Solnado
O senhor Raul Solnado cumpriu cinquenta
anos de vida artística. Houve o foguetório do costume, mas talvez não tanto
como mereceria. Registo apenas um breve declaração sua «em cinquenta anos
aprendi a dizer “não” e foi isso que me fez chegar até aqui». Também o ouvi
dizer não ser rico, que escolhera o outro caminho, e que era isso que o fizera
chegar às bodas de ouro com uma imagem inatacável. Lá terá razão. Se o diz é
porque tem razão.
Não posso deixar de destacar a humildade
da afirmação: aprendi a dizer “não”, e em consequência sou pobre... Mas está no
coração de todos nós, concluo eu!
Por estes dias lia algo parecido. Era
uma reflexão sobre o saber dizer “não” quando deve dizer-se não, ou dizer “sim”
quando é de se dizer. Sobretudo, espelhando-me na reflexão de R. Solnado, penso
ser nosso dever reflectir (e dizê-lo urgentemente aos nossos jovens) sobre o
drama da nossa sociedade que nos prepara para a aquisição e não se atreve a
falar e a propor o despojo; que nos amestra para a acumulação e a posse de
coisas e mais coisas (e de pessoas e ideias), mas nunca nos ensina o
desprendimento! É verdadeiramente espantosa a simplicidade da resposta à
pergunta por que não temos mais Solnados em todas as áreas da nossa vida
colectiva!...
Martínez
Ainda é jovem e tem duas filhas que
vivem longe. Actualmente vive em Espanha, mas já residiu nos EUA «onde tinha
tudo»... É calmo, tranquilo, comedido. Durante cinco anos e meio esteve preso,
três dos quais no «Corredor da morte» à espera duma injecção letal que nunca
chegou porque se descobriu o erro judicial e foi ilibado. Na prisão estudou
Ciência Política e Teologia.
Como é que, na prisão, se vive e se
resiste à espera da morte? Joaquín José Martínez resistiu confiando. Sempre
confiou e confessou corajosamente a sua inocência. Confiou em si, e sobretudo
em Deus. Veja-se:
«Deus é tudo para mim. Ele é a vida.
É fácil de dizer isso, mas a verdade é mesmo essa. Se não acreditasse em Deus,
se não confiasse que Ele me ajudaria, que sempre estaria a meu lado eu teria
ficado louco»!
«Com tantas horas para pensar como as
que tive alcancei um contacto pleno comigo mesmo e com Deus».
«Acreditar é a única maneira que
existe para se continuar a viver quando a linha do horizonte é a cela da frente
e se tem data marcada para morrer».
«Hoje estou vivo [na terceira parte
da minha vida] e é apenas isso que conta»!
Hoje vive em Espanha. Livre. Vive a
terceira parte da sua vida com a consciência de que é pequenino, mas vive
calmo, sereno, comedido e sem raiva. Porque existe só Um que pode preencher a
nossa necessidade de posse.
Divinus
Apareceu aí nos escaparates um disco com
«sucessos portugueses». O autor é o grupo Divinus. O disco está no top por uma
de duas razões e até talvez pelas duas, e quem sabe, até talvez por outras... A
primeira tem a ver com o nome que remete para o além, para o sublime, para o
diferente, o inusual e o sagrado. A segunda porque os sucessos são
interpretados segundo o modelo do canto gregoriano. Depois, claro, a palavra
«sucesso» é em si apelativa, logo também ajuda a subir no top. Dizem os
entendidos que os sucessos foram bem escolhidos e bem interpretados. Só que
aquilo não é canto gregoriano, é outra coisa.
Mas a coisa resultou.
Estes «sucessos» têm duas virtudes. Uma
é a de chamar a atenção para essa grande música que é o canto gregoriano. Outra
é que é sempre preferível ouvir interpretações originais do gregoriano, aliás
disponíveis nas discotecas, porque, essas sim, revelam toda a espiritualidade e
transcendentalidade que vai falhando aos nossos dias. Valerá a pena ouvir os
Divinus?, talvez. Mas melhor que a água do cântaro é a da fonte!
Votar
Domingo há eleições. A democracia não é
possível sem exercermos a nossa obrigação cívica depondo o nosso voto na urna.
Por isso, domingo vá votar. Não votar é votar no partido da abstenção. E a
abstenção é a negação da democracia. Exerça o seu direito, cumpra o seu dever.
Não nos deixe governados por alguém que não venceu o partido dos que se negam a
construir a democracia, a abstenção.
Vitória
Em Nova Iorque onde antes estavam as Torres Gémeas
estão agora dois enormes fachos de luz. Excelente ideia. Já muitos haviam
referido que a vitória fora derrota. Os EUA não se amedrontaram e ultrapassaram
por cima aquele drama enorme.
Mas resistir à tentação da reconstrução das Torres
foi uma vitória maior ainda. Nem construir umas torres ainda maiores seria
vitória tão grande. Onde uns semearam escuridão outros fizeram renascer luz;
onde reinou a morte impera agora a luz. Honraram-se os mortos com dignidade e
ilumina-se a memória dos vivos. Olhando aqueles dois enormes fachos de luz
todos seremos impelidos a dizer «Nunca mais»! Parece-me uma excelente ideia.
Quem poderá agora derrubar a luz? Que aviões ou que armas, que idologias ou
fanatismos poderão derrubar a luz? Quem poderá apagar a memória de tal horror?
1’ de sabedoria
O Mestre tinha um discípulo obcecado
pela ideia da vida após a morte; um dia disse-lhe o Mestre:
-- Porque vives perdendo o teu tempo
pensando no que vem depois da vida?
-- Mas, é impossível não pensar.
-- É claro que é possível não pensar.
-- Mostre-me então, desafiou o
discípulo, como se pode viver não pensando no que vem depois da morte?
-- Simplesmente vivendo o céu na terra!
-- E onde está o «céu na terra»?
-- está á sua volta, aqui e agora!
[12 de Março 2012]
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