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domingo, 10 de fevereiro de 2013

Agradáveis a Deus



Peregrinações
Chega o Verão chegam as peregrinações. Digo, chegam peregrinações mas não daquelas que antes nos levaram a Jerusalém, Roma, Compostela ou Fátima. De há uns tempos a esta parte, com o advento do Verão, muitos são os caminhos de peregrinação até Vilar de Mouros ou Carviçais, até Paredes de Coura ou Zambujeira do Mar, e outros lugares que ainda não sei enumerar.
Não se julgue que a coisa não é séria. É-o e olho-a sério. Senão veja-se:
Estas peregrinações exigem longas e nem sempre confortáveis deslocações, e o que se perde em conforto ganha-se na comunhão com a natureza (às vezes só as viagens valem por metade do festival (digo, da peregrinação)! Para tudo o que é necessário para todos é-se obrigado naturalmente a longas bichas de espera, onde se exercita a paciência e a solidariedade; também dá para partilhar experiências e estabelecer contactos e afervorar algum irmão mais débil na fé. Banho quando há é sujeito a duras restrições ou obedece aos condicionalismos do lugar, o que nos leva a meditar no zelo excessivo com que assumimos a higiene no restante do ano e como nos postergamos perante excessos de que levianamente prescindimos nestas ocasiões. Como o dinheiro não dura sempre e o multibanco nem sempre está à mão e também se esgota vive-se da caridade alheia e aperfeiçoa-se na humildade; e se a caridade não abunda, o que não admira, entra-se em regime de jejum ou abstinência forçadas. A verdade é esta, deixa-se a cidade com as suas esplanadas regorgitando de supérfluo para se arriscar um escaldão e o desconforto. Frequentadores igualmente habituais, isto é, residentes habituais são os mosquitos e outros membros da tribo promovidos a instrumentos ideiais para transformar estes sensíveis e generosos peregrinos em mártires dóceis e dedicados.
Mas há mais. Há concerteza coisas que não comento porque não fui iniciado nestas peregrinações, logo estou naturalmente impedido de as frequentar e de as conhecer mais por dentro.
E há ainda as celebrações. Sim, é verdade, nada disto ficaria completo sem a turba se reunir em assembleia. Antes da ordem dos dias (ou das noites?) actuam os noviços sem o nome no cartaz que aproveitam a ocasião para se lançar. A estas liturgias quase privadas só assistem os amigos, naturalmente os identificados com os rituais ainda não re-conhecidos. Depois, durante o dia, as diferentes comunidades reunem-se primeiro por capelas que concentram os fiéis mais fiéis e cujo discurso é por estes entendível. Ao fim do dia surgem os sacerdotes principais, e quanto mais para o fim mais principais o são. A luz do palco converge para eles todas as atenções. Depois da saudação, gradualmente e de acordo com  actuação a militância e a devoção sobe ao rubro. Comunga-se um espaço, um ambiente, os sons, os cânticos, os ideais, as homilias, o sentido de missão  e ao que leio ‘um eventual fetiche vindo de plantações marroquinas’. O que interessa é curtir, digo peregrinar.
A terminar: peço desculpa por algum excesso e, sobretudo, pela imprecisão de linguagem e de conceitos. Mas como sou infiel...

Zambujeira
Não sou eu que troco os planos e transtroco as realidades e misturo as linguagens. A miscelânia é evidente. Falo do que ouço ou vejo. Um destes dias o JN trazia na capa um senhor abade baptizando uma menina. A Dânia nasceu no ano passado durante o Festival do Sudoeste. E os pais, devotos do festival,  quiseram baptizá-la ali nesta que é a edição seguinte. E foi canonicamente baptizada com os jornalistas a madrugar para testemunhar a celebração do sacramento. E os pais também prometem que é ali que a vão casar! Verdade verdadinha que não me estranha, não me espanta, não me surpreende nem me tira a fé. E quem se estranhou com a primeira parte das Notas deve saber que quem anda a misturar as realidades não sou eu.

