Carta a J.
J.,
Sei que não aprecias estes gestos, mais a mais se
são públicos. Mas crê que o faço não tanto por ti, mas por aqueles tantos que
trazes pelos caminhos do coração e a ti te levam também. É a pensar neles por
ti que te escrevo com o coração.
Também te devo confiar que sempre fico à nora, quando
recebo a mais que prometida ameaça do Pe. Leal convidando-me a esparcir letras
em duas páginas brancas do Mensageiro. Quando me chega o fatídico mail, pumba!,
lá se vai a ilusão de que se tenha esquecido de mim. Aceita, por isso, carregar
comigo esta cruz. Aceita esta carta e guarda-a, para um dia, mais calmamente,
falarmos sobre ela.
Pelo canto do olho apercebi-me por estes dias dum
filme que irei ver só. O nome do filme é: Encontrarás Dragões, e, ou me engano
ou retrata a vida dum santo. Um santo quase do nosso tempo e muito pouco
consensual na nossa Igreja.
Não tenho certezas disto que digo, porque me
apercebi dele enquanto trocava dois dedos de conversa no recreio da comunidade.
Mas o certo é que dragões e santos casam bem e é bem plausível que caminhem a
par.
Por ora não estou seguro que o filme seja a
biografia dum santo. Mas um título assim é um arranque hagiográfico fortíssimo,
e isso inspira-me a escrever-te! Se assim for, isto é, se se tratar da
biografia do tal santo, não sei se a sua comunidade validou o título e o
relato, nem isso me interessa. O interessante para mim é escrever-te agora,
agora mesmo que me encontro espevitado por tão sugestivo título.
Sabes, J.,
já nos conhecemos há algum tempo, o suficiente para que eu te diga ou fale livremente
em dragões. E sei que falando-te assim não vais imaginar princesas prisioneiras
em castelos à espera de cavaleiros em aladas montadas e de armaduras fulgentes.
Tu já passaste a fase das princesas. Sei, por isso, que posso falar-te em
dragões e que compreenderás o que quero dizer-te. Sei que sabes que eles
existem, que nos povoam os sonhos, nos turbam as andanças, nos tiram do sério,
nos tolhem os passos. Sei que sabes que há dragões e dragões, por isso te
escrevo.
A tua
vida jovem é uma vida na Igreja de Jesus, isto é, compassada com o sentir e o
servir da nossa Igreja. Sinto isso e nisso não me engano. E é também por seres
dos amigos de Jesus e até líder deles, que eu te quis escrever esta carta
aberta.
O encontro com os dragões não é
privilégio dos jovens, mas de todos os discípulos do Senhor. Porém, é a ti que
me dirijo. E dir-te-ei que os há externos a nós e outros que brotam de dentro.
Por exemplo, há um dragão que se chama Não: Não Sou Capaz! E em alguns lugares
tem ainda nomes como Não Tenho Jeito, Não tenho Tempo ou Isso Não é Para Mim.
Os nomes variam, mas o medo que infundem é o mesmo. Sei que te confrontas
frequentemente com esse dragão. Sei que sim porque mo disseste e porque por
vezes o vejo na tua cara. Mas, sabes, não é tanto assim. Deixa até que te diga:
J., esse dragão não existe! E se
existe é porque deixas que exista! E se tanto te assusta e aumenta é porque lhe
dás espaço, o deixas entrar, lhe conferes existência acreditando que existe.
Sim, não tenhas medo. Não estavas comigo neste domingo quando Jesus, no
Evangelho, prometeu aos discípulos que faríamos as obras Dele? É isso! Confia.
