Montanhas
O ano de 2002 foi consagrado como o ano
das Montanhas e do Ecoturismo. É intenção primeira promover o contacto com a
natureza. E defendê-la também. Penso que é uma excelente ideia. Uns promoverão,
estou certo disso, o contacto com a montanha; outros chamarão a atenção para as
agressões de que ela é vítima. Creio que as duas acções são legítimas e
necessárias. Pela minha parte devo dizer que da minha janela vêem-se montanhas.
Mas as montanhas que vejo já não são as mesmas que eu via antes. Estão a mudar
muito as montanhas. Agora rebentam lá bombas e pouco a pouco vão aparecendo
feridas. Grandes feridas. É o que vejo. Onde antes via verdura e água
transluzindo como prata sob o sol de Inverno hoje vejo restos escuros de pedra.
E só podem ser grandes esses restos, por que a distância a que os vejo também é
grande...
É a febre do ouro em Marco de Canaveses!
Não é bem a do ouro, mas a da pedra. Claro que compreendo que se tenha de
trabalhar para “ganhar a vida”. E também compreendo que também aqui deve existir
a oportunidade de se ser rico. Mas o que já não compreendo bem é que a nós, cá
debaixo, só nos reste a possibilidade de contemplar os restos das entranhas da
montanha de Rosém...
Oração
Canta um poeta que quando a terra quis
rezar surgiram as montanhas. E tem razão. Só as montanhas sentiriam o apelo de
se elevar (e nos elevar) para o alto. São as montanhas como braços que a
natureza elevou para louvar o Autor da criação. Digno de todo o louvor é quem
criou a criação! E não podendo cantar com hinos nem com trinos a natureza
inventou as montanhas que se elevam para Deus. É o seu jeito de louvar,
elevando-se...
Sensível à beleza da criação S. João da
Cruz canta assim: «Ó bosques e espessuras, / plantados pela mão do meu
Amado, / dizei-me se por vós terá passado»... Há na natureza algo da beleza
de Deus. E quem passa pela natureza como que passa a caminho dAquele que por
ela primeiro passou vestindo-a de formosura, Deus! A natureza é assim espelho
da Sua beleza e possibilidade de bem nos caminharmos para Ele. Daí que menos se
percebam as agressões de que ela é vítima...
Retiro
O primeiro domingo da Quaresma fala do
retiro de Jesus antes da sua vida pública. Foram quarenta dias e quarenta
noites de deserto, de solidão! É extraordinário como o retiro está de novo na
moda! Novos e velhos não resistem ao apelo e retiram-se do bulício do dia a
dia, e às vezes do de fim de semana que não é menor. Os retiros dos velhos não
são como os dos novos. Os primeiros são mais certinhos, mais calmos, mais
ponderados, mais atentos, mais sintonizados. Os segundos são também
interessantes, levantam mais interrogações, explodem em energia, convicções e
generosidade. Não prefiro uns ou outros, ambos têm a sua beleza.
Porém, outro tipo de retiros começa a
ganhar terreno. São os retiros de silêncio. Durante um fim de semana
desligam-se os telemóveis, os televisores e telefonias, a internet e os
jornais... Não se fala, ouve-se. Não se comenta, silencia-se. Não se aprende,
abre-se o coração.
A Laurinda Alves, na última Xis fala
disso. Diz que são retiros que roçam a poesia e que curam! Ajudam a ouvir-nos e
a entender-nos; separam o principal do acessório e são de uma força tremenda!
Afinal de contas, é nos retiros de silêncio que ela tem encontrado as respostas
para os maiores mistérios da vida!
Quaresma
Há quem não goste da Quaresma. Lá têm as
suas razões. Acabamos de celebrar o segundo domingo quaresmal, o da
Transfiguração. A Trindade Santíssima revelou-se como o Deus fiel que cumpre a
sua palavra. Ficamos a saber que o futuro do homem fiel não é nem a ruína nem a
cruz, mas a glória. Que não estamos ameaçados de morte, mas de transfiguração.
E embora isto não elimine a sombra e a tentação, dá, contudo, sentido ao nosso
caminho ainda que caminhemos (quase só) de noite.
Domitília
É portuguesa, de Faro. Tem 46 anos, é solteira e
vive há 33 anos nos EUA. Primeiro lavou a roupa de emigrantes e deu explicações
de matemática, e à noite estudou com os pés metidos numa bacia de água fria
porque era preciso tirar vintes. Hoje gere fortunas, vive num apartamento
pequeno e as horas vagas oferece-as como voluntária. O mundo de Wall
Street, do Carnegie Hall e do
Metropolitan, e os sub-mundos da fome e do horror da Etiópia, Haiti, Angola,
Guiné não lhe são estranhos.
Chama-se Domitília dos Santos, deu uma entrevista a
Adelino Gomes publicada na Pública e diz coisas assim:
«[Quando fui trabalhar como
voluntária para a Etiópia] entrava no meu quarto às nove da noite e só podia
sair dele às cinco da manhã. Pedi uma tábua para dormir no chão, tinha ratos na
cama»;
«Para se ter sorte é preciso
trabalhar muito e bem»;
«Um homem ou uma mulher só
vencem com trabalho, trabalho, trabalho»;
«Há pessoas cuja vocação é
dar aulas a crianças. A minha é ajudar crianças e velhos a morrerem com
dignidade»;
«[Quando olho para o mundo
ocidental, penso:] Você está a discutir por cinco dólares, a discutir porque
não lhe deram não sei quê? É irrelevante. Na Etiópia as pessoas não têm nada,
pão, açucar, nada para comer»;
«Desejo ir à missa todos os
dias. Fico mal disposta quando não vou»;
«A pessoa rica é aquela que
consegue ser feliz gerindo o seu dinheiro»;
«O meu ídolo é Jesus Cristo.
E depois a Madre Teresa de Calcutá, Nelson Mandela, Martin Luther King, Gandi»;
«O meu lema é ‘faz o teu
melhor, e não te preocupes com o resto»;
«Actualmente quero aumentar
o negócio e ganhar menos. Para distribuir mais pelas pessoas à minha volta»;
«Rezo e conto em português».
Felizmente ainda existem
pessoas interessantes! Alguma destas coisas poderá ser afirmada logo à noite
por algum dos candidatos a Primeiro Ministro?
1’ de sabedoria
O Mestre parecia que frequentemente
desencorajava os seus discípulos a viver dependendo sempre dele. É que o Mestre
sabia que caso isso acontecesse eles jamais conseguiriam entrar em contacto com
a Fonte interior.
Por isso, um dia, disse-lhes o Mestre:
-- Existem três coisas que, estando
perto de mais são nocivas; e estando longe de mais são inúteis. Devem,
portanto, ser mantidas a uma distância média. São elas o fogo, o governo e o
director espiritual.
[26 de Fevereiro de 2002]
Sem comentários:
Enviar um comentário