You’ll
never walk alone*
Escrevo
a meio da visita apostólica de Bento XVI a Portugal. O peregrino do
Bem da Verdade e da Beleza chegou, entretanto, ao Santuário de
Fátima, como um filho que veio visitar a Mãe rodeado de muitos
irmãos e irmãs. A sua simplicidade e pequenez já nos tocaram: não
parece um pastor rijo de cajado na mão, é um valente, um menino
manso como um cordeirinho dos Pastorinhos. Os frutos da sua visita
serão abundantes, porque semeados na humildade de quem vive da
esperança.
Nestes
dias de beleza e de espiritualidade apostólicas parece-me quase
descabido citar o que citarei, o hino do Liverpool, equipa de futebol
de Inglaterra: *«Tu
nunca caminharás sozinho.»
Mas é isso que leio na força de Bento XVI ao vê-lo caminhar lento
mas firme, trémulo mas resistente, cansado mas confiante. Vejo-o a
espaços e vejo que não caminha só. Caminha como um pai, acena como
um patriarca, fala como quem confirma, puxa a justeza das palavras
como quem lança caboucos. Vejo que lhe batem palmas, que abre com
gosto a janela do papamóvel, que sorri e acaricia como um avô, que
vem uma e outra vez à varanda da nunciatura, que acarinha aqui um
menino, ali uma turminha, e além beija dois bébés. (Ah, os
meninos, meu Deus!) E abençoa sempre. Vejo que as multidões
acorrem, correm, se apinham. Os corações abrem-se, os ouvidos
ouvem, as famílias franqueiam-lhe os sorrisos da alma. (No Terreiro
do Paço havia tantas famílias jovens que não foram poucos a
surpreender-se com a multidão daqueles trambolhos que são os
carrinhos de bebé!)
Ninguém
merece caminhar sozinho. Bento XVI não caminhou sozinho em Portugal.
Não caminhará nunca sozinho.
Ninguém
merece ficar parado com medo de caminhar só. Ainda que agrilhoado à
mais redonda e pesada das impossibilidades ninguém está impedido de
caminhar e crescer. Se não física, pelo menos espiritualmente. O
lugar duma pessoa, muito mais se tem fé, se é peregrino, são
muitos lugares e sobretudo os caminhos. Peregrino foi quem nos
iniciou na fé, peregrino foi Jesus, peregrina é a Igreja. Sou eu,
és tu. Enquanto vives esperas caminhando. Enquanto vives muito há
por caminhar. Caminhar é algo que tardamos em aprender, embora
alguns aprendam e depois não sejam mais que múmias. Caminhar é
sempre caminhar com. Connosco, com os pecadores, com Deus, com os
anjos e os santos.
Quem
acredita em Deus nunca está só, gritou ao mundo uma nuvem de jovens
azul turquesa! Sim, quem caminha acreditando nunca está só, porque
Deus vai lá bem no íntimo, mais íntimo a nós mesmos que nós
próprios, como hóspede sereno e valoroso companheiro de jornada. É
essa, parece-me, e atrevo-me, a alma do Papa: Ele sabe que não
caminha só. Por isso, muito gosto eu daquele caminhar feito de
passinhos curtos, passinhos de quem é certo que caminha cansado, de
quem, porque também é certo, quer caminhar connosco, com todos, os
que têm fé e os que a não têm. São uns passinhos de quem jamais
deixará alguém para trás porque nunca caminhou só.
O
seu caminho é o da verdade, o íngreme caminho do Calvário de
Jesus. Nem todos vão por aí, mas é por aí que ele vai caminhando.
Ele sabe o caminho e sabe que por vezes não é mais que um trilho na
noite, um trilho de ásperas pedras e de rudes rijos tojos. E nem por
isso ele pára, hesita ou fica para trás. Ele não desiste e não
desilude. Anima-nos a enfrentar a aspereza da vida e a débacle dos
sonhos.
Ninguém
merece caminhar sozinho. E aí vai ele pelos caminhos do mundo, como
irmão cuidando do amparo de cada irmão e de cada irmã. Ao ver-te,
Pedro, caminhado assim, lembro os caminhos mais belos porque menos
percorridos. Que o caminho é ao Céu, que ao Céu todos chegaremos
qualquer que seja o caminho — e são tantos! Lembro que é melhor
ir em comunidade, dois a dois, que um só por si. Esta noite, todas
as noites, todas as luas e todos os sóis, hei-de caminhar com
qualquer só que percorra os carreiros da terra do sei lá, com esse
que julgando-se só caminha, afinal, acompanhado, porque é assim que
eu quero que ele vá.
Algum
experto declarou que as batalhas só as ganham os soldados cansados.
Leio caminhos em vez de batalhas, e fica assim: só chegam ao fim
quem nos caminhos se cansou. É preciso sair, é preciso caminhar e
cansar. Vamos, pois, sem medo para o caminho que consuma a nossa
esperança: o Céu.
Venha
o que vier, quer trema o mundo ou se abalem os fundamentos: ninguém
está só, ninguém caminha só.
E
a lamparina da fé bruxeleia tremeluzente nas noites dos nossos dias.
Máxima
«Sai
da tua casa, vai para a terra que te vou mostrar.» (Génesis 12:1)
Mínima
«Onde
os homens fecharam portas, Deus abriu janelas.» (Bento XVI, em
Lisboa)
[20 de Maio de 2010]
Sem comentários:
Enviar um comentário