...

segunda-feira, 24 de março de 2014

Natal, olhar sereno!



Já é Natal? Não, ainda é Advento. Ainda é tempo de preparar o Natal. O Natal enquanto vinda e nascimento do Senhor exige um esperançoso trabalho de preparação: o Advento.
Então, Natal não é sempre que o homem quer? Não, também não. Natal é sempre, porque Deus quer. A parte do homem que tantas vezes se invoca no provérbio é bastas vezes a parte das luzinhas e musiquinhas, que só apelam à estapafúrdia do comércio. Seja de sentimentos nem sempre sinceros e transparentes, seja de coisas e mais coisas sem alma. E depois desse natal em que se rompem os laços e se rasgam os lustrosos papéis de embrulho pouco mais resta que a lareira de cinza fria.
O Natal é mais que laços, mais que papéis e fitinhas. São palhinhas e bafinho de animais congregados para aquecer e saudar o ignorado Jesus Salvador. Dentro de cinco dias é Natal. Porém, há ainda muito nevoeiro que remover. Natal. Olhar sereno. Olha que Deus te olha com amor. Olha teu irmão.


Natal
«O boi conhece o seu dono e o burro as palhas onde se deita, mas o meu povo não me conhece». Foi assim que acordei para o Advento, com este queixume de Deus, declarado na profecia de Isaías.
É (quase) Natal. A vaquinha estará junto ao dono, e o burrinho às palhinhas onde a Mãe deitará o seu dono. A Mãe, calada; o pai, silencioso. Os pastores virão quando avisados pelos anjos, e os Magos, pela estrela.
É Natal? É. Porque Deus quer e não tem medo de nós. Bastam-Lhe palhas fofas em nosso coração!


Olhar sereno
Olhar sereno tem Ele para nós, que no acordar terreno foi acolhido por um Justo e uma Imaculada. Olhar sereno, sim. Como só sereno é o olhar dos puros. Não tenhas medo, meu Menino. Não tenhas medo, que entre nós, agrestes, ainda há lábios puros para beijar meninos e mãos delicadas para os afagar. E olhos de espanto e de lágrimas perante o milagre de caber no mundo o que no Céu não coube!


Olha que Deus te olha
Olhar sereno para contemplar a Deus Menino; para contemplar o mimo de Deus, que nos revela o seu rosto que ninguém viu — a não ser o Filho — no rostinho do Menino de Belém!
Olha, Maria, que Deus te olha! Como Deus te olha!
Olha, José, que Deus te olha! Como Deus te olha!
Olhai, irmãos, olhai, pastores, que Deus nos olha! Olhai como Deus nos olha!
Ó feliz troca de olhares! Deus que nos olha e nós, humanidade para quem vem, olhando-O!
Ó serenidade, ó olhar de Deus!
Oh! valha-me Deus que nos olha com olhar puro, de menino como os nossos meninos. Que sempre tem para nós um olhar de bondade. Que sempre tem para nós presença que nos veste de formosura.
Oh! quem mereceria um Menino assim? Quem poderia querer ou esperar tão doce olhar, presença tão cálida, tão silenciosa e rica? Cessem as agruras, os frios e as nervuras, que Deus vem para olhar por nós. Que Deus vem olhar para nós! Oh! cessem, pois! Quem pode dizer esse olhar que nos olha sem nos magoar, esse olhar de bem e de cura que em nós derrama beleza, graça e formosura?
Ó suavidade do meu Deus, que nos toca suavemente a alma com o luar do seu olhar! Com o luar duns olhos de rosal!


Com amor
Ó olhar dum Senhor que é servo! Dum Senhor que nos serve porque nos serve; Ele vem para nós, servo humilde e pobre. Vem para dar, para dar-se como herança imerecida e inesperada, e tudo reclamar de nós porque tudo é Dele, criado por Ele, e a Palavra é salvação ainda que só seja gemido, vagido frágil, letra trémula, soletrada.
Ele vem olhar-nos com amor porque não sabe outra linguagem, outro abecedário com que possa dizer- se, outro dizer sem dizer.
Amor com amor se paga. Porém, facas de gume afiado e traições foi o que tantas vezes demos. Bênção e compreensão o que sempre nos devolveu. Com amor. Porque Deus é amar.


Olha teu irmão
Olha sereno o teu irmão. Muitos anos depois do nascimento do Salvador algo poderíamos ter aprendido. Mas a verdade é que ainda existem meninos que nascem em sítios que não são para nascer. A verdade é que existem crianças, homens e mulheres, velhos e doentes que vivem em sítios que não são de viver. E a verdade é que ainda assim é porque se é muito belo olhar o Deus Menino que nos olha com olhos de bondade, já não é tão belo olhar quem nos olha com olhos de fome, de desemprego, de droga, de violação, de velhice e de doença.
Em Jesus Deus vem ao encontro de cada um, e a cada um que olha leva-o serenamente ao encontro do irmão. Cuidadosamente, olha sereno o teu irmão.
E olha que Deus te olha no olhar do teu irmão.

[Chama do Carmo - 20 de Dezembro de 2009]

quinta-feira, 20 de março de 2014

Ó Cordeira imaculada!


