. E talvez alguns não cheguem muito além. E
talvez alguns morram não sei onde. E talvez a barbárie imponha a sua lei crua e
morra mais algum indignamente. Olho, vejo. Há meninos que nos sorriem, que nos
espevitam as janelas da esperança como semáforos verdes que nos convidam a
passar. E eu pergunto interrogando-me: qual será o próximo que morre? Qual é o
próximo a acabar na barriga dum porco, ou pior?
É por isso que quando me cruzo com eles, mais que com as suas mães ou
pais, eu me dirijo a eles. Penso neles, olho-os se possível. E rezo por eles,
abençoo-os. Sim. Talvez aquele menino ou menina seja muçulmano, árabe, ateu ou
agnóstico. (Sim, que cada um começa por ser o que os seus pais forem.) Talvez
não seja nada daquilo que eu sou e acredito. Mas é um menino, é uma menina. Uma
criança, o futuro. E então eu os abençoo em nome do Menino Jesus de Praga e
lhos consagro e ofereço. São dele. Ninguém mo pode impedir. Abençoo-os todos no
meu olhar, na minha oração silenciosa. Todos os meninos que eu vejo eu Lhos
dou, em seu Nome os abençoo. Eu lhes dou Salvação. Eu lhes dou Jesus em forma
de benção, a fim de que porco algum lhes faça mal. Amen.
Máxima
Não sei quem o disse, mas nalguma parte do Evangelho algo de parecido
deve haver. Só pode. Diz assim: Reza como se tudo dependesse de Deus, trabalha
como se tudo dependesse de ti. Se assim fosse — que interessa o credo ou a
ausência dele? — não precisaríamos de Segurança Social.
Mínima
A santidade atrai(-me).
[4 de Março de 2007]
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