Era uma noite quente e cansada. Não convidava à reflexão mas
a bebidas frescas e ao afago da brisa suave. Ainda assim, na passada
Quinta-feira, 18 de Junho, a Sala dos Terceiros encheu-se para escutar o Pe
Armindo Vaz, Carmelita Descalço, teólogo e biblista a quem a Academia bem
conhece mas desconhecido para os que vivem para além do claustro. Foi um gosto
ouvi-lo durante mais de uma hora naquela noite abençoada.Ficaram assim inauguradas As Noites do Carmo, que se espera
tragam no futuro quem nos faça pensar, nos centre nas pegadas de Cristo e nos
sintonize com o pulsar da história da humanidade e da vida da Igreja. O que propusemos ao Pe Armindo foi que nos falasse do depois
da celebração do Ano Paulino. E ele respondeu ao desafio fazendo-nos passar primeiramente
por um resumido e sumarento esboço da espiritualidade paulina. Aconselha-se vivamente a
consulta do blog da Comunidade e a estudar o breve resumo feito pelo próprio:
http://chamadocarmo.blogspot.com/2009/06/e-depois-do-ano-paulino_20.html.
O Apóstolo da comunicação
Julgo que até mesmo entre os que pouco sabem do Apóstolo,
dificilmente desconhecerão que foi este o maior propagador da notícia cristã.
Todos os outros (nada menos que doze!) falaram para dentro da tradição judaica
ou tardaram a sair das suas fronteiras culturais. Paulo destacou-se pela urgência de falar para fora. Foi esse
o seu carisma, é isso que todos podemos aprender dele: falar, falar para fora,
falar clara e corajosamente da salvação de Jesus, falar para quem desconhece
que ela é universal. Apresentar a proposta salvadora de Jesus nos sites, blogues,
twitter, hi5, mySpace, flickr e tantos outros canais é tarefa quase por
começar, inconclusa e que bem podemos aprender do espírito zeloso de Paulo, que
cruzou todas as fronteiras culturais do seu tempo, sem se dispensar de a todas anunciar com frescura a Verdade sempre
nova que todos anseiam.
Discípulo incansável e fiel
Era uma personalidade inadiável, inflexível, quase violento.
Pelas convicções a que aderiu perseguiu convictamente a Cristo na pessoa dos
discípulos, chegando a consentir na sua morte. Derrubado, porém, pela Luz e por
Ela iluminado o seu erro, foi um discípulo intransponível, um aríete incansável,
ardente como uma fornallha e manso como uma pomba. Bom conhecedor do excesso de ofertas sedutoras e enganosas
que o mundo sempre (e ainda hoje) proporciona aos que abraçam a fé em Cristo,
Paulo fala e incarna o que fala. Por isso, Paulo a si mesmo se ofereceu como
modelo de discípulo e de acção; disse: «Sede meus imitadores, como eu sou de
Cristo.» O tempo urge, a sementeira é sempre ali. Volvido o Ano
Paulino e a contemplação do modelo, urge, sem medo, imitá-lo, pois o Apóstolo
bem sabia que não basta falar é preciso trabalhar.
O sinal da Cruz
Paulo completa no seu sofrimento o que falta à Cruz de
Cristo. À primeira vista tal é inaudito e parece impossível, porém por ele é
visto como graça e missão de todos e para todo o sempre. Apedrejado, flagelado,
prisioneiro, marcado para morrer, doente, com lágrimas nos olhos e as marcas de
Cristo em seu corpo, Paulo sofre com um espinho na carne. Perseguido e fugitivo
escapou escondido num cesto, passou por perigos no mar, nos rios, no deserto,
nos naufrágios, foi incompreendido pelos irmãos de raça, pelos pagãos e pelos
falsos irmãos. Mas todo esse sofrimento lhe trouxe vigor, desassombro e ímpeto
missionário. Olhando-o só se pode enfrentar o futuro pedindo a mesma energia
indomável, a obstinação missionária, vontade férrea, ternura de mãe, calor
humano, generosidade de acção, oração e amor à Igreja. O Ano Paulino só pode
fortalecer-nos no compromisso de colaboração mais generosamente da salvação dos
irmãos pela comunhão no mistério pascal da Cruz do Senhor.
O fim das diferenças e assimetrias
É convicção de Paulo que a partir de Cristo já não existe
mais diferenças entre escravo e homem livre, entre homem e mulher, entre judeu
e grego, entre europeu e africano, entre detentor do poder e os deserdados
dele. Aos sem poder pede-lhes que acreditem na vida comunitária e
que sejam perseverantes na fé, e que pela união a Cristo se revoluciona todo o
sistema social que humilha e explora. Agora vivemos em Cristo, como explicou aos coríntios. Todos
somos filhos de Deus; essa é a nova condição que possibilita uma nova visão de
cidadania, pela qual ninguém é estranho a ninguém. Na verdade, sempre que se evidenciam as diferenças gera-se
divisão, estropia-se a harmonia e fere-se a comunhão e a fraternidade. Para o cristão não existe outro viver e consentir que o de
Cristo, e Cristo não pode dividir-se ou contradizer-se.
Depois do Ano Paulino, Cristo só pode crescer.
[ChamadoCarmo - 28 de Junho de 2009]
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