€urros
Chegou o Euro. Finalmente. Chegou o
euro, chegaram os €urros. Inevitavelmente. Um bar duma área de serviço das
auto-estradas francesas recebeu um pagamento em euros de brincar: eram do jogo
do Monopólio!; em Lisboa um restaurante pagou-se 600 contos duma refeição de
4.000$00; e no Funchal um outro pagou-se 3000 contos!; Lionel Jospin, primeiro
ministro francês, pagou dois ramos de flores a preços exorbitantes...
Aparentemente sem fazer contas!; o nosso ministro das finanças sabia a que
correspondiam 50 euros, mas já não sabia quanto eram 100!; e o balcão duma
instituição bancária austríaca entregou euros aos clientes a preços 25 vezes
menos o seu valor! Dizem que a SIC saiu por aqueles dias
à caça dos €urros. Andou a filmar e a interrogar velhinhas a contar euros.
Parecia o Minas e Armadilhas! Filmou muito, mas não muitos erros. Chegou o
euro, chegaram os €urros. E em boa verdade os €urros vieram de quem menos a SIC
esperava.
Geração
O Vicente Jorge Silva inventou a Geração
Rasca. Outros responderam dizendo que afinal era à rasca! O Carlos Cruz acaba
de inventar a Geração Fantástica. São meninos e meninas de dez/doze anos. Algo
há neles, na óptica de quem e de como os apresenta, que faz deles fantásticos.
Talvez estejamos mesmo contemplando uma geração fantástica que, a sê-lo, será
sempre devedora da actual. É fantástica até nos tiques que inevitavelmente
copia. Afinal é filha do nosso tempo, não haja dúvida.
Parece que o futuro está garantido. Há
matéria prima, faltará trabalhá-la.
Vi quase todos os testemunhos
fantásticos e parece-me que nem tudo vai mal. Temos um compromisso com o futuro
e existem as condições que impedirão de o falharmos. Mas como ninguém é
fantástico antes de tempo faltará sê-lo convicta e persistentemente. A ver
vamos.
Mestre
Como se abraça um mestre? Um destes dias
passava pelo Porto e já era quase noite. Numa rua com um jardim minúsculo mas
bem iluminado vi um velhote todo embrulhado no seu surrão escuro. Vi-o e tive a
tentação de lhe dizer que se animasse porque, afinal de contas a vida é bela e
o ano só tinha começado ontem... Pensei e ia a dizê-lo quando reparei que o
velho era o meu velho mestre R. Castro Meireles (um dos poucos a quem me atrevo
a chamar assim.). O diálogo foi assim:
-- (surpreso) Ó senhor doutor...
-- (surpreso também) Ó carmelitano!
-- O senhor está bom, sente-se bem?
-- E tu onde estás agora?
-- Estou em Avessadas. Sente-se bem?
Quer que o leve a casa?
-- Não. Não. Subi agora da ponte D. Luis
por aí acima. Parei aqui e estava a rezar. (Atrás havia uma trupe de outros
velhos a jogar às cartas.) E tu como estás?
-- Mas sente-se bem?...
-- Sim, sim... Parei só p’ra rezar.
Estava a rezar... Cuidado com os quarenta anos, cuidados com os quarenta
anos... Podes ir-te embora, fico aqui a acabar de rezar e já vou embora.
Ainda me ofereci outra vez para o levar
a casa. Mas não deixou. Só queria ficar ali a rezar por nós que andamos nos
quarenta anos. Despedi-me saudando-o mas sem o abraçar, afinal estava a rezar
por mim. Por mim que não sei como se abraça um mestre que está a rezar.
Xis
Há uma revista feita ao contrário das
outras. Ao menos é o que eu acho. É feita com fé, com amor e com muita
esperança. É feita pela positiva, a pensar em ajudar. E ajuda, ajuda muito. Sai
ao sábado juntamente com o jornal Público e chama-se XIS. A revista é
interessantíssima e como é feita ao contrário das outras serve, ajuda, sugere,
voluntaria-se, anima, encoraja, acalenta, arrisca, aponta caminhos e soluções.
Eu gosto da XIS, e não sou só eu. Quem a
faz também. Costuma dizer-se que as boas notícias não são notícia. A Laurinda
Alves acredita que a boa notícia é duplamente uma notícia. Ainda bem que assim
pensa. Porque do seu esforço e do esforço da sua equipa sai uma revista diferente
porque é capaz de anunciar boas notícias.
Vivemos um tempo anestesiado pelas más
notícias e pelos comentários que no dia seguinte elas provocam. Basta ouver os
telejornais e confrontar-nos com as tais conversas. E basta verificar o choque
que as más notícias já não nos provocam.
Uma revista como a XIS não deveria
existir. Quero dizer, não deveríamos precisar duma revista a dizer bem, a dizer
boas notícias. Não deveria existir simplesmente porque o que não precisamos
mesmo é de más notícias. Mas já que o nosso céu noticioso é tão escuro ainda
bem que lá apareceu uma estrela polar.
Escolinhas
Entrei para o Seminário tinha acabado de
fazer dez anos. Pouco depois só se aceitavam rapazes com 12 e mais tarde com
15. Agora preparamo-nos para aceitar com idades superiores. As coisas mudam, e
entre elas a disponibilidade das famílias em libertar os filhos para os
Seminários. Além disso o tempo da infância e da adolescência alargou-se o que
torna cada vez mais tardia as rupturas necessárias. Recordei-me disto quando há
dias vi uma reportagem sobre escolinhas de futebol. Não sei dizer mas talvez
fosse na França ou na Suiça.
A reportagem mostrou o dia a dia duma
dessas escolinhas, a captação de vocações, o acompanhamento, as práticas e
prelecções, os treinos e os estudos, as visitas às famílias e aos amigos, as
saudades das famílias e as dos eleitos, as lesões, as competições, os ciúmes,
os anseios, as esperanças, os sonhos. Havia uma ressalva, salvo dum ciganito,
de ninguém se dizia que pudesse vir a ser uma estrela.
Havia uma coisa que mantinha aqueles
adolescentes unidos no sonho: poder vir a brilhar numa constelação qualquer do
futebol europeu! Era isso que os fazia suportar todas as dificuldades que todos
diziam detestar.
Só não os vi rezar, porque se os visse a
caminho da capela diria que até parecia um Seminário.
Enquanto ia vendo a reportagem pensava
nas similitudes entre as escolinhas de futebol e os Seminários. Porém, as
primeiras são, sem dúvida, mais sedutoras que os segundos. As primeiras estão
cheias, os segundos vazios. E, sinceramente, não sei dizer quem mais falta faz,
se o sacerdote se o fazedor de sonhos que é o futebolista!
1’ de sabedoria
Disse o mestre a certo aluno que o
venerava com certo exagero:
-- Quando a luz iluminar um muro não
tentes venerar o muro iluminado. Venere antes a luz que ilumina o muro!
[21 de janeiro de 2002]
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