Silêncio, atenção, silêncio!
Agora, Senhor, agora que o
Verão se esvai, eis-me aqui. A olhar, a ouvir, a pensar. Os recreios estão
cheios de crianças nossas esperanças. Já caíram as primeiras chuvas, as uvas
estão maduras e o povo que as vindima não tem tempo para se confessar. Vou por
isso escrever o que prometi, caridade para quem me pediu e quem me lê.
Agora, Senhor, agora que
se acabou o tempo das cigarras, dos trajes e das festas, e as casas das
formigas ficam fartas, agora que nos vemos obrigados a pôr um casaco de
meia-estação, seja pelo frio seja pela crise, que, afinal, sempre vem, agora,
sim agora que de novo o mundo corre obstinado, eis-me aqui.
Agora, Senhor, agora que
os dias vão encolher e os nossos passos não pararão de correr, agora que
começam os anos escolar, pastoral e por aí adiante, agora e sempre te entrego a
vontade de crescer e vencer, a vontade de lutar sem desistir, de testemunhar o
sabor da tua ausência tão invisivelmente presente.
Desde aqui, Senhor, desde este
recanto com um rio aos pés e um mar que o bebe dum trago, te confio o meu
empenho, o meu dever de recomeçar, de acompanhar. Porque aceitas todos os
começos e regressos, porque nos abres os braços e confias nos nossos bons
propósitos, porque nos estimulas a ser felizes, porque sim, aqui fica uma
história de vida apontada como um aguilhão a quem, como eu, tem o dever de
sentinela.
Num Janeiro frio de há
três anos um homem executou Bach durante uma hora para cerca de duas mil
pessoas. O auditório nada selecto foram as escadas e passadiço duma estação do
Metro de Washington. Três minutos depois um homem de meia-idade percebeu que
havia um músico a tocar, abrandou ligeiramente e logo recomeçou a correr.
No minuto seguinte uma
mulher deitou um dólar no chapéu e continuou o caminho.
Dois minutos depois um
rapaz encostou-se à parede para deleitar-se, mas olhou para o relógio e
recomeçou a caminhar.
Aos dez minutos um menino
de três anos parou, mas a mãe apressada puxou-o. Ele tentou parar novamente mas
foi arrastado. Só deixou de olhar para trás no fim do túnel. Isto sucedeu com
várias outras crianças. Os pais forçaram sempre a não parar e a caminhar
rápido.
Quarenta e cinco minutos
depois seis pessoas tinham parado e escutado durante algum tempo; vinte tinham
dado dinheiro (32 dólares; pouco mais de 25€), mas sem parar.
Uma hora depois o homem encerrou
o concerto e o silêncio caiu. Ninguém reparou. Ninguém aplaudiu. Ninguém
entregou flores. Ninguém soube, mas o violinista chamava-se Joshua Bell, um dos
grandes músicos do nosso tempo. Durante aquela hora ele executara uma das mais
complexas peças jamais escrita num formoso violino de 3,5 milhões de dólares!
Dois dias antes Joshua esgotara os seus concertos em Boston, cujos ingressos
custaram em média 100 dólares.
Esta história que parece
ser verdadeira foi promovida pelo respeitado jornal Washington Post.
É esta a história, Senhor
Menino Jesus de Praga, que hoje eu entrego aos teus leitores. Porque, afinal,
andámos por aí a recarregar baterias. E elas, de tão boas, só nos servem para
caminhar, para correr e saltitar, saltitar, saltitar. Não ajudam a parar e a admirar.
Quantas situações destas se repetirão? Quantos homens ou mulheres, irmãos meus,
me enviaste para de forma mais modesta encher de vida e alegria os dias da
minha vida? Quantas margaridas e quanta beleza me vêm perfumar a vida, torná-la
mais bela e levadeira e eu sem disso me aperceber?
Ah, sabes, Senhor Menino
Jesus de Praga, quem me dera ser menino com muito tempo por diante, um menino de
olhos grandes e arregalados, e ouvidos sensíveis para perceber a descida da
beleza como a das pombas que descem pacíficas ao recreio das escolas! Quem me
dera tempo e sabedoria para apreciar um valor inesperado, para me espantar com
uma simples simpleza qualquer, para reconhecer um talento que se detém junto a
mim!
Estamos a recomeçar um novo
ano cristão. A aurora dos dias novos ainda não despontou de todo e trago já o
coração atafulhado de datas, lugares, palavras, rabiscos, planos e projectos. É
certo, Senhor, que a cada dia basta a sua canseira. Mas é-me impossível não
começar a prever situações e consequências, a antecipar possibilidades e planos
b. Aceita, por isso, Senhor Menino, a minha boa vontade de pôr os pés ao
caminho, de ir de bem em melhor, e de olhos em Ti conduzir os que queiram ir.
Aceita, Senhor Menino, os meus passos, o meu zelo pelos teus assuntos, faz-me
acolher a leveza da beleza e calar em mim as palavras do teu servo Bento XVI: «Fazei coisas belas, mas sobretudo tornai as vossas vidas lugares
de beleza.»
Ámen. Ámen. Vinde, Senhor
Jesus!
Máxima
«No meio de vós está quem não conheceis.» (João 1:26)
Mínima
«Olvido do que
é criado, memória do Criador. Atenção ao interior e estar-se amando o Amor.» (São
João da Cruz )
[28 de Setembro de 2010]
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