Sinos
O
meu amigo Padre Moura, Pároco de Sanguedo, Vila da Feira, é um
homem curioso. Digo-o porque o conheço já de outras curiosas
andanças. O Padre Moura decidiu referendar a compra de um carrilhão
de 23 sinos para a Paróquia. O Povo reunido em assembleia, julgo que
a eucarística mas não tenho a certeza, mostraria um de dois cartões
ao assunto, o verde ou o vermelho, e a decisão seria tomada.
Creio
que tão litúrgico referendo já teve lugar. Se teve não sei o
resultado. Para mim basta que o tema e o referendo tenham sido
propostos. E tê-lo sido num tempo nada meigo para com os sinos.
Nos
tempos passados em que éramos mais rurais, as comunidades
orientavam-se pelos toques e sinais dos sinos. Hoje não. Não
precisamos de sinos para saber as horas. Hoje temos aparelhinhos e
aparelhómetros vários para medir o tempo, embora nem por isso
andemos mais a horas! E talvez por isso haja mais problemas e
implicações com os sinos das igrejas. Pois. Não sei. São os
sinais dos tempos, embora o que parece é que passaram os tempos de
ouvir e entender a voz dos sinos.
Cada
sino tem uma voz só sua e uma mensagem só sua. Sei disso, porque
dos três sinos da minha igreja dois (os mais novos e que eu ajudei a
fazer) estão baptizados e têm neles inscritas as mensagens de
anúncio, chamamento, escarmento e exorcismo do Inimigo que espalham
quando os fazemos soar.
Por
tudo isto não me espantam os problemas que parte das populações
das comunidades erguem aos sinos. (A parte mais recente e menos
enraizada na comunidade é sempre aquela que levanta a guerra aos
sinos!) Nuns casos roubam-nos, noutros insurgem-se. Invectivam-nos,
querem-nos calados em nome da democracia, do silêncio e do descanso.
Foi isso que se viu em São Martinho de Bornes de Aguiar, em Oliveira
do Bairro e na Tocha. E noutros lugares também. Aos que querem e aos
que não querem os sinos, a uns e outros percebo-os bem. Percebo as
razões, a maioria nascidas do desconhecimento. E também percebo e
aprecio a frontalidade de José Pacheco Pereira, no seu blog Abrupto.
Escreveu o pensador: «Os
sinos não morrem. Um dos mais antigos media soa aqui ao lado: o sino
da igreja. Ontem anunciou um evento, tocando a finados; hoje anuncia
outro, tocando para a missa. O sino informa e, embora o seu toque já
seja automatizado, carrega-se num botão e toca, continua a ser o
velho sino de sempre. Alguns sinos têm o software inscrito no
hardware: “Laudo Deum verum plebem voco congrego clerum, Defunctus
plorom nimbum fugo, festa decoro.” Alguns media não morrem tão
depressa como se julga. Este sobreviveu ao telex.»
Gostei
da lucidez de JPP, mas já m’arreganho e m’aspanto com a falta
dela no povo português. Que dirão eles quando Portugal for
enxameado por mesquitas donde — com o devido respeito — as roncas
zurram suras do Corão, de hora em hora? Julgam que se as mandarem
calar se calarão tão pacíficas como se calam os nossos velhos
sinos? Não creiam, não creiam. Não creiam. Porém, dias virão.
Fraterna
Há
na vida coisas inesperadas. Há dias, folheando uma revista espanhola
de actualidade católica, apercebi-me que um título estava
incompleto. Nunca tal me acontecera. Por isso recusei-me a continuar
a ler, porque quero comentar o sucedido sem ler o noticiado.
Então
vamos lá. O título em causa era: «A paróquia do futuro deve ser
mais acolhedora e». Como disse o título estava incompleto. Que
faltaria ali? E comecei a pensar de mim para mim em adjectivos que se
pudessem aplicar à comunidade paroquial de hoje. E o complemento em
falta poderia ser: mais simpática, mais atraente, dialogante,
fraterna, mística, carismática...
Poderia
ser muitas outras coisas, poderiam ser muitos os adjectivos em falta.