O tempo do Advento tem um salutar sabor mariano. É com a Virgem Mãe que melhor aprendemos a esperar o Sol que nasce da Aurora! Por isso, é algo muito belo celebrar neste tempo litúrgico 88a Solenidade da Imaculada Conceição de Maria, a Virgem Mãe.
A Sagrada Escritura ensina que Deus criou a Humanidade para a amizade e o diálogo com Ele. A primeira Humanidade manteve uma bela relação de comunhão com o seu Criador.
O convívio era belo, aprazível e muito apreciado pelo Senhor Deus que se comprazia
em dialogar e passear com a Humanidade. Mas na sua liberdade os humanos não quiseram continuar amigos de Deus. Era sim um belo diálogo, mas acharam que poderiam construir a vida e o mundo à margem do diálogo com Deus. E romperam o belo sonho de comunhão.
No início a felicidade tocava-nos e entrava nos graciosamente pelos poros. Não era preciso invocar o Senhor porque Ele era Presença como se não tivesse havido passado que não houvera, nem viesse a existir futuro duro. Comungávamos a Presença, éramos eternos e a morte ainda nada mordera. Mas isso não nos bastou! Quisemos disfrutar a existência como se a tivéssemos construído para nós e não nos tivesse sido oferecida como dom por Deus. Haveríamos de ser autónomos, porque, afinal, a vida é minha e eu faço o que quero!
E ficamos a falar sozinhos naquele tempo em que ainda não existiam botões!
E o que era belo porque era comunhão e diálogo deixou de o ser; e o que era saúde e sadio virou tragédia e angústia. O fechamento nunca deitou luz sobre assunto algum nem esclareceu nada. E foi o que de facto aconteceu. Abandonamos a alegria da liberdade e do diálogo e tornamo-nos uma humanidade fechada, ferida, estanque a Deus, desconfiada Dele, esforçando-nos por não perceber o alfabeto do amor que em nós Ele inscrevera. Somos por isso descontrolados, paradoxais, fechados e ainda assim sensíveis ao apelo para a abertura, desencontrados e destrutivos mas com ânsias de crescimento e de beleza.
E fomos por opção própria feridos de morte, marcados pelo pecado até à morte.
A Igreja crê e ensina que ao nascermos é assim que nascemos: caminhantes solidários num beco sem saída, incapazes de só por nós nos reabrirmos a esse reconfortante, belo e recriador diálogo primeiro.
É, pode dizer-se, uma situação miserável!
E foi desta existência amarga e labiríntica que Cristo nos libertou com a sua Incarnação, vida e morte, ressurreição e com o dom do seu Espírito.
A Igreja crê e ensina que a Mãe do Cordeiro que tira o pecado do mundo, foi preservada desde antes do seu nascimento, destasolidariedade com a inimizade entre a Humanidade e Deus. Ela é a Mulher eleita, revestida de justiça e salvação, de quem haveria de nascer o Salvador. Ela é a Toda Santa, a Toda Santificada. Desde o primeiro momento em que foi concebida no seio de sua mãe Ana, foi preservada por Deus de qualquer situação de pecado. Ela é a cheia de Graça, aquela em quem não há qualquer des-graça; Ela não é a dona da Graça, mas a completamente cheia de Graça. É a agraciada, sem mancha de inimizade. Não teve méritos para tal, foi escolhida. É a Eleita! Os méritos são todos do Cordeiro que Dela haveria de nascer: porque Ele era o Cordeiro sem mácula, Ela é aCordeira Imaculada. Os méritos de Cristo antecipam se ao Seu nascimento e revestem a Mãe desde o instante primeiro da sua Conceição.
Toda a vida que rebrota canta o mistério que a faz nascer e é sempre para nós um sorriso de Deus. Também a de Maria.
Porque ia ser Mãe do Cordeiro foi preservada de toda a inimizade, daquela mancha negativa que a todos assinala. Ela e só ela pode fazer o Senhor exclamar: «Como és bela, minha amada, como és bela! És toda bela, minha amada e não tens um só defeito!» (Cant. 4:1.7)
Que o Senhor exclame assim!
Que o Senhor nos faça exclamar assim!
Que a Igreja nossa mãe cante assim!
Que a Humanidade exulte assim!
Ó Maria, Mãe de Jesus, bela cordeirinha sem mancha, já que sois concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós!

[Chama do Carmo - 6 Dezembro 2009]

sábado, 15 de março de 2014

Quem sai aos seus


No ano passado falando do frio invernio do Seminário em que vivo alguém leu saudosismo. Mas se ele continuar vazio e não surgirem alternativas, quem me virá falar de primavera?
Por estes dias percorri os corredores do Seminário Diocesano projectado há poucos anos para cem alunos: agora tem quatorze e algumas esperanças, poucas, no Seminário em Família. Também não vejo ali primavera alguma. De novo chegou a Semana dos Seminários e não estou mais esperançado. Por isso volto ao mesmo tema e ao mesmo tom, que é de quase rebate. Enquanto há quem o possa ouvir, enquanto há quem o possa reconhecer.
Enquanto...


Não sei se acontece assim com todos, mas quando acordei só vi a minha mãe e assim foi que comecei a gostar do que ela gostava. Aliás, comecei gostando do leite dela, sem saber o que era. E como para quase tudo há idade, também para mim chegou o momento de gostar de coisas diferentes. Diferentes dela e das que ela gostava. Outras muitas continuei gostando. Quando meu pai entrou nesta história vi que havia outros gostares.
E também existiam irmãos e primos e tios, pelo que as coisas, os gostos e as vidas, sendo embora muito parecidos, não eram de todo iguais. E à medida que o mundo cresceu, vi que havia mais além para além das fronteiras. Passado tempo não vi muito, nem demais, nem tudo. Porém, depois do que vi continuo a gostar da sopa da minha mãe e do barulho bom do rio da minha terra que me corre por debaixo da janela.
Existem muitas mães e pais, muitas famílias e rios, mas em lado algum nada me refresca como ali, quando ali vou.
Se assim começo hoje é para me ilibar de escrever algo mais científico sobre a família, de que todos sabemos bastante e bastantemente carecemos viver. Não existe terra mais fofa e aprazível onde melhor desperte a semente da vida. Mil beijos não substituem um olhar terno da mãe, nem dez mil âncoras são tão seguras quanto as mãos dum pai. Falte-nos a família: pais, irmãos, avós, primos, a família mais alargada e não passaremos de árvores cujas raízes teimam em agarrar-se ao solo pedregoso e pouco nutritivo.
(O resto que o digam melhor os cientistas e investigadores das ciências humanas.)
A S. Teresa de Jesus pediram os superiores que se narrasse, e ela ofereceu-nos o Livro da Vida. Sobre a sua família e o que ela teve de fundante na sua vida e na eleição das suas opções, ela recordou que seu pai
era afeiçoado «a ler bons livros, e por isso os tinha em castelhano, para que os filhos os lessem», e que sua mãe gostava de ler «livros de romances». O resultado foi que isto despertou nela o gosto pela leitura e que em chegada a época das grandes realizações sempre os livros lhe serviram de suporte para se renovar, crescer e decidir.
Sobre a mãe ressaltará ainda «o cuidado que tinha em nos fazer rezar e em sermos devotos de Nossa Senhora e de alguns santos.» E diz mais: «tinha também muitas virtudes, e passou a vida sempre doente. Era de grandíssima honestidade, muito serena e de grande entendimento.»
Por sua vez, do amado pai, dirá: «Era um homem de muita caridade para com os pobres e de piedade para com os doentes. Nunca ninguém o viu jurar ou murmurar. Era sobremaneira honesto.»
Também falou dos irmãos: «Éramos três irmãs e nove irmãos. E por Deus, todos nos parecíamos a nossos pais na virtude.»
Lá diz a sabedoria popular: Quem sai aos seus não degenera.
É verdade que os caminhos e as escolhas se elegem muitas vezes à margem da família, surpreendendo-a até; mas o mais natural é que brotem do laboratório familiar. A vocação é sempre mais serena e forte quando todos a apoiam e reforçam. Falando aqui de vocação fala-se no geral e também da de consagração a Deus e à Igreja e no contexto próximo da Semana do Seminários. Vivemos tempos em que os filhos são bens escassos, pelo que em pouco tempo se lhes define o rumo mais rentável, que, não passa pelo sacerdócio. O que vá lá, sem se ser bota de elástico, se entende, mas o que já não tem muita lógica é como depois as famílias se sentem no direito de exigir a presença e a acção do sacerdote! É que lá diz outro adágio: não há dar sem dar.


