Chega Junho, chega o Menino. Digo, a peregrinação ao Menino. É também o mês, dizem, dos santos populares! Curioso nome o de santos populares que, talvez, não inocentemente, estabelece a divisão com os outros, os não-populares. Pelo contrário, não deveriam existir senão santos, santos populares. Mas já que criaram a designação deixem-me que discorde dela. Os Santos Populares são santos visivelmente impopulares! Vejamos.
S. António, dizem-no de Lisboa, os portugueses; e de Pádua, os italianos. Paulo VI foi mais consensual e chamou-lhe António-de-todo-o-mundo. O nome verdadeiro era Fernando de Bulhões, nasceu em Lisboa e morreu em Pádua. Celebra-se a 13 de Junho e foi um pregador. Impressionava pela palavra, fustigava as consciências, era um intelectual de grande craveira. Quando o não quiseram ouvir — isto é, levar à prática a sua pregação — foi pregar a peixes! Esses tinham pelo menos uma virtude: ficavam calados enquanto pregava! Já que não converteu os homens dedicou-se aos bichos!
S. João nasceu em Ain-Karim, Palestina. Mereceu o nome de Baptista por ter baptizado o primo, Jesus, e as enormes multidões que se aproximavam de si. Celebra-se a 24 de Junho. Era seis meses mais velho que Jesus. O seu nascimento foi uma alegre bem-aventurança para a família, mas deve ter deixado muito cedo o lar e para ir viver no deserto. Era austero no viver, e fustigava a sociedade do tempo como se as víboras habitassem as suas casas. Denunciou a hipocrisia do rei do tempo e como prémio Herodes ofereceu a sua cabeça num prato, a uma bailarina cujo bailado o encantara. Arrastou multidões, avivou as brasas da esperança, mas morreu ingloriamente, desamparado e à mercê da iniquidade do poder ao tempo.
S. Pedro celebra-se no dia 29 de Junho e com ele Paulo. Não é certo que tenham morrido no mesmo dia, embora haja quem o diga. Popularmente só se referencia o primeiro e só se festeja o primeiro. Pedro foi o primeiro chefe da Igreja de Jesus. Era um pescador bruto, rude e impulsivo. Era imponderado e belicoso. Estava mais habituado a tratar com peixes que com homens. Falava sem pensar e sonhava demasiado elevado. Quando teve de defender o sonho (porque lhe prendiam o Mestre) foi o único a deitar mão à espada. Mas só cortou uma orelha, que o Mestre logo repôs! Já entronizado chefe da Igreja reserva-se demasiado para dentro da comunidade, ao ponto de Paulo ter de o enfrentar para ganhar espaço e liberdade a fim de se dedicar a anunciar Jesus aos não-judeus. Por fim, deu a vida por Cristo, mas como nem disso se julgava merecedor pediu para ser crucificado de cabeça para baixo. Parece-se muito a um santo impopular e ao contrário.
São Paulo era rabino judeu, fariseu radical, evangelizador de helenistas, cidadão romano, escritor exímio, missionário incansável, fundador de comunidades, pastor dedicado, fabricante de tendas, Apóstolo de Jesus. Foi tantas coisas que parece não ter tido tempo para sardinhas, pimentos e pão. Também não é por aí que é um santo popular. Era homem de amizades sinceras, profundas e exigentes, daquelas que magoam por que muito amarram ou muito dividem. É convertido, melhor dito: um zeloso homem de fé radical que se converte ao Cristianismo. Mistura explosiva que fazem dele um homem frenético sem tempo a perder. A urgência era a sua marca, tão urgente que parecia impaciente. A sua personalidade forte, a vontade férrea e a defesa da fé verdadeira chegaram a deslaçar amizades. Não parece e não é um santo suave, ameno, popular. Com a sua festa neste ano, iniciamos o jubileu bimilenário do seu nascimento.
António, João, Pedro e Paulo são santos impopulares que o coração do povo ama. São muito impopulares e muito contra-corrente aos apetites do povo. Sim, são do povo. São nossos. Mas são tão fiéis a Jesus que parecem avessos ao que o mundo hoje consome. (E nesses dias quase só consome sardinhas, pão e vinho!) A culpa não é deles, é da radicalidade de vida exigida por Quem os chamou. São impopulares porque se abriram a Jesus. Mas porque se abriram de forma tão bela à fonte da alegria, teríamos de fazer festa quando os festejamos. E fazemos. Mas ainda que os convoquemos para a festa a sua impopularidade é como o vinagre, que apesar de sadio tempero e benéfico purificador, recordámo-lo mais por não caçar moscas.
