Ivan
Ivan é pedreiro. Ivan é ucraniano. O
pedreiro e o ucraniano são o mesmo Ivan Babchuk. Como muitos dos homens do seu
país aventurou-se, largou velas e zarpou. A aventura trouxe-o até nós. Algures
em Lamas, lá para os lados de Satão, Viseu, é o seu porto de acolhimento.
Ivan, o pedreiro ucraniano, é também
sacerdote. Só que ninguém sabia. Agora que toda a gente sabe o pedreiro
continua a ser sacerdote e a exercer como tal. E continua a ser pedreiro. À
semana trabalha como pedreiro, ao domingo reza a eucaristia na igreja local. O
padre Ivan não é sacerdote católico, mas o abraço do Pároco local foi
inevitável. Aceitou as portas abertas e entrou. Celebra missa para os
compatriotas. Diz quem nunca viu outras missas que a missa do padre
Ivan, sacerdote cristão ortodoxo, é diferente.
Nas missas do padre Ivan católicos e
ortodoxos dão-se as mãos, abraçam-se no mesmo abraço, rezam ao mesmo Deus,
comem o mesmo Jesus, honram o mesmo Cristo. Isto é, celebram no domingo o que
vivem à semana. Se à semana dão as mãos para amaciar a pedra porque não
haveriam de, ao domingo, celebrar o Senhor de todas as coisas?
O contacto com o diferente é por vezes
trágico. Aqui, pelo menos, por enquanto, mãos diferentes — à semana ou ao
domingo — dão-se, comungam-se, constroem fraternidade como quem, pedra a pedra,
vai erguendo em sua vida uma casa para Deus!
Belém
Foi em Belém que Jesus nasceu. Sabemos
que foi num buraco, rodeado por animais e pelo espantado de Maria e José. O
buraco onde Jesus nasceu é hoje uma basílica, um lugar sagrado para os
cristãos. Este lugar sagrado tem um nome: Basílica da Natividade.
Há dois anos, na praça que envolve a
basílica — a Praça da Manjedoira — o papa João Paulo II celebrou missa e
proclamou que «a mensagem de Belém é a boa notícia de reconciliação entre os
homens, de paz a todos os níveis de relações entre pessoas e as nações».
Passados dois anos não são palavras de
paz e reconciliação que se ouvem na Praça da Manjedoira. Ali ouvem-se tiros de
metralhadora e os potentes motores dos tanques israelitas. Lá dentro, no templo
cristão, estão duzentos refugiados árabes (há quem lhes chame «bandidos e
terroristas palestinos»); também lá estão uma comunidade de frades
franciscanos. Cá fora, à volta, em permanente vigilância estão os tanques e
soldados judaicos. Um templo cristão é albergue de árabes cercados por judeus!
As religiões são o melhor caminho para a
paz, mas no local onde nasceu o Príncipe da paz elas estão em guerra. Naquele
local sagrado os anjos proclamaram a paz aos homens de boa vontade, mas ali já
não se respira nem paz, nem cânticos de anjos e as corajosas vozes dos frades
andam assustadas.
Tiros
As notícias não são todas certas. As
certas dizem que recentemente os tanques bombardearam uma porta da Basílica e
provocaram um incêndio. O incêndio chegou a assustar, a porta foi arrebentada e
o templo violado. Outro tanque disparou contra a Virgem da fachada e estropiou
o rosto da Virgem e mutilou-lhe um braço. Alguém, a propósito escrevia: «A
Virgem perdeu um braço e o seu belo rosto está mutilado. Tornou-se uma das
centenas de mulheres palestinianas abatidas pelos judeus no decurso do presente
conflito». Não é exagero nenhum.
Outras notícias são mais incertas. Entre
os refugiados (alguns armados) já há mortos. Ao que parece um quereria render-se,
mas os soldados judeus jogaram pelo seguro: um palestiniano morto é de facto um
palestiniano rendido, e mataram-no. Mas há notícias de mais mortos abatidos nos
claustros da igreja. Decididamente as armas nunca falam de paz, nem podem nunca
honrar quem nasceu para a semear em todos os corações independentemente da cor.
Armas
Angola parece ser o reverso de Israel e
Palestina. Parece que vai vestir o fato da paz. Um alto dirigente da UNITA
questionado sobre o assunto disse que a paz com o governo angolano tem um preço
muito alto (afinal combateram-se durante pelo menos vinte anos!). Mas esse
preço alto é sempre mais baixo que o preço da guerra!
Não ouvi palavras tão sábias do outro
lado.
E que vão fazer às armas, perguntaram ao
mesmo dirigente. E ele respondeu: «armas? armas para quê? Quem precisa de
armas?». Ninguém precisa claro, mas eu sugiro que se faça com as armas o que o
profeta Isaías sonhou: sonhou que as armas eram transformadas em relhas de
arado, enchadas e pás, em ferramentas que matem a fome e tragam o progresso.
Bölöni
O senhor Lazlo Bölöni é treinador do
Sporting e provavelmente será campeão. Simão Saborosa é jogador do Benfica que
este ano já não conseguirá ser campeão. Simão é provavelmente o melhor jogador
do actual Benfica. Ultimamente Sporting e Benfica anda de candeias às avessas,
mas isso não são contas do senhor Bölöni e, vai daí, visitou o azarado Simão
que tinha sido operado a uma grave lesão. O homem que está a ganhar visitou o
que está a perder. Há muita gente que não compreenderá este estreitar de mãos.
Em metáfora de jornalismo desportivo
poderia dizer-se que o leão foi ao ninho da águia visitar uma das suas
estrelas. Em tempos de tanta inflamação é bonito saber-se deste gesto de
solidariedade entre dois adversários, não necessariamente inimigos. O futebol
também pode ser uma escola de virtudes, e pelo reflexo amplificado que tem na
sociedade deve ser, no mínimo, espaço de sã (con)vivência!
Feliz
O professor Moniz Pereira é um senhor.
Levou uma vida a escolher e a fazer campeões de atletismo. Parece que escreve e
faz canções e também as canta. É uma vida cheia que vale uma entrevista. Ou
muitas.
Numa entrevista perguntaram-lhe se era
feliz. Claro que sim, respondeu. E acrescentou: «Os que se dizem infelizes não
sabem viver». Com a idade que tem; com a experiência que tem; e com os frutos
que tem a carimbar-lhe a idade e a experiência não serei eu a contradizê-lo.
1’ de sabedoria
-- Eu desejo
aprender, pode ensinar-me?, perguntou alguém ao Mestre.
-- Não creio,
respondeu o Mestre, que você saiba aprender.
-- Então,
ensine-me!
-- E você
pode aprender a deixar-me ensinar?
Ao perceber
que os seus discípulos estranhavam as suas palavras o Mestre disse:
-- Todo o
ensino só começa a acontecer quando se começa a aprender. Mas a aprendizagem só
acontece quando se ensina alguma coisa a si mesmo.
[9 de Abril de 2002]
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