[Chama do Carmo - 08 Nov 09]

sexta-feira, 14 de março de 2014

Obrigado, grande Rei!


Terminamos o ano litúrgico colocando Jesus no lugar mais alto das nossas vidas. Não é uma entronização encenada de poderes e resplendores que muito encenam e nada são. O que sim, o que nós declaramos com a nossa presença nas igrejas e com a celebração desta festa é que Jesus é a nossa referência maior, e o referente de toda a pessoa que trabalha pela verdade e pela justiça, pela reconciliação e pela paz.
Jesus é rei porque anunciou e inaugurou o reino de Deus. Mas o que é o reino de Deus? Aqui fica a resposta com as respostas erradas. Só depois vem a certa.

Os nacionalistas
identificavam o reino de Deus com a restauração da monarquia do célebre rei David. Esse reconhecimento implicava obviamente um confronto militar com o Império Romano que ocupava Jerusalém. Jesus nunca assumiu esta posição.

Os sacerdotes
identificavam o reino de Deus com a restauração do Templo de Jerusalém. Jesus jamais assumiu essa opção; antes preferiu chamar ao Templo uma «cova de ladrões» e um «mercado».

Os fariseus
identificavam o reino de Deus com o império da Lei. Segundo eles o Messias ensinaria todo o Povo a cumprir excelentemente a Lei e assim se construiria o reino de Deus. Esta também não é a opção de Jesus, que sempre pôs a Lei ao serviço do homem!

Jesus
seguiu por outro caminho e identificou o reino de Deus com a vida do povo pobre e oprimido. Jesus é rei porque cura os doentes e dá vida aos mortos; porque veio trazer vida e vida em abundância. Jesus é rei e reina na cruz, desde a pobreza e o despojamento, o não-poder e a identificação com os pequeninos. Jesus é rei porque proclama e inaugura o reino de Deus, um reino que não se identifica nem com a monarquia nem com o Templo nem com a Lei, apenas com o povo pobre. O poder de Jesus Rei é o poder de libertar da opressão.

Para nós
proclamar Cristo como Rei é viver diariamente os valores do seu reinado. Ele quer ser proclamado Rei pela humildade do nosso serviço à vida, pelo nosso compromisso com os pobres, pela afirmação do nosso testemunho pessoal nos ambientes onde acontece a nossa vida: nas nossas famílias, nas nossas escolas, nos nossos trabalhos, nos nossos amigos. Jesus é hoje Rei se O soubermos afirmar como Ele se disse a Si mesmo e aos mesmos a quem Ele se disse e por quem ofereceu a Sua vida.
Na solenidade de hoje proclamamos que Jesus é Rei, porém, convém recordar o aviso que Ele nos deixou: «O meu reino não é deste mundo»!
Afinal a sua autoridade e o seu poder encontram-se na sua maneira de viver, de se relacionar com as pessoas, de estar próximo dos desamparados e dos sofredores.
Jesus não impõe a sua presença. Jesus não castiga nem condena, nem excomunga nunca ninguém. Jesus apenas convence a quem tem fome de libertação. Ele liberta e fermenta em nós a comunhão e a libertação.

Nós
somos o rosto da Igreja. E cabe-nos a grata tarefa de mostrar aos homens e mulheres deste mundo o rosto amoroso e acolhedor de Deus. É preciso para isso púlpitos e sermões? Não. É bastante que o digamos com a experiência da vida no dia a dia.
E que Deus temos nós experimentado? Sempre que participamos na Eucaristia saímos libertados que libertam, ou o encontro com Ele nada liberta em nós, a nada nos compromete, a nada nos impele? A sua presença clara e luminosa e o seu olhar lavam-nos os olhos a fim de O reconhecermos nos pobres e necessitados? Assim reina Jesus, hoje e sempre! Na medida em que o acreditemos — que acreditemos na maneira sem poder de reinar —, assim nós iremos desvelando a presença do reino salvador de Deus no nosso mundo, mas que, sobretudo, como dizia Jesus, está presente em cada um de nós. Obrigado, ó grande Rei!

[Chama do Carmo- 22 Outubro 2009]

