O discurso de
André
Ao concluir a Missa de encerramento da JMJ
de Madrid, dirigindo-se aos jovens portugueses presentes, e por eles aos demais
jovens católicos lusos, o Papa disse-lhes: «Foi para este momento da história, cheio de grandes
desafios e oportunidades, que o Senhor vos mandou: para que, graças à vossa fé,
continue a ressoar a Boa Nova de Cristo por toda a terra».
E
os nossos bispos reunidos em Fátima escreveram no passado dia 10 de Novembro
aos nossos jovens, dizendo-lhes: «a
Pastoral Juvenil não é somente encontros, festas e jornadas mundiais. O
programa que esses acontecimentos suscitam, deveis vivê-lo no dia a dia.»
Não.
Pois não, a pastoral não é só festa. Para verificação do caminho a seguir, o
Papa propõe o seguinte programa para os próximos anos: firmar a fé no Senhor,
alegrar-se no Senhor, fazer novos discípulos para o Senhor. É um programa
exigente que temo poucos leiam apesar de tantas postagens em blogues e
facebookes.
Vivemos
de fragmentos, num tempo de estilhaços. Mas é aqui que vivemos e é para esta
realidade que, qual fermento, somos enviados, a fim de que também nos
fragmentos e nos estilhaços ressoe a Boa Nova da salvação de Jesus. É um tempo
de instabilidade, de itinerários pessoais e institucionais confusos. (Será que
é por aqui, perguntamo-nos; ou nem é por aqui nem por acolá e o melhor é ficarmos
sentados?) Num tempo com estas coordenadas quem mais sofre é a interioridade, a
religião e a cultura, as perspectivas comunitárias, as tradições, as
instituições. Por que hei-de ter fé – e sobretudo vivê-la em comunidade –, se o
clima é propenso ao anonimato? Porque hei-de comprometer-me com algo se os dias
se regem pelo individualismo, pelo safe-se quem puder e pelo irei quando me
sentir bem? Por que hei-de enraizar-me em algo se já não há senhores nem leis
universais? Por que se há-de revisitar a fonte onde os nossos avós beberam se a
publicidade oferece água com sabores exóticos? Por quê apostar num grande
desígnio que a todos toque se o mais comum é desconfiar de quem proponha
valores perenes?
Eis
a razão por que tanto me surpreendeu o discurso de mestre André.
Foi
de todo inesperado. Porque é um jovem, porque não estamos habituados a crer que
os actores do futebol (nacional) pensem. Ou se pensam, pensamos que apenas pensam
com as pontas dos pés!
André
foi na última época desportiva o treinador principal da equipa sénior do
Futebol Clube do Porto. Ganhou quatro em cinco troféus possíveis. Para os fiéis
indefectíveis tornou-se um deus. Quando abruptamente abandonou o clube porque noutro
lugar lhe pagavam melhor converteram-no em diabo. (Claro está
que a maioria lamentou não estar na cadeira dele! Porém, ele não é nem deus nem
diabo!)
Meio ano depois o clube homenageou-o, e
ele, com classe, leu um pequeno discurso de três minutos que me tocou, porque,
afinal, há quem no mundo do futebol pense com algo mais que as chuteiras. Não
agarrei o discurso todo, mas aqui vai o que a mim mais tocou: «Cheguei à conclusão que o portismo esteve
sempre presente na minha vida. É um sentimento de emoção, revolta, desejo,
ambição. Sentido comum, sentido de união, empatia e reconhecimento.
Não
há derrotas quando é firme o passo. Ninguém fala em perder, ninguém recua.
Ninguém
recuava, sonhávamos, acreditávamos sempre mais e depois seguíamos convictos.
Dúvida? Não, mas luz, realidade e sonho que a luta amadurece.
Apoiados
no talento e na sabedoria de cada um avançámos.
Temos
uma emoção transmitida pelo gesto, pelo olhar. Há um esforço comum, todos
dependem de todos. O esforço de um contagia o esforço de todos.»
O discurso de André Villas-Boas deveria
ser de leitura obrigatória em muitos lugares: nas escolas, nos governos, nas
igrejas, nas catequeses e nos escuteiros, nas empresas e nos sindicatos, por
quem nos governa a qualquer nível: bispos, sacerdotes, professores,
catequistas, presidentes de câmara, governos, troika, empresários. E também por
quem nada manda. Há neste discurso tudo o que é preciso para fortalecer e
motivar um grupo de trabalho, vista que camisola vista.
Camões disse não sei de quem, que «fraco
rei torna fraca a gente forte»; mas sei que de quando em vez surge um «rei
forte [que] torna forte a fraca gente.» O discurso de AVB é desses que torna
fortes os fracos. Há nele uma força mobilizadora, uma lava indomável que deveria
ser ouvida por uma nação em crise, desconfiada e desalentada; para ser ouvida
pelas Igrejas, pela nossa Igreja que se vai esvaindo, donde tantos cristãos se retiram
à sorrelfa. Alguém deveria erguer a voz e dizer que o esforço de um punhado (ou
de apenas um) deve motivar o esforço de todos; dizer que somos uma comunidade,
um povo que caminha, que tem uma estrutura que exige de todos um esforço comum
porque todos dependem de todos. Eu de ti, tu de mim. Quem manda de quem
obedece, quem obedece de quem manda.
Neste tempo de individualismo e de
estilhaços, haveria de erguer-se o nós, o todos, o comum, o coro. Neste tempo
mole e de descompromisso haveria de erguer-se o valor do passo firme e do
ninguém recua.
Não creio que o singular se deva diluir
sem mais no comunitário. Não. Mas creio que todo o AVB sabe que alturas há em
que devemos motivar o coro e noutras os solistas. Que se os solistas se arrimam
o coro se empolga! Porque o esforço contagia e o exemplo ilumina. Essa é a meu
ver a tarefa do capitão de equipa: motivar, carregar, segurar o bastão e
congregar. Cimentar a coesão evitar o desagregamento. Num grupo ou numa
comunidade não existem indivíduos a mais, porém é necessário fazer com que cada
um assuma em si a força agregadora do conjunto e trabalhe para arrimar o comum.
É certo que ninguém nasce feito. Nem o
santo nem o treinador de futebol. Que cabe à comunidade construir os que se
aproximam e se vão iniciando em torno a um projecto comum. Não é ainda o tempo
de entregar isto aos velhacos nem de o abandonar aos amorfos.
Isto digo eu que não sou nenhum AVB. Mas, visto
que é Advento valeria a pena parar para pensar e para remontar.
[27 de Novembro de 2011]
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