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sexta-feira, 30 de março de 2007

Para o Domingo de Ramos

Hoje, Cristo entra na cidade dos nossos corações
e encontra-os preocupados e ocupados com desesperanças várias
que não ajudam a viver a alegria de Filhos de Deus.

Hoje, Cristo cruza o pórtico da nossa vida
para que entendamos que o seu Lado descampado e aberto
é uma fonte que brotará abundantemente para nós.

Hoje, Domingo de Ramos, começa a semana mais santa dos cristãos.
Nela sucedem os mistérios da paixão e morte do Senhor
que tiveram início com a sua entrada em Jerusalém.

Hoje entra em glória,
Sexta-feira sairá dos seus muros escorrendo sangue.

Hoje entra montado num burrinho,
Sexta-feira sairá carregando uma pesada cruz.

Hoje abre caminho consciente de que o pecado se esconde nos cânticos de vitória,
Sexta-feira sairá depois de pagar tributo aos que lhe disseram que sim,
mas que agora fazem de conta que se esqueceram.

Hoje desfila por entre cânticos e louvores,
Sexta-feira subirá ao Monte Calvário debaixo de insultos e escârnios
daqueles corações duros e implacáveis.

Hoje as nossas palmas dizem que queremos beber da taça da sua vitória,
Sexta-feira assustar-nos-emos com a sua horrível condenação
e o peso da injustiça da cruz:
por essa razão virá um Cireneu para O ajudar.

segunda-feira, 26 de março de 2007

O olhar e as mãos

Como os olhos dos escravos se fixam nas mãos dos seus senhores
e os da escrava nas mãos da sua senhora,
assim os nossos olhos se fixam no Senhor, nosso Deus,
porque d'Ele esperamos a misericórdia.

(Salmo 123)

Como Maria, a Virgem Mãe, o meu olhar se fixe nas vossas mãos, Senhor,
para que nos dias de indigência não nos falte o Pão,
o ruído se acalme à entrada da tenda da Palavra,
porque perseguidos esperamos a Consolação.

Sim, o nosso olhar está nas vossas mãos.
E a nossa vida está nas vossas mãos.

Em nosso olhar a fome e a confiança, em vossas mãos a fartura e a dádiva.


Sim, vós encheis as mãos humanas da Realidade excessiva:
Maria, primeiro em seu seio, depois em suas mãos,
acolheu o excesso que Lhe entregas-te:
o vosso Filho com sabor a pão
e que nós cobrimos de beijos que nos saciam.

domingo, 25 de março de 2007

Não há outro olhar como o teu

Não há outro olhar como o teu.
Um olhar que sempre diga:
Tu existes para mim
e eu amo-te assim,
assim como és.
Lava o meu olhar, Senhor.
Desvincula-o de toda a pressa pela posse.
Desarma-o de todas as pedras.
Dá-me um olhar de mãos vazias.

sábado, 24 de março de 2007

Uma questão de olhares

Do lascívo ao simples, do orgulhoso ao paternal as cambiantes do olhar são imensas. Não há olhares iguais, todos são diferentes. E o eixo da questão está na intencionalidade. Ou na falta dela. Há, pois, olhares e olhares.
É disso que fala este Domingo V da Quaresma. Dos olhares. Dos que matam em nome de Deus. E do olhar de Deus que, no fim de contas, dá a vida. O olhar de Deus é amar, diz S. João da Cruz. Quer dizer: dá vida, recria, reanima.
Assim como a fé entra pelo ouvido, a caridade entra pelo olhar. Não tenho dúvidas. Está tudo à vista: ou se tem mãos vazias ou cheias de pedras. O segredo está no olhar, porque é o olhar que nos enche.
Dizia Simone Weil que «uma das verdades fundamentais do Cristianismo, embora muito esquecida, é esta: o que salva é o olhar». Sim, é verdade. O que salva ou o que mata é o olhar. Por alguma razão, vejo-o nos filmes, os assassinos não olham as vítimas. E menos ainda os olham olhos nos olhos. Alguma razão hão-de ter.

sexta-feira, 23 de março de 2007

Meninos

Dizem os jornais que o Daniel Carvalho, a Catarina, a Vanessa, a Fátima L., a Joana, o Yuri e a Angelina e agora a Sara morreram. As características comuns a estas mortes são o tratar-se de crianças de tenra idade, desprotegidas e em famílias de risco. As suas mortes foram cruéis. Foram vítimas de maus tratos. Maus tratos, não. Simplesmente sem tratos, porque as crianças ou se cuidam como é seu direito, isto é, ou as cuidamos, acarinhamos, acalentamos e lhes espantamos medos, fantasmas e frios, ou tudo o resto não é trato nenhum. É tortura. Tortura em país civilizado, crescido, adulto, higiénico, laico, europeu e do século vinte e um!
Vejo mais uma vez as suas caritas no Correio da Manhã. São caras reguilas, irrequietas, inquiridoras. São caras de crianças, enfim. A Joana, de oito anos, faz lembrar uma mulherzinha. Uma mulherzinha por antecipação, daquelas que se ocupam da casa, da mãe, dos seus desvarios, do deve e haver da família, do futuro, e até do porvir truncado. Ao que dizem e talvez seja o mais certo, jaz agora na barriga dum porco! Meu Deus, que horrível! Ela que costumava ocupar-se das comidas da família foi comida por quem nasceu para ser sua refeição!
Como tão facilmente as coisas se transtrocam!
É por isso que eu vou pela rua, às vezes devagarinho, a rezar. Vejo meninos pela mão e nos carrinhos e nem sempre aconchegados pelo melhor dos carinhos. Vou por ali, vou por acolá. E vejo meninos e vejo futuros, vejo doutores, presidentes e calceteiros. E talvez alguns não cheguem muito além. E talvez alguns morram não sei onde. E talvez a barbárie imponha a sua lei crua e morra mais algum indignamente. Olho, vejo. Há meninos que nos sorriem, que nos espevitam as janelas da esperança como semáforos verdes que nos convidam a passar. E eu pergunto interrogando-me: qual será o próximo que morre? Qual é o próximo a acabar na barriga dum porco, ou pior?
É por isso que quando me cruzo com eles, mais que com as suas mães, pais ou avós, eu me dirijo a eles. Penso neles, olho-os se possível. E rezo por eles, abençoo-os. Sim. Talvez aquele menino ou menina seja muçulmano, árabe, ateu ou agnóstico. (Sim, que cada um começa por ser o que os seus pais forem.) Talvez não seja nada daquilo que eu sou e acredito. Mas é um menino, é uma menina. Uma criança, o futuro. E então eu os abençoo em nome do Menino Jesus de Praga e lhos consagro e ofereço. São dele. Ninguém mo pode impedir. Abençoo-os todos no meu olhar, na minha oração silenciosa. Todos os meninos que eu vejo eu Lhos dou, em seu Nome os abençoo. Eu lhes dou Salvação. Eu lhes dou Jesus em forma de benção, a fim de que porco algum lhes faça mal.

Amen.