quinta-feira, 13 de março de 2014

Homilia de abertura do Ano Pastoral


Meus irmãos e minhas irmãs:
Em cada Domingo fazemos memória da Paixão, da Morte e Ressurreição do Senhor. O tom deste Domingo é ainda o da glorificação do Senhor Jesus Cristo, o Rei do Universo. Esta festa não vem por acaso, foi criada em 1925 para convocar os cristãos para a militância — uma palavra muito pouco interessante e cristã, que vem de 
militia, de militar, combate. Foi, porém, posta diante do olhar e do coração dos cristãos para nos dizer que todos temos um trabalho duro pela frente. E o trabalho é sermos de Deus, trabalharmos para Deus e pela santificação do mundo. Escolhemos este dia de festa para fazermos o compromisso de serviço ao Carmo, por ser o dia da militância cristã. E para pedirmos ao Senhor do Universo que abençoe o nosso serviço durante o próximo ano; serviço que se traduzirá em oração, em dedicação do coração, em canseira e suor. Trago, irmãos, a esta homilia três palavras para partilhar convosco.
A primeira é dedicação, apresentação. 
Hoje é o dia da Apresentação de Nossa Senhora. Dia em que foi levada ao Templo. Diz-nos uma tradição da Igreja que a menininha, ao chegar às escadas do Templo largou a mão da mãe, largou a mão do pai, arregaçou a saíta e subiu ligeira em direcção ao pórtico do Templo. Subiu sozinha, sem ajuda, e deu -Lhe toda a sua vida, minuto a minuto, segundo a segundo. Para isso teve de deixar o pai, a mãe e subir sem hesitar, sem medo de cair. Subiu, subiu para servir o Senhor.
Ainda bem que nos calhou rezar esta Oração de Compromisso neste dia em que Nossa Senhora subiu uma a uma as escadas do Templo, para dedicar a sua vida ao Senhor, como que dizendo: — Sou de Deus, para servir a Deus, nada mais que Deus!
É isto que se pede aos cristãos: que sejam de Deus! Sede, pois, rápidos na resposta ao Senhor! É isto que se pede a quem frequenta a Eucaristia, a quem vem a um Encontro com a Bíblia, quem embeleza os altares… O que faz um cristão aí? Faz um serviço, uma dedicação, uma entrega ao Senhor! Digo-vos isto neste dia, não para que me imiteis a mim: não iríeis longe. Nem para imitardes o Pe. Caetano: iríeis mais longe. Não, não imiteis nenhum dos nosso padres, nem o Provincial, nem o nosso Bispo, nem o Santo Padre. Só imitaríeis homens! Imitai Nossa Senhora! Imitai aquela que muito nova subiu para servir! Para ser só de Deus.
Inclino-me, oro e abençoo aqueles que suam e lhes dói a cabeça e o corpo por dispensarem o seu tempo no serviço a Deus, nesta templo do Carmo. Agradeço, louvo e abençoo os que servem a Deus nesta comunidade cuidando singelamente dos irmãos.
Bom trabalho, boa dedicação, boa entrega! E quando vos faltarem as forças, quando o vento frio e a chuva não vos deixar seguir caminho, orai e olhai para Nossa Senhora subindo sem hesitar para servir a Deus.
Segunda palavra, Ano Sacerdotal. 
E estando a abrir o nosso Ano Pastoral, tinha de falar dos sacerdotes. Falo rápido, curto e bem. Há dois dias atrás, no dia 19, festejámos São Rafael Kalinowski, que disse: 
«Não sou meu, sou herança dos outros». Olhai que tenho meditado muito nesta frase, durante as últimas semanas! Eu, sacerdote, não sou meu, sou herança vossa, sou para vós!
Os sacerdotes somos vossos, os sacerdotes somos da Igreja. Cuidemo-los para que possam servir cada vez mais e melhor a Deus nos irmãos! Os sacerdotes somos uma grande herança para a Igreja, para cada um de vós. Somos a vossa herança, a vossa propriedade! Que o Senhor incline o seu olhar sobre nós, sacerdotes, e vos saibamos abençoar, alimentar e guiar todos os dias da vossa vida. Irmãos, os sacerdotes são vossos, tratai-os bem; não com os pés mas com o coração!
Terceira palavra, Cristo Rei.
Esta festa surgiu para animar os cristãos a serem fortes e valentes no testemunho da fé, e também para mostrar que só existe um Rei. Deixai que neste dia vos conte uma história sobre o modo de servirmos a Deus.
Conta-se que um rei quando chegava a alguma localidade, tirava do alforge real bastas moedas de ouro que semeava sobre a cabeça dos súbditos. Semeava para a direita e para a esquerda e o povo, esbaforido, baixava-se e gatinhava para apanhar as moedas do rei. Baixava-se? Não. Houve um que não se baixou.
Perguntou-lhe então, o rei: — Tu não apanhas as moedas! São de ouro, não queres ser rico?
— Não, respondeu o súbdito. Eu sirvo o meu rei.
É aqui que nos devemos deter, meus irmãos: A quem servimos? Se servimos o nosso Rei como O servimos? Se servimos outro rei, estamos mal: não servimos para nada. Sirvamos, pois, o nosso Rei. Sirvamos a Cristo Rei, inteiros e direitos no serviço aos irmãos. Não nos verguemos à procura de riquezas; mas fiquemos direitos, de pé, diante d’Ele ainda que tenhamos muitas vezes de vergar-nos para ajudar e abraçar aqueles a quem ninguém quer. (Não são reis nem têm ouro!)
Com esta dedicação, com esta amizade e com esta fidelidade a Igreja nos pede que sirvamos a Cristo Rei. Permaneçamos inteiros diante d’Ele. Não nos baixemos por baixezas.
Eis a festa de Cristo Rei: sirvamos o Senhor nos irmãos, ainda que para isso nos tenhamos de inclinar diante do corpo de Deus, que são os irmãos pobres.
Que assim seja.

[21 Novembro ´09]

quarta-feira, 12 de março de 2014

Para ler é preciso saber


Para ler é preciso saber. Quem o disse no Público de domingo passado (25/IX) foi o Frei Bento Domingues que eu leio com gosto, desde que ele ali escreve. A frase não deve ser original, mas é altamente válida. Também não foi assim escrita, mas de outra maneira, a saber: «Para ler é preciso saber ler.» Se a memória não me falha o teólogo referia-se a um escritor célebre cuja memória me foge sempre que, deixando de escrever, envereda pela publicidade rasca e de mau gosto. É que além de não saber fazer publicidade — evidenciando a excelência do produto, antes desmerecendo do que outros fizeram melhor — também não sabe ler, o que é um forte óbice à possibilidade de bem escrever e de fazer publicidade...

