É preciso
imaginação!
Como um rio entrando no mar continuo o
texto anterior. Vimos ali o confronto das atitudes de entre quem arrosta as
responsabilidades e assume os compromissos, normalmente vencedor; e quem se
esgueira como uma enguia e os evita, como perdedor. A referência é sempre ao
campo da fé, embora ali o exemplo viesse de outros campos.
Na fé como na vida e em tudo havemos de
lutar, como hoje se diz, por aquilo que acreditamos, e defender o irmão que nos
coube por companheiro de caminho. Tenho consciência que nem sempre é fácil. Aliás,
a sementeira do campo da fé nunca foi fácil. Hoje, talvez, ainda menos fácil.
Talvez por isso o assunto que hoje vos trago mais me conforta. Fala dos
perdedores que fazem da derrota um trampolim. Para esses como para os apóstolos
as derrotas nunca o são.
(Declaração de interesses: Não confio em
vitórias anunciadas.)
Vamos a um exemplo. Conheci hoje um padre
mais velho que eu. Passou fome. Nos seus primeiros tempos de cura comeu o pão
amargo que a fome (não) coze. Para sobreviver, entre outros ofícios, andou a
vender livros de porta em porta: É preciso imaginação! Vender livros em terra
que não se dava às letras como então não se cedia espaço às silvas!
Acredito nele, pois não tem por que mentir.
Imagino aquele padre de lábio fino a
vender livros de porta em
porta! Imagino o quanto a necessidade lhe aguçou o verbo, lhe
burilou o adjectivo, lhe firmou o essencial. Imagino-o hoje, padre, pregador,
apóstolo: quanto cresceu só porque, sendo sacerdote, ganhou a vida com o suor e
a argúcia de humilde vendedor de livros a cabouqueiros iletrados!
É preciso coragem!
Tem o seu quê a história, porque, afinal,
ela vem ao encontro do que li algures. Li sem pretensão um texto banal.
Daqueles que se lêem desprendidamente, mas com a quase certeza de que um dia a
leitura servirá para algo. Li e aprendi que para vendedor não serve qualquer
um, sobretudo não serve alguém de nervo mole. Veja a cena: O vendedor vai subindo
a rua – para mais, subindo! Está convencido que o produto que tem para vender é
bom; tem, porém, de tocar às campainhas, apresentá-lo e vendê-lo a quem não
precisa dele! Com que forças resistirá ele quando lhe disserem não, não não
quero, desculpe mas não quero? Como ficaria você se uma e outra vez e uma
terceira lhe repetissem: não!?
Dizem os gurus de vendas que a venda se inicia
exactamente quando se recebe o não. Que raramente quem vende, sobretudo em
venda ambulante, a primeira coisa que vê ou ouve da putativa parte compradora é
um sorriso e um sim. Raramente. É mais fácil corresponderem-lhe com um bater da
porta na cara, ou um berro mal grunhido, um fastio não disfarçado, um resmungo
ensonado. Quem não deprimiria com tantos e tão repetidos nãos?
Não é palavra fundamental na venda. Já
agora, na evangelização também. É disso que quero falar. Para os vendedores a
oportunidade de negócio começa quando o cliente diz não. Começa aí, por assim
dizer, a estratégia de venda. Ou seja, um apóstolo deverá antecipadamente saber
que a primeira resposta ao seu trabalho evangélico é não. E depois do primeiro
poderá vir o segundo, pelo que está proibido de desistir. Quem percorre os
caminhos com o Credo na boca e o Evangelho no coração deverá saber que por mais
custoso que seja o caminho e por mais duro que seja o anúncio, quem o ouve não
está preocupado com o seu cansaço ou abatimento, nem à espera do seu anúncio,
isto é, do seu produto!
Qualquer vendedor ambulante sabe que jamais
é esperado ou desejado. E quando abrir a boca lha hão-de querer fechar. Será
interessante, portanto, percorrer as condições do bom vendedor, ou apóstolo,
como aqui nos interessa:
O apóstolo deve sempre cogitar que o
mercado está contra si, por maioria de razão em tempo de crise! O produto é
bom, é certo, mas é abundante a má cara que o vai enfrentar. Ao ouvi-lo as
pessoas não engancham na bondade da oferta, mas na dureza dos seus próprios problemas.
Por isso, nem pense em deixar de sorrir quando lhe fizerem má cara. Não digo que
deve auto-motivar-se, mas consciencializar-se de que o Evangelho é mesmo a boa
notícia de que as pessoas necessitam;
Urge também ser-se abnegado. Quando o sol
vai escaldante e alto é preciso subir à mais alta montanha, se é lá que se
encontra quem nos possa ouvir. Ou o contrário. O apóstolo tem de andar e falar
muito em contraciclo. Quando a maioria vai para a praia também ele vai para a
praia, mas tem de deixar de lado os seus interesses para centrar-se nos de quem
apenas veio para gozar o calor do sol e o azul do mar, e a quem ele deve
anunciar. Fala, sim, e anuncia salvação, mas deve falar centrado nos problemas
de quem não quer ouvir;
Se a oferta que o apóstolo apresenta não é
desejada e ainda por cima leva rótulo de incomodidade, então urge que sejamos
claros ao falar. Quem fala deve saber do que fala. Quem oferece Evangelho a
quem tem de desapossar-se do que colide e até impede o florescer do Evangelho, deve
falar claro sabendo como oferecer um tesouro que poucos, à primeira vista, se
dispõem a reconhecer como tal;
Penúltima e a mais óbvia de todas: só se
pode anunciar bem um produto que já se provou e do qual se gosta. Só a
convicção pessoal pode convencer os demais. Como convenceremos se não estamos
convencidos? De facto, se quero infundir uma certeza, tenho eu, primeiro, de
estar convictamente firme e certo!;
A quinta estratégia é a de convencer que o
produto além de bom tem boa assistência. Se acontecer a um bom o que acontece
aos maus – que avarie – então deverei conciliar a oferta do produto com um bom
serviço de apoio ao cliente, que ajudará a melhor rentabilizar o investimento. Todo
o cliente precisa de acompanhamento, e um bom apóstolo tem de saber prever as
dificuldades por que podem passar – ou estão a passar – os que lhe acolhem o
testemunho sobre Jesus.
Falo isto por causa dos nossos jovens. Mas
não só. São estratégias sábias, como aquela de Paulo que diz que devemos
anunciar a tempo e a destempo. Porém, nunca me esqueço da muito oportuna que
ele ensinou a Timóteo: evita o palavreado e com esses não percas tempo!
[18 de Janeiro de 2012]
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