Morcegos
Há uma
piada passada entre dois sacerdotes, com o seguinte diálogo:
— Tenho na minha igreja uns morcegos, e não sei
que lhes fazer...
— Fazer
o quê?, diz o segundo.
— Não
sei. Até a Equipa de Pastoral e a Fabriqueira fizeram de tudo.
— De
tudo o quê?, insistia o segundo.
— Já tentámos de tudo para os espantar da
igreja.
O outro
rindo às gargalhadas, responde-lhe:
— Ó pá, é muito fácil. Dá-lhes o Crisma que
tu vais ver!
Jovens
Não sei se a piada se percebe de imediato, mas
ela fala simplesmente da ausência dos jovens na Igreja. Já passou à
história aquele momento da Igreja em que todo o nascido nela entrava
pela do Baptismo e por ela saía no dia do funeral. Já não é
assim. Nem todos entram na Igreja, e dos que entram a maioria
abandona-a na adolescência. Por aqui vão ficando até ao Crisma.
Depois vão-se, desaparecem, esfumam-se. Parece que sentem alergia, e
depois do Crisma...
Eu sei que
a maioria ainda se diz Católico. E são-no, mas à sua maneira.
Pessoalmente não vivo sossegado só porque cá fiquei, nem por
verificar que o índice de Católicos é bastante alto. Não vivo
sossegado, mas inquieto. Inquietam-me muito as muitas ovelhas
vagueando por aí sem pastor, à mercê de lobos e de mercenários.
Voltemos aos jovens. As Jornadas Mundiais da
Juventude são um ledo engano. Mas não são de desprezar. O que ali
se vê não corresponde à vida das comunidades locais. Eu que
participei em três sei o que são. São uma festa que eu vivi, quase
delirante, enquanto jovem seminarista. São uma festa que eu vivi,
cuidadoso e cauteloso, no início do meu sacerdócio. Mas quer-me
parecer, que nem no antes nem no depois têm implicações imediatas.
Pelo menos ao nível comunitário, porque tal vivência tem muito de
pessoal e íntimo e isso não é tão fácil de medir.
Eis um grave problema pastoral. Os jovens fogem da
Igreja para as celebrações do futebol e dos concertos, dos ralis e
das discotecas. É ali que os perdemos. E quando, cansados, dali
regressam, porque alguns sempre regressam, o trabalho de formação —
pelo menos esse — está muito atrasado. (Sempre quero aqui contar
que este ano só porque o Paris-Dakar foi anulado, eu tinha mais
jovens na missa desse dia: os que em Lisboa iriam assistir à partida
da prova quedaram-se por cá!)
Jesus jovem
Devo confessar a verdade: O que eu venho aqui
falar com os leitores do Mensageiro é sobre Jesus. Jesus jovem. Onde
pára o Jesus jovem? Porque não se vê? Este ver a que me refiro é
o ver celebrativo (mais que o histórico). Quero eu dizer que a
celebração litúrgica ajuda a enquadrar e formar a memória do
discípulo que é cada um de nós. E o certo é que os jovens
Católicos não vêem o jovem Jesus! Nem nas celebrações nem na
história.
Ninguém vive sem modelos e sem mestres. (Agora
também Lhe chamam Guru e Coach!) E como é bom, por exemplo,
podermos celebrar o baptismo de alguém recordando o de Jesus, aquele
momento inesquecível em que, saindo das águas do Jordão, viu o
Espírito Santo e ouviu o Pai testemunhar o seu amor por Ele.
Explico-me melhor: a nossa referência maior é
Jesus. Olhá-l’O e imitá-l’O é caminho seguro. Por isso a
Igreja usa sabiamente a liturgia para enfocar em Jesus o nosso olhar
e amor. É assim que aprendemos d’Ele, com Ele caminhamos e
aprendemos a crescer.
Vamos aos factos: na Festa da Anunciação, nove
meses antes do Nascimento, recordamos que Ele começou a ser humanado
e que a nossa vida tem dignidade desde a sua concepção; na Festa do
Natal celebramos o seu nascimento, óptima lição para os pais,
familiares e amigos; na Festa da Sagrada Família é o olhar de toda
a família, como família, que é convocado; na Festa do Santo Nome
de Jesus (festa celebrada oito dias depois do Natal) recordamos a
missão salvadora de Jesus e a verdade do nome de cada um de nós; na
Festa da Epifania, somos todos, mas todos mesmo, de todas as idades,
condições, religiões ou sem ela, somos todos convidados a adorar o
Menino; na Festa da Apresentação a família é mais uma vez
convocada, e também aqueles que desde a longa noite da história O
esperam ver, como Simeão e Ana; no Baptismo, aos trinta anos,
sentimo-nos convocados para como Ele assumir o papel de anunciadores
da Boa Notícia.
Enfim, não há idade que não possa ir beber a
Jesus. A vê-l’O humanado e aprender d’Ele, que é o Homem
perfeito. Bem, há uma idade que O não vê: os jovens. Os jovens não
O vêem jovem.
A sua vida oculta em Nazaré deixou-nos sem relato que iluminasse a
vida dos jovens. Depois que chega aos doze anos a vida de Jesus
oculta-se e só volta aparecer três anos antes de morrer.
Conheço um convento que tem um Menino Jesus
carpinteiro. Um jovem trabalhador. Gosto muito desse Menino Jesus. Os
frades puseram-no mesmo à entrada do claustro, onde têm as suas
celas. Entra-se e vê-se o jovem carpinteiro a trabalhar a madeira,
com um mascoto no ar. Há ali uma mensagem: Vê-l’O dedicado a
trabalhar, afadigado e comprometido com as obrigações da família e
da sociedade. Jesus foi menino e jovem crente e um aprendiz, foi um
mestre da Palavra e também um mestre carpinteiro a quem São José
ensinou tudo o que sabia.
É disso que se trata: sabemos que o jovem Jesus
foi um jovem fiel no caminho da fé, fiel no trabalho e na sociedade,
mas não há um relato que no-lo diga explicitamente. O mais que
sabemos, quero dizer, o mais que ouvimos, é o relato da sua
peregrinação a Jerusalém, na Páscoa dos seus doze anos.
Terminadas as festas os pais regressam e Ele ali fica, sentado entre
os sábios a responder e a interrogar. Quando os pais O re-encontram,
regressa. Regressa para continuar obediente e a crescer em estatura,
sabedoria e graça. É esse o único, discreto e pouco empolgante
modelo que temos para oferecer aos jovens: o modelo de adolescente
obediente, dedicado, aprendiz em formação, fiel à família (e às
coisas do Pai), fiel à fé judaica em que está inserido, crescendo
no corpo e no espírito, em sabedoria e em graça, carinhoso para com
os familiares, solícito para com o pai na sua morte, esteio para a
mãe que fica viúva e certamente alegre com os companheiros, amigo
das festarolas... E também preocupado com o seu futuro.
Convenhamos que não é tão pouco assim, mas o
silêncio que se faz sobre a juventude de Jesus não os ajuda muito.
Porém, naquela ocorrência dos doze anos e no escuro do longo
silêncio da vida oculta, vemos, com um pouco de dificuldade, um belo
programa de vida para os jovens, um programa que só ali se pode
encontrar!
Máxima
Quem não
quiser trabalhar, também não coma. (2 Tes 3:10)
Mínima
Também entre
as panelas anda o Senhor. (S. Teresa de Jesus)
[21 de Janeiro de 2008]
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