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terça-feira, 11 de junho de 2013

Notas de Roda-pé

Carta

Foram poucas as vozes que se ergueram contra o Holocausto perpretado pelo Nazismo? Sim. Foram muitos os silêncios à sua volta? Sim. Porém, conheciam-se algumas denúncias e doutras havia memória, embora falhasse a sua sustentação efectiva. No passado dia 15 de Fevereiro tornou-se efectiva a decisão de abrir o recheio do Arquivo Vaticano aos estudiosos de todo o mundo. Ficou-se assim a conhecer a Carta Lacrada da conversa judia e Carmelita Descalça Santa Edith Stein. 

Ela foi uma das poucas vozes católicas que se levantaram contra o Holocausto. A sua Carta ao Papa Pio XI é uma denúncia do silêncio cúmplice da Igreja Católica. Edith nascera judia e foi fiel à sua fé. Surpreendentemente, já adulta, sentiu-se iluminada pelo encontro com o livro da Vida de S. Teresa de Jesus e converteu-se ao cristianismo. Depois de baptizada e da primeira comunhão dedicar-se-á ao estudo das Sagrada Escritura, de São João da Cruz e de Santa Teresa de Jesus. 

No dia 12 de Abril de 1993, Quarta-feira da Semana Santa, onze anos depois do seu baptismo, Edith Stein escreve ao papa Pio XI. A sua carta e a sua pessoa foram apresentadas por uma carta de D. Rafael Walzer, prestigiado abade beneditino de Beuron, seu director espiritual.

Em Roma, a meados de Abril, a carta foi entregue em mãos ao Cardeal Pacelli, futuro Pio XII. Foi portador da carta o próprio Abade Walzer. A doutora Edith aguardou resposta do Papa, especialmente a condenação pública do Nacional Socialismo de A. Hitler. Porém, de Roma o único que alcançou, muito tempo depois, foi «uma bênção para mim e para os meus próximos. E outra coisa não consegui.»
A sua carta é corajosa, denunciadora e profética. Tudo se revelou como previra. Restou-lhe acolher o martírio em comunhão e solidariedade com o seu povo perseguido. Um dia, desde o convento de Echt, na Holanda, onde se refugiara com uma irmã de sangue para escapar à garra da besta Nazi, fez um voto de martírio: «Agora que são as doze quero aceitar o martírio que me espera». Ela sabia-o e predissera-o melhor que ninguém.
A Carta Lacrada é agora Carta Revelada. Foi tornada publica no dia 15 de Fevereiro de 2003 quando se efectivou a decisão de abrir aos estudiosos de todo o mundo o conteúdo do Arquivo Vaticano.
A carta encontra-se publicada em primeira mão na Revista Monte Carmelo, de Burgos. Confira em www.montecarmelo.com. Pode também ser lida em português em www.carmodeaveiro.org.

Telélés

Os telemóveis servem para tudo, até para bater recordes como aconteceu com as mensagens natalícias dos portugueses no último Natal. Eles aproximam, dão segurança, matam solidões, criam dependências, fazem parte das modas e tendências, são irresistíveis, úteis...
Em Itália uma operadora decidiu colocar orações no telemóvel e uma outra decidiu disponibilizar versículos da Bíblia. Fantástico! Uns calam Deus, outros põem-no a falar. Uns fecham-lhe a porta, outro a abrem-lhe os telemóveis. Uns retiram-no da vida, outros deixam que Ele chegue ao coração entrando por onde sempre entrou, pelo ouvido!
À entrada da minha igreja um colaborador mais piedoso decidiu promover celebrações mais pacíficas sem ser assaltadas por pela dita praga. E no placard lá apareceu a mensagem zelosa: «Deus ainda não se comunica por telemóvel. Desligue o seu p. f.». Parece que se enganou. Afinal comunica-se mesmo...

Semente
S. Teresinha esteve de visita ao Iraque. Chegou a Bagdade no dia 20 de Novembro de 2002, precisamente no mesmo avião em que chegavam os inspectores da ONU. No dia 27 de Dezembro deixou o Iraque. Durante o mês que visitou o país as suas relíquias foram veneradas em 58 igrejas ou lugares de culto repartidos por Bagdade, Mossoul, Ninive e Kirkuk.
No fim da visita o bispo Jean Sleiman escreveu uma carta. Nela diz que Teresinha fora recebida como uma palavra de paz para um povo ameaçado pela guerra. Quando as suas relíquias partiram o povo iraquiano ficou sentido, mas continuava a senti-la presente como um ciciar de esperança e paz interior.
Tal como o seu Jesus ela falou de paz aos homens, embora eles apenas escutassem os tambores da guerra. A semente de paz está lançada. Haverá terra disponível que não ficará contaminada e endurecida pelo ódio e pelo terror das espingardas e das facas?

Namorados

Em dez meses vou pela segunda vez ao cinema. A cidade esta morta e fria, digo ausente para dentro de casa. Enquanto cruzo passadeiras, canais e escadas pergunto-me por onde andarão as pessoas. A verdade, porém, é que também eu não costume andar por fora a desoras. Mas nas minhas cogitações imagino-os algures entre sebentas e TPC’s, entre constipações e depressões, entre o elo mais fraco da TV e a operação triunfo da Internet. Cruzo de ponta a ponta todo o centro comercial e nada. Vêem-se pouquíssimas pessoas nos restaurantes salvo... salvo numa loja que está cheia de adolescentes. Penso: deve ser dos saldos! Volto a pensar: mas era uma loja de bugigangas! Repenso novamente: pois, amanhã é dia de namorados!
Dou um passo atrás e de relance todos os bonecos me parece fofinhos; o vermelho é todo igual; o feitio tem tudo de pouco criativo: o do coração. Mas amanhã é dia de namorados. Será, penso resignado, parece-me, um dia com pouca originalidade. Todos os bonecos serão fofos, vermelhos ou com fitas vermelhas e todos soletram: amo-te!
Mas quem disse que o amor tem de ser original? E por que haveria de sê-lo? Pelo menos a publicidade e o marketing pensam que não.
Vendam-se os dias dos pais, mães, namorados e aniversários, porque o amor é, simultaneamente, o mais e o menos vendável. Pena é que aceitemos mesmo vendê-lo em saldo e ao despilfarro.

1’ de sabedoria
Um aguadeiro transportava água do poço para a aldeia todos os dias pelo mesmo caminho, carregando aos seus ombros um pau na horizontal do qual pendiam nos seus extremos duas vasilhas de barro. Uma era nova, inteira e reluzente, e o aguadeiro olhava-a com gosto e orgulho; a outra, porém, era velha, ligeiramente furada pelo que perdia água durante aquele lento caminhar. O aguadeiro olhava a vasilha velha com pena, mas como não tinha dinheiro para comprar uma nova pensava comprá-la no ano seguinte se conseguisse poupar dinheiro.
Derreado, o aguadeiro fazia todos os dias o seu caminho sob o peso das vasilhas, procurando que seus pés descalços não escorregassem no terreno acidentado e irregular. Apenas erguia a vista para a direita e para a esquerda. Porém, um dia, no final da Primavera, parando surpreendeu-se com o que viu. Um lado do caminho estava seco e poeirento, enquanto que o outro exibia uma longa fila de flores, desde o início ao fim.
O aguadeiro compreendeu. A vasilha furada tinha regado dia a dia esse lado do caminho; e, em resposta e com alegria, o caminho havia florescido.

[9 de Março de 2003]

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