Vallerini
Estava Itália posta em sossego e
rebentou uma bomba nos jornais. Há coisas que não lembram ao Diabo. E desta
também ele se não lembrou, claro. Um jovem italiano de 19 anos foi para o
Noviciado, queria ser frade! Até aqui nada que mereça ser notícia ou ser
comentado... Se dissermos que se chamava Victor Claudio Vallerini também não
vemos porque se haveria de noticiar, pois o nome é como muitíssimos outros: de
tão comum e banal não diz nada a ninguém. Mas o certo é que o anúncio de que o
jovem Victor Claudio ia para o convento escandalizou meia Itália e alguns
jornais até o insultaram. Chamaram-lhe louco a ele e a Deus! Mas que terá feito
o jovem para merecer tratamento tão cruel? Simplesmente decidiu abandonar a
vida que levava e trocá-la por outra. Uma tarde (isto só poderia passar-se de
tarde) aproximou-se do seu treinador e disse-lhe: «vou deixar o futebol (jogava
na Lázio de Roma) e vou para o convento porque quero ser frade».
Eu nem assim compreendo o escândalo!
Não consigo compreender porque há-de ser
notícia (e notícia escandalosa!) a ida de um futebolista para o seminário e não
ser notícia a interrupção duma carreira em arquitectura, engenharia ou
jornalismo para se consagrar a Deus! Deve dizer-se que a história de Vallerini
até é bastante comum. E também é certo que há no mundo juvenil muita bondade e
generosidade, muita radicalidade e entrega, e muitos (cada vez a maior maioria)
optam pelo serviço a Deus e aos irmãos por gosto, pela positiva, em liberdade,
por encantamento por Jesus...
É triste que a sociedade italiana se
tenha escandalizado com o chamamento de Deus a Vallerini. Tanto mais triste
quanto o jovem continuará a jogar o jogo da vida feliz no convento! E é um jogo
que não é para si, mas para os outros...
Oração
Senhor, eu quero ser como a bola de
futebol, disponível para todos e para cada um, que alegra e diverte todos os
que a usam, sobretudo as crianças.
Eu não quero causar nenhum mal a
ninguém.
Gostava de jogar não só porque me dá
gozo, mas também para fazer felizes os outros. Gostava de jogar não só no campo
mas na vida toda com espírito de equipa. Gostava de entrar em campo cheio do
teu bom espírito, de jogar para ganhar mas sem fazer rasteiras a ninguém, de
aceitar perder com dignidade e de ganhar com humildade. Gostava de ser um
jogador feliz.
Ajuda-me a dar o melhor que tenho, o
melhor que sou. Ajuda-me a jogar a vida como Tu, pelos outros. Ajuda-me a
encontrar a melhor estratégia para pôr todos os outros a jogar também.
Sê o meu modelo no jogo da vida. Faz
comigo o que quiseres. Estou disponível para jogar na Tua selecção. Se Tu
quiseres. Faz de mim um instrumento de felicidade.
Chesin
Chesin é coreana, sul-coreana.
Encontrei-a recentemente em Segóvia, cidade castelhana, junto à fonte de S.
João da Cruz. Nasceu há vinte e oito anos no seio duma família ecuménica. Aos
oito anos o pai, católico, deu-lhe a escolher a religião que queria seguir
(costumes bem diferentes dos nossos, claro...). Não escolheu nenhuma das
tradicionais nem dominantes da Coreia (Budismo, Xintoismo, Hinduismo). Escolheu
ser cristã. Poderia ter sido protestante, mas preferiu ser baptizada católica.
(O nome católico — Silvia — foi escolhido pela mãe por evocar um bosque típico
coreano onde existem umas árvores que crescem muito, crescem muito para Deus).
Mas o pai precisava duma justificação. Católica, porquê?, perguntou. Por causa
do sorriso de Nossa Senhora, respondeu. É uma resposta válida, disse o pai. E
ele mesmo lhe ensinou a catequese e a apresentou ao sacerdote para que a
baptizasse.
Durante muitos anos andou perdida. Tão
perdida que se aborrecia de andar perdida! Um dia encontrou de novo aquele
antigo sorriso que a cativara. Não hesitou: fez-se peregrina do sorriso. Estava
em Segóvia, sentada à sombra dos ciprestes do convento, junto ao túmulo de S.