Não é, porém, de leituras, publicidade e escritores que aqui se quer falar. Não seria mau tema para recomeçar a chamear, mas o tempo urge outras reflexões.
É dia de Todos os Santos. E de que haveria de falar se aqui no dia de todos os Santos? De santidade, como é óbvio.
O apelo irrenunciável à santidade está-nos inscrito no ADN espiritual de cada um de nós. De todos nós, sem apelo nem agravo. Outra coisa é que o saibamos, consintamos, promovamos e aceitemos. O mais frequente é que exclamemos como quem esconjura: «— Santo, eu?». «E porque não, apetece responder com estranheza.» E é assim que as fronteiras da santidade são cuidadosamente posicionadas para além do terreiro em que a vida se desenrola: «Isso não é para mim; mas para padres e freiras!».
Outros, que parecem ter aprendido algo na escola da vida, respondem doutra forma: «Como poderei ser santo se sou tão pecador?» E desistem.
E outros ainda, desistentes e conformados, dizem: «Não vale a pena: caímos sempre no mesmo...»
Por fim, os últimos, fascinados por el dorados inatingíveis, confessam: «Santo? Quem quer ser aborrecido? Quem quer deitar fora tantas coisas sem as provar?»
Às objecções a Igreja responde serenamente que o apelo é feito a todos, porque ninguém nasce santo. É um caminho que se faz. Não é um caminho fácil, e o mais importante não é se se cai (ainda que repetidamente) ou se nunca se cai, mas se se cai que se erga.
Santo não é o aquele que nunca cai, mas o que, caindo, logo se ergue com mais ou menos esforço, com mais ou menos marcas, pede perdão ao Senhor, e regressa ao campo de batalha. Quem nunca deita pés ao caminho nunca saberá se chegaria ao fim.
A santidade pede pés e pernas afoitos e coração forte.
Os santos são como os sempre-em-pé: tombam ou são tombados e logo se erguem; tombam ou são tombados mil vezes e mil vezes se põem em pé!
Os santos são os sempre-em-pé!
Sim, podemos ser santos. Podemos repetidamente e contra todos os prognósticos erguer-nos do chão e ficar de pé. E andar. Por que contamos com o perdão de Deus, a compreensão de Deus, o sorriso de Deus, como um pai que levanta uma e outra vez o seu filho infante, caínte. A graça e a força de Deus estão por nós, vêm em socorro das nossas poucas forças e do nosso pouco querer. Mas é preciso querer e querer colaborar com o Senhor. Essa força vem-nos da nossa adesão a Deus e da comunhão com Ele sinalizadas na vida sacramental, na participação da Eucaristia e na oração confiante. Podemos ser santos, isto é, podemos corresponder ao desígnio para o qual fomos criados, porque tudo pode quem confia nAquele que nos dá força; é São Paulo quem o diz.
De facto, não consta que Deus olhe para as fragilidades e indignidades de cada um de nós para nos impedir de sermos seus filhos. Tropeçamos e caímos, e ainda assim somos dignos de ser santos.
Se Deus nos chama a ser santos é porque é possível. E se é possível quem duvidará de Deus? E, já agora, nesse caso, é bom que sejamos fracos, porque forte é só Ele! E é possível, porque Ele o torna possível pela acção do Espírito Santo. É caso para dizer que convém ser-se pequeno para se ser grande, porque os pequeninos é que serão exaltados!
Se quisermos trabalhar só com as nossas forças não venceremos. Mas o que é impossível para nós é fácil para Deus. Por isso, se contamos com a força de Deus, porque a desprezamos? Se temos por nós tanta energia, porque a desperdiçamos?
Enfim, para se ser santo basta querer!
Ah, é verdade: por sinal, quem quer ser santo perde muitas coisas, lá isso perde. Mas é como o outro assunto do escritor: não chegar ler, é preciso saber ler. Que é como diz: não basta ser homem, é preciso querer ser santo. Lá isso é, que esse é o nosso cume. E ninguém chega lá sem pôr os pés ao caminho!
[Chama do Carmo - 01 Nov '09]

terça-feira, 11 de março de 2014

Homilia do encerramento do Ano Pastoral do Carmo


«O amor de Deus nos impele»

Caríssimos irmãos e irmãs,

1. Se nesta tarde eu pudesse imprimir no vosso coração uma palavra, seria gratidão. Se eu pudesse ir carimbando coração a coração, marcaria essa palavra: gratidão. Convido-vos a fazer este exercício de eucaristia, isto é, de gratidão; a eucaristia antes de ser para aprender é para adorar o Senhor que está no meio de nós, que está connosco nesta barca que é esta Igreja do Carmo; e depois para agradecermos. Fazei um exercício de memória: ide ao baú do vosso coração e encontrareis lá muitas coisas para agradecer ao Senhor. Certamente Ele nos fez passar - talvez até sofrer - muitas maravilhas ao longo desta semana, recolhei-as, juntai-as, lembrai-vos delas, não tenhais medo de vos dispersardes, não vos preocupeis se não ouvirdes a homilia, ide à procura do que quiserdes agradecer ao Senhor, melhor, do que tiverdes que agradecer ao Senhor, pois eu gostaria muito que esta eucaristia fosse gratidão, agradecimento. Gratidão por aquilo que o Senhor concedeu a cada um de nós de forma privada, de forma que até nem sabemos agradecer, nem sabemos reconhecer; gratidão por aquilo que o Senhor concedeu à nossa comunidade, à nossa família. Agradeçamos ao Senhor com palavras simples, dizendo: Senhor, pelo Espírito Santo Tu me trouxeste tanta coisa, que eu nem sei agradecer. Aceita na pobreza das minhas palavras e do meu silêncio, aceita esta vontade de Te dar graças, por aquilo que do Pai me foi trazido por Ti a mim e à minha família do Carmo.

2. Quero, depois, alargar este agradecimento à Comunidade: estivemos reunidos esta tarde, desde as 16:00h até agora, em reunião de avaliação do nosso Ano Pastoral. Não éramos muitos – talvez 17 ou 18, não importa já o número. Fomos repassando o nosso Ano Pastoral, as nossas actividades, a nossa oração, o que fizemos bem, menos bem, o que foi bem conseguido e o que não foi tão bem conseguido. Estivemos a agradecer ao Senhor tantos e tantas que estiveram tanto tempo e tantos momentos, dando da sua vida, do seu tempo, do seu saber, ajudando à nossa oração…
Alguém nos dizia estes dias: Que belo é poder entrar nesta igreja e poder olhar o altar, ou o trono, ou a tribuna e ver flores! E alguém respondeu hoje: E como é duro estar lá quando os músculos apertam, como é duro estar lá a prepará-las! Quero sintetizar no trabalho das flores, que se aqui se encontram diante do nosso olhar, todo o trabalho que pusemos ao longo do ano preparando as nossas reuniões, a nossa oração, esta eucaristia e outras, as nossas reuniões de cultura, de formação que fomos tendo, que nos foram enriquecendo…
Quero agradecer ao Senhor, e peço ao Espírito Santo que esteja em mim e nas minhas palavras, para agradecer como convém a Deus o chamamento a que nos chamou, o carisma que nos concedeu para certo serviço, o convite a fazer algo no Carmo e que uns fizeram vindo para rezar e outros fizeram vindo antes para preparar…
Quero agradecer - E acabo por aqui, porque não me calo, teria muito que agradecer e ficaria todo o dia a agradecer tudo o que tantos fizeram por esta comunidade! -, por esta comunidade, por esta celebração, por toda a família carmelitana que vamos construindo.
Agradeço, muito sentidamente, tudo o que disseram esta tarde, tudo o que ajuda a construir a beleza de sermos corpo de Cristo, de sermos Igreja, na nau, no barco, enfrentando o mar e as tempestades…