Curioso
Eu já não percebo nada. Não é que não perceba, estou é baralhado. Ana Filgueiras tem 52 anos, muitos deles dedicados a combater a Sida. O nome deve enganar, não deve ser portuguesa. Aliás o seu combate foi em Angola e Brasil. Numa entrevista ao Público no dia 25 de Junho, páginas 4 e 5, declarou “ninguém gosta do preservativo, não é só a Igreja!”. Ai, sim? Então, porque nos deram tanta porrada? A senhora não é concerteza portuguesa, por isso, desde já a aviso: António, cartoonista do Expresso, vai enfiar-lhe um no nariz. Vai ver! Depois me dirá.
Devo dizer-lhe, minha senhora, que me parece saber do que fala. Apreciei a humildade e a serenidade. E olhe que até nem está mal aquela de dizer que o senhor Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, “pode dar uma enorme contribuição para a travagem da Sida neste país”. Mas repare bem: até agora não sabíamos nada, agora já concordam connosco; e o que é mais podemos ser “uma enorme contribuição”!... Na última década a senhora não viveu de certeza em Portugal, senão não dizia isso.
À Sida já lhe ouvi chamar a Peste do século XX. E já lhe ouvi chamar castigo de Deus. Os 22 milhões de mortes confirmam a primeira teoria, mas castigo não é. Face à tragédia à escala global o problema também nos preocupa a nós. E como bem disse a defesa e promoção da vida é para nós um princípio sagrado. Mas só mais uma pergunta e com todo o respeito: com que julga que a Igreja vai combater a Sida? Onde estão os milhões que outros tiveram disponíveis? Confiar na nossa capacidade de gestão é já uma boa garantia e é provavelmente a melhor maneira de começar o combate! Vamos a ele. Porém, continuo a achar tudo isto muito curioso e permaneço muito confuso.

Adão e Eva
Uma empresa sueca está a preparar uma nova edição da Bíblia. A notícia surpreende só por ser uma empresa a editar a Bíblia. Mas a notícia continua: este projecto incluirá Markus Schenkenberg, ex-noivo de Pamela Anderson, e a modelo alemã Claudia Schiffer como os novos Adão e Eva! Cada um receberá três milhões de contos para posar ‘à Adão e Eva’ embora nada garanta que apareçam exactamente como os nossos pais viveram no Éden. Ainda a coisa está apenas publicitada e já existem ditos e contos e opiniões a preceito. Assim há quem ache serem estas umas ilustrações demasiadas ousadas e muito longe do carácter sacro do texto; e há quem entenda que é sempre boa qualquer coisa que nos provoque para a existência duma leitura tão rica como a da Bíblia. Uma coisa é certa, seja como seja a venda de tão rara edição está garantida!

1’
Um discípulo perguntou:
— Que boa acção devo fazer, sábio Mestre, para me tornar agradável a Deus?
    Como devo saber?, perguntou o Mestre. Na Bíblia diz que Abraão praticou a hospitalidade, e Deus estava com ele; que Elias gostava de rezar, e Deus estava com ele; que David governou um reino, e Deus também estava com ele.
    Mas não existe uma maneira de saber qual é o caminho mais certo para mim?
    Sim, existe... Procure descobrir qual é a sua mais profunda inclinação que traz em seu coração e siga-a!

[8 de Agosto de 2001]

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Curiosidades


Guerreiro
Na sequência do crime da Praia do Futuro, Fortaleza, ouço o pai do Luis Miguel a falar no Jornal Nacional, da TVI. Pelos vistos já falara no dia anterior. A vergonha verga-lhe a cabeça, a dor cerra-lhe uma cortina de lágrimas nos olhos. Um pai é assim mesmo, até ao fim. Ainda que a loucura do filho nem para ele seja explicável a verdade é que é pai, o pai. Para todos os pais os filhos são os ‘meus filhos’ e por isso, às vezes, o que não se desculpa nos outros desculpa-se nos nossos. Mas aqui nem isso. Por isso pediu desculpa, declarou-se pronto a morrer por cada um dos que barbaramente morreram se isso fosse possível, e agradeceu o tempo de antena que lhe permitiu mostrar-nos que ainda há homens. E também disse: «O meu filho para mim morreu espiritualmente». Biologicamente, pai nunca deixará de ser; a visitar o filho na prisão também não se negará. Mas ser pai é sê-lo também espiritualmente e Carlos Guerreiro sabe-o bem, por isso deserdou o Luis Miguel da herança espiritual que o filho antecipadamente recusara ao premeditar e mandar executar o crime. É a crença de um pai afirmando os princípios e os valores da vida sobre os valores em saldo da morte personificada num filho que já não o é.
Pelo que vou vendo está sendo difícil ser pai. E sê-lo-á ainda mais no futuro. Não vejo nisto um anátema mas um desafio à coragem de quem se sente vocacionado a ser pai. Talvez o futuro não seja uma praia — por mim muda-se o nome à fatídica e não se atribui a nenhuma outra em nenhum tempo ou lugar —, talvez seja apenas e só um campo ou um jardim. Talvez seja. Por isso, antecipadamente, isto é, a seu tempo, vale a pena trabalhá-lo, cavá-lo, tratá-lo, cuidá-lo e semeá-lo mesmo que só venha a dar cardos e abrolhos.

