Milagres
Os tempos vão difíceis. Os mares agitam-se. À
nossa frente cavam-se vagas sobre vagas. Os abismos parecem
comer-nos. O que não se ouve publicamente sussurra-se na intimidade,
e traga-se no combate diário da rua. O dinheiro não chega, a
contenção não estica, as dívidas crescem. O trabalho é para quem
o trabalha, e esses — quase todos — vêm de fora; os empregos são
para nós. O colega da secretária ao lado tosse, o outro reclama, o
terceiro rezinga, o quarto barafusta por tudo e por nada (mais por
nada), o do Sindicato dormita e nada vê (é o que me dizem, que eu
não sou do Sindicato). O patrão quer o que é seu, liquidez. E
verdadeiramente ainda não chegou o Inverno que sempre traz frios,
humidades, chuvas, narizes vermelhos e entupidos, olhos inchados,
cabeças a estoirar.
No meio de tudo isto a fé deveria serenar-nos,
acalmar-nos as tempestades e os vendavais repentinos das iras e dos
sonhos impossíveis. Deveria fortalecer-nos e robustecer-nos. Mas
parece que agora já não se transmite nem se ensina paciência, mas
exigência crua e o exercício do direito a rabiscar no Livro de
Reclamações. Mesmo sem razão. Está bem de ver que os que têm fé
seguem o caminho mais difícil, mais demarcado, mais exigente. E
vemos como os outros. E sofremos como os outros. Na verdade, não se
pode ter fé e ser-se depois bandoleiro e rezingão impenitente. A
vida vai difícil para todos, até para quem não tem fé. Por isso,
vamos pelo caminho da paciência, da confiança. E da esperança:
procuremos ir sempre de bem para melhor.
Frequentemente os tempos difíceis empurram-nos
para extremos, por um de dois caminhos: ou pelo da impaciência
infértil, ou pelo da depressão inconsequente. E quando os sonhos de
chumbo nos caem na cabeça, que fazer? E quando batemos contra o muro
da realidade, que reclamar? Às vezes, quase sempre, reclama-se por
milagre. Até os mais impenitentes dos não-crentes acabam
reclamando-o . Estão no seu direito. Mas é nestas alturas que
devemos fazer falar os sábios. O primeiro chama-se Gath Brooks e
aparece cheio de razão nas últimas linhas deste texto. O segundo
chama-se Einstein, e pelos vistos sabia mais coisas para além de
ciência. Dizia: «Há duas maneiras de viver a vida; uma é como se
nada fosse milagre, outra é como se tudo fosse milagre. Eu acredito
no último.». Não podemos parar de acreditar. Porém, eu prefiro
mais o que ensinava São João da Cruz: «É preferível sofrer por
Cristo, que fazer milagres». Fazer, ou pedir. Ou já agora, declarar
que tudo é milagre. Amar o que Ele amou; amar como Ele amou. Este
continua a ser o nosso programa de vida. E não é por só olharmos
para o céu que se vêm os milagres na terra. Ou, melhor dito: Não é
olhando só para Ele que vemos os muitos milagres por fazer na vida
de tantos pequeninos!
Sete coisas
O fenómeno
da moda são os blogues. Como não sou sociólogo não poderei dizer
se vamos atrasados, adiantados ou como o costume: assim assim. Esta
noite o H. mandou-me um mail informando-me do seu novo blog.
(Entretanto, tem outro de que eu me percebi sem dele me ter
falado...) O título é uma coisa parecida com Eis-me aqui. No H. não
me estranhou a referência. Fui ver. Ainda não tinha começado.
Havia apenas uma breve declaração de interesses. Descobri então o
outro e dei uma olhada. Percebi ali que entre os garotos blogueiros
da Comunidade há um jogo; tipo — como eles dizem — tipo: 7
coisas em que sou bom, 7 coisas em que sou mau..., e por aí
adiante.
O H.
declara que a sexta coisa em que é bom é: «Rezar». Assim só,
simplesmente. Rezar. Boa, H., pensei! Boa. É boa mesmo. Não pensei
encontrar tal surpresa, mas encontrei. E na pessoa do H., como já
disse, nem me estranhou.
Como estamos nos dias de Santa Teresa de Jesus,
nossa mãe, lembrei-me do que ela ensina sobre a oração (registo só
isto o ensinamento mais curto, para não complicar): «A oração é
um diálogo de amigos, estando-se muitas vezes a sós com Quem
sabemos que nos ama». É isso mesmo, H., vai por esses blogues todos
— e são tantos como as areias do mar! — e diz que gostas de
rezar, que és mesmo bom a rezar. Oxalá todos sejam teus amigos, que
quem não sabe de amigos e de amizades não sabe de oração. Pelo
menos ao jeito de Teresa, claro. Vai, que haja muitos amigos na tua
vida. Junta-te a eles, para que eles façam de ti um mestre da arte
de rezar. Força, junta amigos que saibam rezar. E se não souberem,
pelo menos que saibam de amizade. Depois será fácil rezar. Se há
tantos que se juntam para dizer e fazer o mal, por que não
haveríamos nós de querer o bem e lutar por ele juntamente com os
amigos que ajuntamos? É por isso, H., que eu te digo: Vá, força,
faz muitos amigos, escreve em todos os blogues e não tenhas vergonha
de dizer — nem que seja em sexto lugar — que sabes rezar. Eu
julgo que sim, que é fácil, pois conheço muitos dos teus amigos e
o apreço que têm por ti. Ah! Só mais uma coisa e com ela termino.
Depois da amizade que faz bem à oração (e ao coração) a nossa
Santa Madre pedia só uma outra coisa: «Só vos peço uma coisa: que
O olheis!». E é claro. E é justo. Como poderíamos gostar de rezar
e de ter amigos se não incluíssemos o melhor Amigo no nosso círculo
de amigos? Se não gostássemos d’Ele. Ou se gostássemos sem
gostar de O olhar? Sim, H., sê amigo forte de Jesus! E olha-O!
(Quando acabei de escrever este breve apontamento
já era outro dia. Dei outra olhada ao outro blog do H. e pude
verificar que escrevera lá o Pater Noster.)
Máxima
Agradeço ao bom Deus pelas bênçãos que tem
concedido à minha vida, algumas das maiores dádivas de Deus são
orações não atendidas. (Gath Brooks, Cantor norte-americano de
música country)
Mínima
Tudo o que
é verdadeiro, venha donde vier, procede do Espírito Santo. (S.
Tomás de Aquino)
[19 de Novembro de 2007]
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