Nos dias de hoje caberiam ali muitos outros que descrevessem os
desafios postos à paróquia actual.
Sim,
eu reconheço que a vida paroquial poderia ser mais simpática.
Quantas vezes só vemos ali funcionários e apenas funcionários,
cada um mais carrancudo que o outro, mais interessados em complicar
que em ajudar e servir? A começar pelos padres, como eu!
Reconheço
que poderia ser mais atraente. A Igreja guarda tesouros e linguagens
dentro de si que poucos entendem. Não são muitos que percebem os
códigos das cores e dos ritos, dos gestos e dos ditos. Falta talvez
alguma leveza sem quebrar a tradição; algum arejamento sem que uma
revoada de vento nos leve os papéis do guião.
Reconheço
que poderia ser mais dialogante. Somos minoritários. Assumo-o sem
medo. Os católicos somos minoritários. Digo os católicos
católicos, pois julgo que não se deva contar os católicos
não-praticantes. Porém não os desprezo, amo-os, acolho-os e
sirvo-os. A Igreja (muito para além do grande grupo dos
não-praticantes!) está cada vez mais esfrangalhada em tribos e
correntes, movimentos e tendências. Estamos a perder a plataforma de
entendimento e de diálogo, temos dificuldade em falar a mesma
língua. Em conseguir entender-nos. Os grupos são tantos e tão
diferenciados que é um desafio hercúleo este que se põe à
paróquia actual! (E nem falar da obrigação de ter de dialogar para
fora do círculo da fé, e da fé cristã!).
Reconheço
que poderia ser mais fraterna. Isto é, mais capaz de acolher a todos
como irmãos, sem olhar a diferenças, sem reparar na cor das
condutas, mas nas necessidades, nas feridas e debilidades. Tenho
algumas dúvidas que todos os que entram pela porta da igreja se
sintam irmãos, que haja sentimentos de mutualidade. Tenho dúvidas,
que a verdadeira fraternidade seja vivida. É talvez uma miragem e um
desafio permanente.
Reconheço
que poderia ser mais mística. Sim, falta ainda à Igreja e a cada um
o fazer experiência do Senhor Ressuscitado. Cumprimos os ritos e
isso é bom; executamos frequências mais ou menos corporativas, mais
ou menos de bairro. Mas temo que nos fiquemos muito pelas ramas, que
sejamos como a chuva de verão: chove e logo seca, sem chegar a
assentar o pó e sem lavar. Faltará muito para que a paróquia saiba
pôr-se a caminho, seja de Damasco, Emaús, ou para «onde Eu te
indicar»?
Reconheço
que poderia ser mais carismática, mais corajosa e alegre, mais
dinâmica e interventiva, mais fragante e mais santa, mais ágil e
dócil, mais atenta e carinhosa, mais jovem e mais serena, mais
transmissora da fé e mais pacificadora na hora da morte. Enfim,
poderia ser mais sábia e mais conselheira, mais cheia de ciência,
de entendimento e temor de Deus, mais forte e piedosa,
Agora
vou ler o texto. No final declararei, se conseguir, o adjectivo em
falta no citado título. «Fraterna». Julgo que o título completo
poderia ser: «A paróquia do futuro deve ser mais acolhedora e
fraterna».
E quem o disse foi o P. Francisco Garvía da paróquia madrilena de
Nossa Senhora das Delícias. Ora, pudera! Com uma Padroeira com
aquele nome eu compreendo-o bem e aceito que ele tenha autoridade
para dizer o que disse!
Máxima
«Não
há senão um caminho, o da cruz. Fora dele não há salvação. Mas
isto custa muito à natureza. É duro mortificar os sentidos, romper
com os mãos hábitos»
(B. Isabel da Trindade). Reconheça-se que a santa carmelita tem
razão, eu reconheço-o ainda que me custe. Mas ela não fala se não
o que fala o Evangelho. E o Evangelho é o caminho. A seguir.
Siga-se, pois.
Mínima
Ama
e faz o que quiseres.
[11
de Fevereiro de 2007]
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