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segunda-feira, 23 de junho de 2008
sexta-feira, 6 de junho de 2008
Reformar as palavras
Às vezes nem temos palavras. Outras vezes é necessário levá-las à fonte e lavá-las. Para que digam o que disseram na vez primeira, quando foram criadas. E não digam todo o pó e roupagem que os séculos lhe colaram.
Por exemplo:
Em Julho de 1938 realizou-se em Berlim o congresso internacional dos editores. A guerra se sentia já no ar e o governo nazi revelava-se mestre na manipulação das palavras com fins de propaganda. No penúltimo dia, Goebbels, que era ministro de Propaganda do Terceiro Reich, convidou os congressistas à sala do Parlamento. E pediu aos delegados dos distintos países uma palavra de saudação. Quando chegou a vez de um editor sueco, este subiu ao estrado e com voz grave pronunciou estas palavras:
«Senhor Deus, devo pronunciar um discurso em alemão. Careço de vocabulário e de gramática, e sou um pobre homem perdido no meio dos homens. Não sei se a amizade é feminino ou se o ódio é masculino, ou se o horror, a lealdade e a paz são neutros. Assim que, Senhor Deus, recupera as palavras e deixa-nos nossa humanidade. Talvez consigamos compreender-nos e salvar-nos.»
Estourou um aplauso enorme, enquanto Goebbels, que havia percebido a alusão, saía furioso da sala.
Por exemplo:
Em Julho de 1938 realizou-se em Berlim o congresso internacional dos editores. A guerra se sentia já no ar e o governo nazi revelava-se mestre na manipulação das palavras com fins de propaganda. No penúltimo dia, Goebbels, que era ministro de Propaganda do Terceiro Reich, convidou os congressistas à sala do Parlamento. E pediu aos delegados dos distintos países uma palavra de saudação. Quando chegou a vez de um editor sueco, este subiu ao estrado e com voz grave pronunciou estas palavras:
«Senhor Deus, devo pronunciar um discurso em alemão. Careço de vocabulário e de gramática, e sou um pobre homem perdido no meio dos homens. Não sei se a amizade é feminino ou se o ódio é masculino, ou se o horror, a lealdade e a paz são neutros. Assim que, Senhor Deus, recupera as palavras e deixa-nos nossa humanidade. Talvez consigamos compreender-nos e salvar-nos.»
Estourou um aplauso enorme, enquanto Goebbels, que havia percebido a alusão, saía furioso da sala.
segunda-feira, 2 de junho de 2008
Prece pelas minhas dores
Nesta tarde, Cristo do Calvário,
vim pedir-Te pela minha carne enferma.
Mas ao ver-Te, os meus olhos vão e vêm,
do teu corpo ao meu corpo com vergonha.
Como hei-de queixar-me dos meus pés cansados,
quando vejo os Teus despedaçados?
Como hei-de mostrar-te as minhas mãos vazias,
quando as Tuas estão cheias de feridas?
Como hei-de falar-Te da minha solidão?
quando Te vejo só e levantado na Cruz?
Como hei-de dizer-Te que não tenho amor,
quando vejo rasgado o Teu coração?
Agora, já de nada me lembro,
todos os meus queixumes se afastaram.
A ânsia de pedir que eu trazia
afoga-se-me na boca pedinchona.
E já só peço nada Te pedir,
estar aqui, junto da Tua imagem morta,
ir aprendendo que a dor é só
a chave santa da Tua santa porta.
(Autor desconhecido)
vim pedir-Te pela minha carne enferma.
Mas ao ver-Te, os meus olhos vão e vêm,
do teu corpo ao meu corpo com vergonha.
Como hei-de queixar-me dos meus pés cansados,
quando vejo os Teus despedaçados?
Como hei-de mostrar-te as minhas mãos vazias,
quando as Tuas estão cheias de feridas?
Como hei-de falar-Te da minha solidão?
quando Te vejo só e levantado na Cruz?
Como hei-de dizer-Te que não tenho amor,
quando vejo rasgado o Teu coração?
Agora, já de nada me lembro,
todos os meus queixumes se afastaram.
A ânsia de pedir que eu trazia
afoga-se-me na boca pedinchona.
E já só peço nada Te pedir,
estar aqui, junto da Tua imagem morta,
ir aprendendo que a dor é só
a chave santa da Tua santa porta.
(Autor desconhecido)