Carta
Foram poucas as vozes que se ergueram contra o Holocausto perpretado
pelo Nazismo? Sim. Foram muitos os silêncios à sua volta? Sim.
Porém, conheciam-se algumas denúncias e doutras havia memória,
embora falhasse a sua sustentação efectiva. No passado dia 15 de
Fevereiro tornou-se efectiva a decisão de abrir o recheio do Arquivo
Vaticano aos estudiosos de todo o mundo. Ficou-se assim a conhecer a
Carta Lacrada da conversa judia e Carmelita Descalça Santa Edith
Stein.
Ela foi uma das poucas vozes católicas que se levantaram
contra o Holocausto. A sua Carta ao Papa Pio XI é uma denúncia do
silêncio cúmplice da Igreja Católica. Edith nascera judia e foi fiel à sua fé. Surpreendentemente, já
adulta, sentiu-se iluminada pelo encontro com o livro da Vida de S.
Teresa de Jesus e converteu-se ao cristianismo. Depois de baptizada e
da primeira comunhão dedicar-se-á ao estudo das Sagrada Escritura,
de São João da Cruz e de Santa Teresa de Jesus.
No dia 12 de Abril de 1993,
Quarta-feira da Semana Santa, onze anos depois do seu baptismo, Edith
Stein escreve ao papa Pio XI. A sua carta e a sua pessoa foram
apresentadas por uma carta de D. Rafael Walzer, prestigiado abade
beneditino de Beuron, seu director espiritual.
Em Roma, a meados de Abril, a carta
foi entregue em mãos ao Cardeal Pacelli, futuro Pio XII. Foi
portador da carta o próprio Abade Walzer. A doutora Edith aguardou
resposta do Papa, especialmente a condenação pública do Nacional
Socialismo de A. Hitler. Porém, de Roma o único que alcançou,
muito tempo depois, foi «uma bênção para mim e para os meus
próximos. E outra coisa não consegui.»
A sua carta é corajosa,
denunciadora e profética. Tudo se revelou como previra. Restou-lhe
acolher o martírio em comunhão e solidariedade com o seu povo
perseguido. Um dia, desde o convento de Echt, na Holanda, onde se
refugiara com uma irmã de sangue para escapar à garra da besta
Nazi, fez um voto de martírio: «Agora que são as doze quero
aceitar o martírio que me espera». Ela sabia-o e predissera-o
melhor que ninguém.
A Carta Lacrada é agora Carta
Revelada. Foi tornada publica no dia 15 de Fevereiro de 2003 quando
se efectivou a decisão de abrir aos estudiosos de todo o mundo o
conteúdo do Arquivo Vaticano.
Telélés
Os telemóveis servem para tudo, até
para bater recordes como aconteceu com as mensagens natalícias dos
portugueses no último Natal. Eles aproximam, dão segurança, matam
solidões, criam dependências, fazem parte das modas e tendências,
são irresistíveis, úteis...
Em Itália uma operadora decidiu colocar
orações no telemóvel e uma outra decidiu disponibilizar versículos
da Bíblia. Fantástico! Uns calam Deus, outros põem-no a falar. Uns
fecham-lhe a porta, outro a abrem-lhe os telemóveis. Uns retiram-no
da vida, outros deixam que Ele chegue ao coração entrando por onde
sempre entrou, pelo ouvido!
À entrada da minha igreja um
colaborador mais piedoso decidiu promover celebrações mais
pacíficas sem ser assaltadas por pela dita praga. E no placard lá
apareceu a mensagem zelosa: «Deus ainda não se comunica por
telemóvel. Desligue o seu p. f.». Parece que se enganou. Afinal
comunica-se mesmo...
Semente
S. Teresinha esteve de visita ao Iraque. Chegou a
Bagdade no dia 20 de Novembro de 2002, precisamente no mesmo avião
em que chegavam os inspectores da ONU. No dia 27 de Dezembro deixou o
Iraque. Durante o mês que visitou o país as suas relíquias foram
veneradas em 58 igrejas ou lugares de culto repartidos por Bagdade,
Mossoul, Ninive e Kirkuk.
No fim da visita o bispo Jean Sleiman escreveu uma
carta. Nela diz que Teresinha fora recebida como uma palavra de paz
para um povo ameaçado pela guerra. Quando as suas relíquias
partiram o povo iraquiano ficou sentido, mas continuava a senti-la
presente como um ciciar de esperança e paz interior.
Tal como o seu Jesus ela falou de paz aos homens,
embora eles apenas escutassem os tambores da guerra. A semente de paz
está lançada. Haverá terra disponível que não ficará
contaminada e endurecida pelo ódio e pelo terror das espingardas e
das facas?
Namorados
Em dez meses vou pela segunda vez ao
cinema. A cidade esta morta e fria, digo ausente para dentro de casa.
Enquanto cruzo passadeiras, canais e escadas pergunto-me por onde
andarão as pessoas. A verdade, porém, é que também eu não
costume andar por fora a desoras. Mas nas minhas cogitações
imagino-os algures entre sebentas e TPC’s, entre constipações e
depressões, entre o elo mais fraco da TV e a operação triunfo da
Internet. Cruzo de ponta a ponta todo o centro comercial e nada.
Vêem-se pouquíssimas pessoas nos restaurantes salvo... salvo numa
loja que está cheia de adolescentes. Penso: deve ser dos saldos!
Volto a pensar: mas era uma loja de bugigangas! Repenso novamente:
pois, amanhã é dia de namorados!
Dou um passo atrás e de relance todos
os bonecos me parece fofinhos; o vermelho é todo igual; o feitio tem
tudo de pouco criativo: o do coração. Mas amanhã é dia de
namorados. Será, penso resignado, parece-me, um dia com pouca
originalidade. Todos os bonecos serão fofos, vermelhos ou com fitas
vermelhas e todos soletram: amo-te!
Mas quem disse que o amor tem de ser
original? E por que haveria de sê-lo? Pelo menos a publicidade e o
marketing pensam que não.
Vendam-se os dias dos pais, mães, namorados e
aniversários, porque o amor é, simultaneamente, o mais e o menos
vendável. Pena é que aceitemos mesmo vendê-lo em saldo e ao
despilfarro.
1’ de sabedoria
Um aguadeiro transportava água do poço para a
aldeia todos os dias pelo mesmo caminho, carregando aos seus ombros
um pau na horizontal do qual pendiam nos seus extremos duas vasilhas
de barro. Uma era nova, inteira e reluzente, e o aguadeiro olhava-a
com gosto e orgulho; a outra, porém, era velha, ligeiramente furada
pelo que perdia água durante aquele lento caminhar. O aguadeiro
olhava a vasilha velha com pena, mas como não tinha dinheiro para
comprar uma nova pensava comprá-la no ano seguinte se conseguisse
poupar dinheiro.
Derreado, o aguadeiro fazia todos os dias o seu
caminho sob o peso das vasilhas, procurando que seus pés descalços
não escorregassem no terreno acidentado e irregular. Apenas erguia a
vista para a direita e para a esquerda. Porém, um dia, no final da
Primavera, parando surpreendeu-se com o que viu. Um lado do caminho
estava seco e poeirento, enquanto que o outro exibia uma longa fila
de flores, desde o início ao fim.
O aguadeiro compreendeu. A vasilha furada tinha
regado dia a dia esse lado do caminho; e, em resposta e com alegria,
o caminho havia florescido.
[9 de Março de 2003]
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