Poesia
Em Vila do Conde seis poetas bateram um recorde
mundial: leram poesia durante 54 horas e 19 minutos. O responsável
pela organização era barbeiro e eu vi-o na televisão a cortar o
cabelo a um poeta que lia poesia em voz alta.
Dizem que Portugal é país de poetas, embora não
seja muito dado a recordes. Por isso segui com interesse o desenrolar
da tentativa de recorde. Somos também um país de extremos: por uma
causa propomo-nos e batemos um recorde. E batido o recorde – quando
o conseguimos, claro! – olvidamos a causa, voltamos ao rame-rame
quotidiano e jamais nos passa pela ideia que além, e além de além,
existe sempre um outro recorde a abater, a ultrapassar, por que isto
de recordes e fronteiras devem colocar-se sempre ao nível do
utópico. Enfim, somos assim. Porém, como é curioso verificar que a
poesia possa entrar pelas nossas cidades e chegar às nossas vidas
para nos deixar mais bonitos, mais abertos ao utópico e também mais
humanos! O poeta-barbeiro que o diga!
Santos
Há dias o Delfim perguntou-me como se faz um
santo. Andei a investigar e a resposta foi por mail. Mas cometi um
erro. Esqueci-me de dizer-lhe – embora fosse implícito – que não
se faz um santo se ele antes não for santo. Quero dizer, a Igreja
não canoniza alguém que em vida não tenha vivido reconhecidamente
como tal.
Lembrei-me da história quando há poucos dias
celebrávamos o Centenário da Profissão Religiosa de Frei David da
Virgem do Carmo, Mártir Carmelita Português. Depois da celebração
ficou no ar a mais que possibilidade de fazermos um santo. Em vida
parece tê-lo sido. Alguém perguntava: a Igreja Portuguesa ver-se-á
enriquecida com a proclamação e o reconhecimento da santidade do
Frei David da Virgem do Carmo? Concerteza que sim. Sê-lo-á se quem
de direito assumir com a urgência e inteligência devidas as suas
responsabilidades, porque o povo simples e humilde de Semide, os
romeiros do Senhor da Serra e a o Carmo sabem que o seu sangue não
foi derramado em vão e por isso já lhe chamam Santo Frei David da
Virgem do Carmo!
Jornal
De Miranda do Corvo telefonaram-me para falar do
Mártir. Miranda do Corvo é o concelho natal de Frei David. E sabe,
nós já noticiamos as celebrações em torno ao frei David (60 anos
do seu martírio)! Eu tinha uma vaga ideia. Mandaram-me o Mirante e
leio que o Presidente das celebrações declarou à Rádio Renascença
«que a canonização é um processo longo e moroso e que se torna
necessário encontrar gente determinada e decidida que lute por uma
causa até ao fim». Afinal cometi dois erros, e aqui vão as minhas
desculpas ao Delfim. Não basta que o santo o tenha sido, é
necessário que alguém lute pela causa e mantenha a chama acesa até
ao fim.
Pés
Um santo não se faz, deixa-se fazer. Antes de lhe
pormos velas aos pés há-de ele por pés ao caminho e subir a
encosta da santidade, da renúncia do dia a dia; há-de abrir-se à
Palavra, manter-se fiel ao Evangelho, deixar-se guiar pela voz do
Espírito Santo. Parece fácil, demasiado passivo até. Pode parecer,
mas não o é concerteza. Exige muita abnegação, dedicação
constante, uma fidelidade atenta, um cuidado extremo.
No Verão cruzei-me com um dos maiores génios que
conheço. Sempre que vejo o homem me questiono como pode caber tanta
sabedoria num corpo tão pequenino. Por isso, ao saudá-lo atirei a
matar: «Ó Salvador, estás cada vez mais pequeno!»; «Sim filho,
respondeu-me, mas Cristo está cada vez maior em mim!». É isto um
santo, mais importante que as (im)perfeições é a presença de
Cristo na vida dele; mais importante que a pequenez humana é a nele
sempre crescente grandeza divina. Assim são os santos e os a caminho
de sê-lo.
1’ de sabedoria
Certo pregador costumava dizer: «Nós temos de
pôr Deus em nossas vidas!»
No fim da pregação o Mestre foi ter com ele, e
em resposta disse-lhe: «Deus já está em nossas vidas. O nosso
trabalho é só reconhecê-lo.»
[1 de Novembro de 2002]
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