3. Quero dizer-vos também esta palavra simples que estava na segunda leitura: «O amor de Deus nos impele»! Que frase bonita! Eu já a conhecia, mas hoje tropecei outra vez nela: o amor de Deus, irmãos caríssimos, irmãs caríssimas, nos impele! Impele é obriga, empurra, mas de forma mais doce, mais bela. Impelir, acho eu, é como aquelas velas preparadas nos mastros dos navios: vem o vento e empurra a vela que empurra o barco! É o amor de Deus que nos impele, que nos empurra. É assim que eu desejo - e quero agradecer ao Senhor -, a Sua presença amorosa, este Amor que vai impelindo as velas da vida de cada um de nós e da Comunidade, que vai soprando sobre cada um de nós, que vai soprando sobre todos nós, que não nos deixa caminhar sozinhos, que não nos deixa a remar sozinhos no meio do mar, que não nos deixa a puxar pelo barco sozinhos e sem orientação, que sabe aonde é que devemos ir.
É o amor de Deus que nos impele!
Meus irmãos, que nada mais nos obrigue, que nada mais nos ajude, que nada mais nos empurre senão o amor de Deus. Aquele amor que São Paulo contemplou na cruz do Senhor, o amor de Jesus crucificado e ressuscitado, o amor que é Jesus na Cruz. É o amor de Deus que nos impele, é o amor de Deus que atira com a nossa vida para a frente, atira cada um de nós, atira a vida das nossas famílias, e com certeza a vida das nossa Comunidade, não é o nosso amor, a nossa força, a nossa vontade, não é a nossa dor, não é a nossa filosofia, não é a nossa capacidade, não é a nossa vontade: é o amor de Deus, é Deus!
Tudo isto (força, inteligência, sabedoria, vontade) tem de ser posto ao serviço do Evangelho, ao serviço da Comunidade, mas só o amor de Deus impele a nossa barca!
Guardai também esta frase, pois é grande: É o amor de Deus que nos impele… e às vezes não damos mais porque somos preguiçosos, não queremos esticar a vela para que o Amor não enfune em nós…
O amor de Deus nos impele. Agradeço mais uma vez àqueles que deitaram mãos à barca, esticaram as velas para que o Amor de Deus enfunasse a vela, para que remássemos em frente. Virão vezes que será preciso mudá-la, que será preciso pôr mais vela, virão vezes em que será preciso pedir ao Senhor força, ânimo para continuar; concerteza que é preciso, mas chegaremos. Permaneçamos disponíveis para dispor e alargar as velas, porque o que o amor de Deus deseja é soprar sobre nós e empurrar-nos para a frente.

4. Depois, dizer-vos: Gosto tanto desta página do Evangelho! Porque é curioso: Jesus falou, e olhai que não falou só para aquele tempo; falou para este em que estamos, para o aqui e agora, falou para este que estamos a celebrar. Jesus falou aos do seu tempo, e falou para hoje, para mim e para ti, para nós. O que Jesus falou cumpriu-se, ainda que depois dormisse.
A narrativa de hoje segue-se a um dia de pregação. No fim disse aos discípulos: vamos para outro lugar, vamos para a outra margem, para o outro lado. E entraram na barca e começaram a remar, porque se é para ir para outro lado é preciso trabalhar. Veio então uma tempestade que quase afunda a barca, e Jesus a dormir. E a água a entrar e eles a remar e o vento a soprar e Jesus a dormir, e a agua a entrar e o vento a soprar e eles a tirar a água e Jesus a dormir, e barca a afundar e eles a remar e Jesus a dormir. E quase se afundou…
Acordaram Jesus e disseram-lhe: Desperta, Senhor, e salva-nos! Estamos a morrer! E Jesus falou ao mar e ao vento e tudo abrandou… e chegaram a outra margem.
Não é assim que nos sentimos muitas vezes? Não é assim que a Igreja navega no meio do mar? Não parece tantas vezes que o abismo parece que nos come? Não parece que nos afundamos? Não é assim que as nossas vidas navegam, parecendo que nos afundamos? Não parece que Deus não se preocupa de nós, que não pensa em nós, que vai a dormir? Então não é isso que dizemos muitas vezes a Deus: que a vida nos corre mal e que Ele não se importa de nós?
Sim, é. Mas não damos conta que Ele está? Ele está! Está no meio do barco, está no meio da tempestade, comprometido connosco! Ai se tivéssemos fé.
5. Gosto muito deste Evangelho porque é de hoje, para cada um de nós que possa estar sobressaltado a viver a sua fé! Confia, confiemos. Jesus está. Mesmo que a dormir, está. Está. E a tua fé se não é confiada em Jesus – ainda que a dormir – adormeceu, morreu. O Evangelho diz-nos: Confia! Confia, porque Ele está.
Eu sei no que estais a pensar: nas tempestades da vida e da fé! (Mas não vos tinha pedido no princípio para pensar em agradecer e no que tanto devemos agradecer?) Sim, calma. A vida às vezes corre-nos mal. Mas, calma. Jesus está. O Senhor vai connosco. O Senhor navega connosco. Homens de pouca fé! Ele está no meio de nós! Sim, Ele está na nossa barca. Está de coração aberto para nós: confia no Seu coração, que Ele está no meio de nós.
Disse o Senhor aos discípulos: Vamos para a outra margem. Aqui é que já é mais difícil, porque também isso é ordem de Jesus à Igreja, e ao Carmo hoje! Disse-nos Jesus nesta tarde, neste Evangelho que eu considero que é todo para os tempos de hoje; disse-nos não para nos assustar, nem para nos pôr à prova, disse-nos: vamos para a outra margem!
Caríssimos irmãos e irmãs, é difícil ir para a outra margem, isso é mais difícil. Eu sei de pessoas que não se atrevem a passar pontes, quanto mais meterem-se num barco, sair da margem confortável e do porto seguro, enfrentar correntes, ir para a outra margem! Mas, cuidado: olhai que é ordem do Senhor! Olhai que o Amor nos impele! Olhai que as ordens de Senhor, são obras do Senhor… são obras de Amor! Olhai que há uma margem onde nós não estamos, que não pisamos, onde nós não queremos entrar, onde nós temos que ir! Olhai que há uma margem com muitas tempestades pelo meio que parecem que nos estragam e nos comem! Olhai que nós temos obedecer ao Senhor!
6. Estás aqui para ouvir a voz do Senhor: mas não estejas consolado na tua margem! Não basta ficares onde estás! No outro lado é preciso que Jesus esteja: levai-O para lá! (E olhai que também aponto para mim, que tanto me custa ir para lá.)
Este Evangelho é para hoje. Ele diz-nos que estamos consolados na nossa margem, no nosso trabalho, na nossa vida, na nossa forma de ser, no nosso descanso e que estamos de tantos homens e mulheres afastados de Deus, longe de Cristo, morrendo, destruindo-se sem uma palavra do Evangelho. E nós não queremos ir para a outra margem…
Espero que isto não seja uma homilia amarga, porque é a verdade.