João da Cruz onde aportara recentemente.
Lá diz o fado: tudo isto existe, tudo
isto faz sorrir, tudo isto é fácil! Ou parece.
Coração
Do coração jovem ao coração indígena,
assim titula uma revista espanhola a recente viagem papal que passou pelas
jornadas mundiais da juventude, em Toronto, e depois pelo México e Guatmala.
Entretanto, já se deslocou à sua amada Polónia natal para ouvir os seus
concidadãos dizer-lhe: «fica aqui, fica connosco»! Definitivamente este velho
papa tem um coração novo!
Um jovem dizia-me recentemente: «olhe
como o Papa gosta de nós. Repare como ele andava velho em Roma, e ganhou
vitalidade quando nos viu!» (E em Toronto ao descer do avião o Papa
surpreendentemente prescindiu da elegante escada rolante que lhe apresentaram e
desceu a pé a escada normal!...). É verdade. O Papa está no coração dos jovens
e ali faz estragos porque amor com amor se paga!
No México canonizou o primeiro indígena
americano, S. João Diego Cuauhtlatoatzin («a águia que fala»), e disse: «a
nobre tarefa de construir um México melhor, mais justo e solidário implica a
colaboração de todos. É necessário apoiar os indígenas nas suas legítimas
aspirações. O México precisas dos seus indígenas e os indígenas precisam do
México».
Em Toronto, antes de se despedir dos
jovens disse-lhes: «Se amais a Jesus, amai a Igreja. Não vos desalenteis por
causa dos erros e carências de alguns dos seus filhos». O Papa gosta dos
jovens. Os jovens gostam do Papa, deste Papa com coração que diz as verdades
mesmo que duras como pedras. «Sou um velho Papa carregado de anos mas com um
coração novo», disse-lhes também. Ainda bem que é um Papa de coração que nos
fala essas palavras que nos custam ouvir. Ainda bem que as diz com o coração.
Não por que fiquem menos duras, mas mais imperativas.
Foto
O JN e Público de hoje (19.VIII.2002)
trazem na capa a mesma fotografia. Num fundo avermelhado aparece, de perfil, o
rosto do papa. Vê-se o rosto e a mitra apenas, tudo o mais à frente, atrás e
acima é pano de fundo. Olhei-a num jornal e chamou-me a atenção, vi-a no outro
e não resisti. Que quererá dizer uma fotografia assim? Sim, que quererá dizer?
Talvez nos diga que o Papa se vai. Vai desaparecendo da
fotografia, vai saindo da história (mas não do nosso coração), desta história
de fins do século XX e inícios do XXI que ele ajudou a tornar mais humana e
mais de acordo com as exigências do progresso humano.
O Papa João Paulo II vai saindo da história, mas deixa-a
fecunda e incendiada de amor, como nos pediu no final do Jubileu dos jovens, em
Agosto de 2000. O Papa vai saindo da história mas deixa os jovens como pano de
fundo donde ressalta a sua imagem. Ali brilha o Papa, mas, incendiados por ele,
sobra um imenso pano de fundo de fogo. São jovens incendiados pela eficácia da
sua palavra e pela corajosa tenacidade com que enfrenta a vida.
Dentro em breve far-se-ão muitas tentativas de síntese do
seu pontificado. Eu arrisco uma: olhando o rosto do velho Papa vemos
inevitavelmente os jovens como pano de fundo. (Incendiados por ele) eles são já
o sal da terra, a luz do mundo e as
sentinelas do amanhã.
Há fotografias assim, têm tanto de profético como de
síntese duma vida.
1’ de sabedoria
Quando o mestre ficou velho e doente, os
discípulos pediram-lhe que não morresse. O mestre respondeu:
—
Se eu não morrer, como
conseguireis ver?
—
Mas, há ainda alguma coisa que
não vemos enquanto você ainda está no meio de nós?, perguntaram os discípulos.
A esta pergunta o mestre não respondeu. Por fim chegou a
hora da sua morte e eles insistiram na pergunta:
—
Mestre, que veremos depois de você morrer?
Com um sorriso nos olhos ele respondeu:
— Enquanto estava vivo tudo o
que fiz foi ficar sentado junto à fonte, passando para vocês a água que dela
nascia... Agora, depois da minha morte, espero que, finalmente, vós consigais
ver a fonte!
[26 de Agosto de 2002]
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