Um cão ou um gato
Depois que vi publicada a crónica onde falava de S. João Baptista e do abaixamento da taxa da natalidade em Portugal até eu fiquei a pensar. Teria feito bem em escrever aquilo? Estaria certo ou errado? No domingo dezanove de Agosto abri a Pública, revista de domingo do jornal Público, e na última página leio o cartoon Histórias de amor, de Miguel. Transcrevo o diálogo entre duas mulheres (anónimas, mas amigas):
    Ando a pensar seriamente num cão... ou um gato... ou uns peixinhos... ainda não decidi. Por um lado, um cão é fiel e obediente; por outro lado, um gato é mais asseado.
    O que é que diz o Armando?
    O Armando quer um filho...
    Só que um filho não é asseado, não é fiel e obediente... e também não transmite aquela sensação de paz, calma e serenidade dos peixinhos a nadarem no aquário.
Não gostava de ter tido razão no que disse quando escrevi o que escrevi. Mas se tenho — e o diálogo diz que tenho, pelo menos alguma —, não me alegra tê-la. E se, de facto, as hipóteses são ou um filho ou um animal não me admira que o futuro (como de resto já o presente!) tenha homens que nem bichos. Ou pior...


      C. Norwid
Quando tinha 18 anos cheguei a Avessadas para o Noviciado. Na cela (quarto conventual) que me deram havia um crucifixo que já não tinha Cristo. Muito me impressionou aquela cruz sem Cristo!
No dia 1 de Julho, em Roma, o Papa João Paulo II recebeu, entre outros, os cultores do poeta polaco Cyprian Kamil Norwid. Cumpriam-se nesse dia os 180 anos do nascimento do Poeta. No discurso de saudação que o Papa então lhes dirigiu teve oportunidade de confirmar que foi também lendo o Poeta que soube resistir ao nazismo e ao comunismo e a todas as injustiças. Porque aquela era uma poesia que brotava duma vida difícil que se sustentava na beleza e na fé, no amor e na aliança, no trabalho e na esperança.
É curioso verificar que Norwid gostava de crucifixos. Não admira, era homem de fé. Mas gostava de contemplá-los sem Cristo porque assim indicavam mais claramente o lugar que deve ser ocupado pelo cristão. Também a isso se referiu o Papa.  E ainda neste contexto exclamou uma vez mais com palavras do Poeta: «Não te sigas a ti mesmo com a Crus do Salvador, mas o Salvador com a tua Cruz».
Para quem não sabe que caminho percorrer, ou que lugar ocupar, ou que verdade ensinar aos netos devo dizer-lhe que não precisará de nada mais.


1’
Houve uma vez uma corrida de sapinhos! O objectivo era atingir o alto de uma grande torre. Havia no local da corrida uma multidão assistindo. Todos queriam vibrar e torcer por eles. Começou a competição. Mas como a multidão não acreditava  que os sapinhos pudessem alcançar o alto daquela torre, o que mais se ouvia era: "Que pena! Os sapinhos não vão conseguir. Não vão conseguir." E os sapinhos começaram a desistir. Mas havia um que persistia e continuava a subida, em busca do topo. A multidão continuava a gritar: "Que pena! Vocês não vão conseguir!" E os sapinhos continuaram a desistir um por um. Porém, um sapinho continuava persistente e tranquilo na corrida, embora cada vez mais arfante. No  fim da competição todos desistiram menos ele. A curiosidade tomou conta de todos. Queriam  saber o que tinha acontecido. E quando foram perguntar ao sapinho como havia conseguido concluir a prova, aí descobriram... que ele era surdo!

[27 de Agosto de 2001]