Esta é a hora dos discípulos, sejam grandes ou pequenos, santos ou quase. Quem
poderá dizer que não é capaz? Olha olhos nos olhos o Evangelho de Jesus e
diz-me como podes dizer que não és capaz? Sim eu sei que encontras muitas vezes
esse dragão. Mas em quem confias, no dragão que te assusta ou nas palavras de
Jesus? Já viste, certamente, nas tuas passeatas, os penedos escalvados das
montanhas. Estão ali como sentinelas. Parece que nada mais fazem que isso, mas
se os visitares verás que na primavera esses rochedos duros dão flores que
brotam das pequenas fendas e cavidades onde se acumulou algum pó e humidade!
Oh, J., J., não vês esses penedos onde dançam flores? É certo que por pouco
tempo; mas quem, no inverno, diria que deles nasceriam florinhas que adoçam o
olhar do Pai do Céu? Ah!, meu Deus, se dos rochedos despontam florinhas, quanto
mais de ti não hão-de sair obras e palavras belas que louvem a Deus e nos
levarão contigo a louvá-Lo também!
Esse dragão e outros da mesma estirpe,
que eu saiba, não existe. Matei-o eu. E tu poderás matá-lo também no próximo
encontro.
Sim, eu sei. Há também dragões que te
acossam desde fora. Chamam-se Ainda e são falsos espantos e reles admirações
escarninhas. Dão por nomes, como: Ainda Vais à Missa!, Ainda Rezas! Ainda Ligas
aos Padres! Ainda Vives na Idade Média!. Pois é, eu sei. Somos muito
condicionados desde fora e para sermos aceites temos de já não ir à Missa e por
aí adiante. Eu sei que este dragão é terrível, que te crava as unhatas
horrorosas, que te rasga com a língua afiada, que te fuzila como um basilisco.
É triste que para se estar bem, ser chic
ou estar in não se possa cheirar a
incenso nem a água benta! Nem ter antes recitado orações!
É míope, esse dragão! Tem, contudo,
um poder irresistível, uma confiança inabalável e ostraciza como ninguém. Diz
que o tempo cristão acabou e que vinte séculos foram suficientes para provar o
que poderíamos mudar. Desse já eu cuidei também. Sabes como? Regresso mais uma
vez ao Evangelho de Jesus que diz que na Casa do Pai há muitas moradas. A modo
imperfeito vejo a Casa do Pai como um extensíssima montanha cheia de pequenas
cabanas ou moradas. Cada uma com o seu caminho para lá chegar. Muitas moradas,
muitos caminhos. E então penso, porque não hás-de pensar assim nos teus
sobressaltos com os Ainda: – Poxa! Na nossa história nem tudo foi mau ou está
definitivamente perdido! E há ainda muito por fazer ao longo do caminho da
história!
Ânimo, pois! Coragem! É sempre
possível fazer melhor, caminhar melhor, servir melhor, sorrir melhor! Convence-te
de que tens de seguir em frente com garra de carmelita, venha o que vier, suceda
o que suceder, voe quem voar! O caminho é para fazer, quer tenha dragões ou não!
Por isso, hás-de pensar e acertarás: – Por que hão-de sempre azucrinar-me a
cabeça? Por que hão-de tolher-me os passos e ceifar-me os desejos de me dedicar
à causa de Jesus?
Sim, é isso. Se os caminhos são
muitos, porque hão-de invadir constantemente o teu? Não lhes basta o deles?
Bem, J., o assunto a ficar assim fica um pouco agreste. A verdade, porém,
é que as moscas se caçam com o azeite. E os dragões também. Fica por isso aqui
um pingo dele, cheio de suavidade: se os caminhos são muitos, porque não hão-de
eles mudar de caminho por causa do amor forte, que apesar de tudo, a tua
amizade lhes tem? É que tens mesmo jeito e coragem para isso! Já pensaste nisso
sem medo?...
Fico-me por aqui, porque o papel se
me acabou. Porém, como os dragões são muitos, e muitas vezes te encontrarás com
eles, não te admires se mais além nos cartearmos de novo. Para te animar! Teu,
fj
[26 de Maio de 2011]
Sem comentários:
Enviar um comentário