7. Caríssimos irmãos e irmãs: temos que escutar o Espírito, que hoje nos diz: vai sem medo, vai com confiança, vai com fé… mesmo que Jesus durma na tua vida. Desculpai, mas a missa é isto. Desculpai, mas é isto mesmo.
Terminamos o Ano Pastoral do Carmo. Vamos continuar por aqui, vamos rezar. Quando rezardes, e havemos de rezar muitas vezes juntos e outras vezes sozinhos, pedi isto ao Senhor: faz-nos, Senhor, faz-me chegar à outra margem, faz-me ser bom discípulo, porque ainda sou um discípulo medroso, como aqueles que iam no teu barco, faz-me chegar ao outro lado. Faz-te ir sem medo, dá-me a mão, dá-me confiança, dá-me coragem, vem comigo.
Sim, havemos de chegar lá porque Ele está connosco até ao fim dos tempos.
Que assim seja.

Igreja do Carmo de Viana do Castelo
[20 de Junho de 2009]

segunda-feira, 10 de março de 2014

Para que conste!


Há cem anos os rios cresceram demasiado no Congo. Há cem anos o pó esparso da terra humedeceu-se de vermelho. Generosamente. Há cem anos – não tão longe assim – morria um menino envolto no anonimato da sua pele escura, na comunhão de infortúnio da sua raça e na esperança dum povo que ia renascendo das águas.
Na repetição dum movimento da história nada original nem engrandecedor, um poderoso punhado de europeus ricos, superiores, brancos, ilustrados, esmagava em lagar alheio uma nação africana, pobre, inferior, negra, humilde, que, abrindo pouco a pouco, os olhos para a luz da fé em Cristo se foi entregando mansamente às mãos sanguinárias
de exploradores habitados por ideias enviesadas de progresso.
E o que parecia poder ser soterrado sob a capa do medo num tugúrio fétido foi constituído em luzeiro mais brilhante que o Sol, que ao não poder ser escondido denunciou a fonte do ódio e da injustiça e foi devolvido ao seu povo como gérmen de vida fecunda.
A vida de Isidoro Bakanja, menino mártir da fé em Cristo e do amor a Nossa Senhora do Carmo pela adesão ao seu Escapulário, poderia ter ficado diluída no rio do tempo.
Volvidos cem anos do seu martírio recordámo-lo no Carmo de Viana do Castelo,
porque a luz do seu testemunho se universalizou e inundou este sereno – talvez demasiado sereno! – cantinho da Europa.

(A história tem as suas ironias!)

A Exposição 
Isidoro Bakanja, negro puro e mártir
é uma maneira outra de escrever o seu testamento jamais escrito. Já não a sangue e bem longe ainda dos raios de glória com que mereceu ser coroado. Felizmente um jovem artista vianense emprestou a sua sensibilidade europeia (ou global?) para recerzir a pureza do testemunho do jovem negro. E por fim, remirando também eu, desde o meu cantinho, concluo que nenhum outro que não o Hugo Soares nos poderia propor a mesma justeza do olhar sobre o mártir. É concerteza para nós uma dádiva poder saborear tanta graça e maravilha.
Associa-se o sr. António Branco, da OPART, Gafanha da Nazaré. A sua presença engrandece-nos por que o sei conhecedor de martírios (e milagres) em África e Portugal. Fico-lhe igualmente grato pela sua sensibilidade generosamente semeada e partilhada, ele que, como o Hugo, nada me deve. E tanto lhes devo!
(Para que conste!)

[23 de Julho de 2009]

domingo, 9 de março de 2014

Ó Trindade que eu adoro!



O Grande mistério da Trindade é um convite ao louvor e à acção de graças, mais que à compreensão dessa imensa realidade maior que toda a nossa compreensão junta. Ó Trindade que eu adoro! É uma sentida exclamação da B. Isabel da Trindade que nos introduz na vivência mais íntima deste mistério. Saboreemos alguns textos sobre a Santíssima Trindade:
Ó meu Deus, Trindade que eu adoro!
Ó meu Deus, Trindade que eu adoro,
ajudai-me a esquecer-me inteiramente,
para me fixar em Vós, imóvel e pacífica
como se a minha alma estivesse já na eternidade.
Que nada possa perturbar a minha paz,
nem fazer-me sair de Vós, ó meu Imutável,
mas que cada minuto me faça penetrar mais
na profundidade do vosso Mistério.
Pacificai a minha alma, fazei nela o vosso céu,
a vossa morada querida e o lugar do vosso repouso.
Elevação à Santíssima Trindade
da B. Isabel da Trindade 1880 – 1906
 
 
Exclamação
Ó alma minha!
Considera o grande deleite e grande amor
que tem o Pai em conhecer a Seu Filho
e o Filho em conhecer a Seu Pai,
e o ardor com que o Espírito Santo
se junta com Eles,
e como nenhuma das Três Pessoas
se pode apartar deste amor e conhecimento,
porque são uma mesma coisa.
 
Estas soberanas Pessoas se conhecem,
estas se amam,
e umas com outras se deleitam.
Pois que necessidade há de meu amor?
para que o quereis, Deus meu,
ou que ganhais?
 
Oh! Bendito sejais Vós!
Oh! Bendito sejais Vós, Deus meu, para sempre!
Louvem-Vos todas as coisas, Senhor, sem fim,
pois não o pode haver em Vós.
 
