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quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Notas de Roda-pé


Silêncio, atenção, silêncio!


Agora, Senhor, agora que o Verão se esvai, eis-me aqui. A olhar, a ouvir, a pensar. Os recreios estão cheios de crianças nossas esperanças. Já caíram as primeiras chuvas, as uvas estão maduras e o povo que as vindima não tem tempo para se confessar. Vou por isso escrever o que prometi, caridade para quem me pediu e quem me lê.
Agora, Senhor, agora que se acabou o tempo das cigarras, dos trajes e das festas, e as casas das formigas ficam fartas, agora que nos vemos obrigados a pôr um casaco de meia-estação, seja pelo frio seja pela crise, que, afinal, sempre vem, agora, sim agora que de novo o mundo corre obstinado, eis-me aqui.
Agora, Senhor, agora que os dias vão encolher e os nossos passos não pararão de correr, agora que começam os anos escolar, pastoral e por aí adiante, agora e sempre te entrego a vontade de crescer e vencer, a vontade de lutar sem desistir, de testemunhar o sabor da tua ausência tão invisivelmente presente.
Desde aqui, Senhor, desde este recanto com um rio aos pés e um mar que o bebe dum trago, te confio o meu empenho, o meu dever de recomeçar, de acompanhar. Porque aceitas todos os começos e regressos, porque nos abres os braços e confias nos nossos bons propósitos, porque nos estimulas a ser felizes, porque sim, aqui fica uma história de vida apontada como um aguilhão a quem, como eu, tem o dever de sentinela.
Num Janeiro frio de há três anos um homem executou Bach durante uma hora para cerca de duas mil pessoas. O auditório nada selecto foram as escadas e passadiço duma estação do Metro de Washington. Três minutos depois um homem de meia-idade percebeu que havia um músico a tocar, abrandou ligeiramente e logo recomeçou a correr.
No minuto seguinte uma mulher deitou um dólar no chapéu e continuou o caminho.
Dois minutos depois um rapaz encostou-se à parede para deleitar-se, mas olhou para o relógio e recomeçou a caminhar.
Aos dez minutos um menino de três anos parou, mas a mãe apressada puxou-o. Ele tentou parar novamente mas foi arrastado. Só deixou de olhar para trás no fim do túnel. Isto sucedeu com várias outras crianças. Os pais forçaram sempre a não parar e a caminhar rápido.
Quarenta e cinco minutos depois seis pessoas tinham parado e escutado durante algum tempo; vinte tinham dado dinheiro (32 dólares; pouco mais de 25€), mas sem parar.
Uma hora depois o homem encerrou o concerto e o silêncio caiu. Ninguém reparou. Ninguém aplaudiu. Ninguém entregou flores. Ninguém soube, mas o violinista chamava-se Joshua Bell, um dos grandes músicos do nosso tempo. Durante aquela hora ele executara uma das mais complexas peças jamais escrita num formoso violino de 3,5 milhões de dólares! Dois dias antes Joshua esgotara os seus concertos em Boston, cujos ingressos custaram em média 100 dólares.
Esta história que parece ser verdadeira foi promovida pelo respeitado jornal Washington Post.
É esta a história, Senhor Menino Jesus de Praga, que hoje eu entrego aos teus leitores. Porque, afinal, andámos por aí a recarregar baterias. E elas, de tão boas, só nos servem para caminhar, para correr e saltitar, saltitar, saltitar. Não ajudam a parar e a admirar. Quantas situações destas se repetirão? Quantos homens ou mulheres, irmãos meus, me enviaste para de forma mais modesta encher de vida e alegria os dias da minha vida? Quantas margaridas e quanta beleza me vêm perfumar a vida, torná-la mais bela e levadeira e eu sem disso me aperceber?
Ah, sabes, Senhor Menino Jesus de Praga, quem me dera ser menino com muito tempo por diante, um menino de olhos grandes e arregalados, e ouvidos sensíveis para perceber a descida da beleza como a das pombas que descem pacíficas ao recreio das escolas! Quem me dera tempo e sabedoria para apreciar um valor inesperado, para me espantar com uma simples simpleza qualquer, para reconhecer um talento que se detém junto a mim!
Estamos a recomeçar um novo ano cristão. A aurora dos dias novos ainda não despontou de todo e trago já o coração atafulhado de datas, lugares, palavras, rabiscos, planos e projectos. É certo, Senhor, que a cada dia basta a sua canseira. Mas é-me impossível não começar a prever situações e consequências, a antecipar possibilidades e planos b. Aceita, por isso, Senhor Menino, a minha boa vontade de pôr os pés ao caminho, de ir de bem em melhor, e de olhos em Ti conduzir os que queiram ir. Aceita, Senhor Menino, os meus passos, o meu zelo pelos teus assuntos, faz-me acolher a leveza da beleza e calar em mim as palavras do teu servo Bento XVI: «Fazei coisas belas, mas sobretudo tornai as vossas vidas lugares de beleza.»
Ámen. Ámen. Vinde, Senhor Jesus!

Máxima
«No meio de vós está quem não conheceis.» (João 1:26)

Mínima

«Olvido do que é criado, memória do Criador. Atenção ao interior e estar-se amando o Amor.» (São João da Cruz)

[28 de Setembro de 2010]

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