Alegra-te, alma minha,
que há quem ame a Deus como Ele merece.
Sétima Exclamação
de S. Teresa de Jesus 1515-1582
 
Salmo de contemplação
A que posso comparar-me, Senhor?
Com os passarinhos do ninho,
que se o pai ou a mãe
não lhes dão alimento, morrem de fome.
Assim a minha alma, Senhor:
em Vós, não tenho apoio, não posso viver.
 
A que posso comparar-me, Senhor?
Com um pequeno grão de trigo,
sepultado na terra.
Se o orvalho não o desperta
e o sol o não aquece, logo definha e morre.
Mas se Vós o regais com a doçura
do vosso orvalho e o calor do vosso sol,
da pequena semente plena de vida
e de vigor logo brotarão raízes
e germinará um caule forte e rico de frutos.
 
A quem me compararei, Senhor?
A uma rosa cortada
que na mão que a cortou, logo murcha
e perde o seu belo perfume.
mas se unida ao seu caule
permanece fresca, brilhante
e intacta no seu perfume.
Guardai-me em Vós, Senhor,
e comunicai-me a vossa vida.
 
A quem me compararei, Senhor?
Com a pomba que dá de comer
aos seus filhos,
com a ternura duma mãe
que alimenta o seu filhinho
Salmo composto por Mariam Baouardy,
a B. Maria de Jesus Crucificado 1846 – 1878
 
Ó meu Deus!
Ó meu Deus,
Trindade de Amor no meio do mundo,
Que a partir d´hoje possamos
(já que Tu és nosso Pai e Amigo)
perseverar a carminhar alegremente para Ti!
Consagra o mais profundo centro
da nossa alma,
refugia-Te em nós,
encontra-Te connosco,
para que permaneçamos em Ti,
nos carminhos da Humanidade.
Amen.
Oração à Trindade
de Verónica Parente, jovem leiga Carmelita
[Chama do Carmo - 07 de Junho de 2009]

sábado, 8 de março de 2014

A Missa dos caçadores

 
Não é preciso ser-se sociólogo para ler a contundência dos dados: os cristãos das nossas comunidades estão a abandonar a Missa dominical. A Missa já não é capaz de nutrir a fé da maioria dos cristãos nem os vincula à comunidade como o fez durante muitos séculos. E o mais surpreendente é que vamos deixando que a Missa se perca, sem que tal provoque reacção em nós. Mas afinal, não é a Eucaristia o centro da nossa fé? Podemos permanecer passivos sem tomar alguma iniciativa? Causa-nos isto alguma dor? Por que o não dizemos com mais força? O abandono acontece até entre os que nela participam responsável e incondicionalmente. Que fazer? Estamos a fazer tudo o que podemos?

 Poderemos continuar assim?

(Acabo de chegar das confissões. Ando com a ideia na cabeça e não sei como começar. Falarei de duas confissões.) Uma mãe confidencia-me que dos quatro filhos adultos 3 não vão à Missa, significando com isso o abandono da prática religiosa. Um rapaz confessa-se porque a filha vai fazer a Primeira Comunhão. Na empresa gozam-no porque já não está de moda ser-se Católico. Ele vive na dúvida, mas ainda vai trilhando os caminhos da fé que a mãe lhe ensinou. Ainda assim, vacila. Tem mais dois irmãos, que já não vão à Missa. Domingo vão ao almoço da festa, mas não irão comer da mesa da Festa!

Estamos seguros?

Estamos seguros de que andamos a fazer bem aquilo que Jesus nos pediu que fizéssemos em Sua memória? Como fazer da Eucaristia o centro significativo da vida e a experiência viva e incarnada da Ceia do Senhor? Não sou do tempo das multidões nas igrejas nem me lembro de na nossa Igreja do Carmo se celebrarem oito missas ao Domingo (o dobro das actuais!). Não creio que regressemos ao passado, ou que tal seja sequer desejável. Mas que o assunto me preocupa, isso é verdade! E dói-me a alma sempre que ouço louvar aquelas Missas celebradas às seis da manhã (ou antes!), que se enchiam de gente a transbordar pelas portas e rezadas em quinze minutos! Se me dói... E não é por não saber celebrar assim — coisa que nunca faria! —, mas por, talvez, durante demasiado tempo demasiados padres terem celebrado missas assim e os cristãos a elas se terem afeiçoado. Como é que uma missa assim pode envolver os sentidos, convocar a inteligência, a sensibilidade e a emoção, desvelar o mistério, nutrir sacramentalmente? Sim, sou contra as Missas dos caçadores; embora, por vezes, pouco melhor saiba fazer... E é assim com estas cogitações na cabeça que ando meditando e preparando a Reunião de Encerramento e Avaliação do Ano Pastoral da nossa Comunidade, para a qual se devem sentir convidados todos os colaboradores da nossa acção pastoral e demais amigos e fiéis que se queiram associar.

Actividades que sobressaíram
Entretanto, elenco alguns aspectos dignos de registo maior na celebração do nosso Ano Pastoral. São concretizações fortes (outras nem por isso) que devemos agradecer a todos e sobretudo ao Senhor; que devemos repensar, valorizar e cuidar se se devem repropor. Ficam aqui declaradas para que as possamos meditar durante a nossa semana e as possamos reflectir em conjunto no dia 20, Sábado, pelas 16:00h, na Sala dos Terceiros (Estas e outras que V. entenda que o devam ser; ou até mesmo outros assuntos que lhe possam ter parecido menos positivos):

I. Acções que reapareceram
1. A Chama do Carmo, embora a actual em novo formato e periodicidade semanal;
2. Retiros espirituais nos tempos fortes.

II. Novos propostas e actividades
1. Reunião de Abertura e Reunião de Encerramento do Ano Pastoral;
2. Adoração Eucarística Mensal, que se realiza entre as 13:30h e as 20:00h;
3. Encontros com a Palavra, que sucederam aos Encontro Bíblicos;
4. Coral da Missa Vespertina;
5. Jovens Missionários Kanimambo;
6. Colaboração de mais Acólitos, Leitores e Ministros Extraordinários da Comunhão e Entradas solenes nas Missas dominicais.
6. Convívio com os colaboradores da pastoral da nossa Comunidade (em San Cámpio);
7. Espaço E, ainda que não muito aproveitado;
8. Exposição dos presépios;
9. Surgimento do blog da Chama do Carmo.

[Chamado Carmo - 14 de Junho de 2009]